“Nunca se deve usar a condição humana para matar, roubar, destruir, mesmo sob o
pretexto de justiça e paz.”
Depois de tantas noites e manhãs, depois de tantas vidas assumidas, revejo-as claramente por entre a chuva. Após tantos pecados ocultos e tantas encarnações, vejo as como uma alternativa, como uma bifurcação sem escolha; ou melhor, como apenas uma escolha racional: optar pelo caminho mais fácil e mais escuro como instinto de sobrevivência. Consegui viver assim, consegui safar-me assim. Mesmo pisando, matando ou traindo. O que fazer numa terra sem lei, onde ninguém manda, ninguém
cumpre e todos desmandam?
Até aqui vivi sem remorsos, pois sempre acreditei que ter remorsos era para os fracos. É preciso coragem para viver numa sociedade de desleais, numa sociedade de fora da lei. Terra onde os condenados e os fugitivos da lei que fogem do estrangeiro são a consagrados deputados e fazedores da lei. Os assassinos e o assassinato deixaram de estar interligados; o assassino torna-se aquele que faz a lei, e o assassinato, um ato isolado sem significância, sem punição. Este é o estado da justiça que temos.
“Não tenho culpa da injustiça social do mundo. Não tenho culpa do sistema que condena os fracos. Depois de tantas chibatadas, não compreendo a represália do sistema que eu próprio ajudei a criar.” A chamada à justiça social é somente para os bons ignorantes que passaram pela escola de direito. Acho que entendem minha linguagem distorcida: são os complôs, os mistérios, as negociatas em que nos
envolvemos para fazer o errado dar certo.
Continuo minhas encarnações, até que um dia a justiça social se torne numa justiça penal; a partir daí acreditarei na justiça justificada ou num complô político, e verei meu passado não com nostalgia, mas sim com arrependimento. As crianças são violadas e os médicos recusam-se a fazer perícia médico-legal, e os
violadores saem impunes, com vontade de cometerem os mesmos atos no futuro, tornando-se reincidentes numa terra sem chibatadas da lei.
No estatuto do Tribunal Penal Internacional, podemos ler em alguns trechos do Artigo 7º: “São os atos desumanos de caráter semelhante, que causam intencionalmente grande sofrimento, ou afetam gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.” Abafamos e congelamos isso, e adotamos a atitude cobarde do medo da mudança, medo de exigência e de busca de nova identidade. Subjetivamos nossa identidade com a corrupção, a pobreza e com o sentimento de cada um por si. “Trava-se uma luta entre a democracia e o estilhaçamento do território mental das subjetividades das elites políticas”. Nosso problema pode tornar-se numa patologia social se não quisermos mudar de sistema.
Regamos a flor murcha da indiferença, da ingratidão, do ódio e do esquecimento. E não queremos mudar. Das mentiras vãs que nos amordaçam, os véus arrancamos um a um. Tristes despojos de um passado velho, que em nós se quer perpetuar, como dizia Antero Abreu, o poeta angolano. Isso mostra a ganância humana sobrepondo a miséria e o sentimento social de ajuda e a valorização da vida humana como um bem escasso e a defender. Um atentado à vida humana e à sua liberdade.
As investigações judiciais esbarram numa cultura judicial burocrática e garantística, para não falar em outro tipo de interesses. Em tempos de crise, quando o sentimento de injustiça se torna mais agudo, o único modo de legitimar a austeridade que nos aperta os rins é um pressuposto combate sem quartel à corrupção.
Mas o mal que nos assola é que as lacunas e a caducidade das leis judiciais lhes têm dado margem de manobra para vaguearem entre a justiça de imaginação, revogatória e imprudente, muitas vezes tão acentuada e aguda que notamos uma quantidade de falta de ética e moral, traições e pouca formação.
Criou-se uma identidade judicial de mal-estar, de ligações perigosas, e um conluio entre os juízes, os advogados, os funcionários judiciais e certas figuras públicas ligadas a certos partidos políticos que poderão fazer sucumbir os vestígios de uma justiça imparcial, equitativa, sóbria e competente, como disse Norbert Leithner em “Los pátios interiores de la democracia”: “A identidade corrupta sucumbe os valores democráticos da sociedade.”
A invasão dos terrenos particulares pela população e a venda dos mesmos com documentos falsos, a violência e os assassinatos verificados nestes últimos tempos são claramente a consequência desse sentimento de impunidade que era somente das elites e agora tornou-se transversal a toda a sociedade.
Alguém disse um dia que a “Pobreza é uma arte, que ela não nasce de um dia para outro; pois ela é projetada, programada, construída, mas não está condenada a perpetuar-se por não ser valiosa. Para destruí-la é preciso empenho e vontade humana para tal.”
É uma patologia social que enfrentamos durante anos, porque somos santomenses antes de sermos homens – eis a doença da hiperatividade que nos corrói ainda hoje, do “Não é comigo” do “SINISMO” do “ se falares da politica é porque és do partido adversário”; e aí vem mantendo.
Hoje o mundo deixou de ser inobjetável, e o santomense esforça-se por mergulhar mais fundo no território perdido da sua identidade, o que existe é que realmente esteve sempre perdido. Acredito que há várias outras maneiras de fazer, de dizer as coisas, sem magoar, sem ferir o povo, mas não fazer e não dizer seria perder totalmente um pouco da identidade e da esperança que nos resta.
“Dispensamos a patrulha dos Faplas e não precisamos de barcos de guerra. O que realmente necessitamos são barcos de pesca que retornem do alto mar carregados de peixes. Precisamos de um hospital funcional, abastecido com medicamentos suficientes para tratar nossos doentes, onde não apenas ‘o povinho’ morre por falta de cuidados adequados.” “Reparam, há um clima de raiva com armas que não disparam, virar a cabeça não é transformar, virar a cabeça não é confrontar, nem ver as pessoas é vistoriar, amigos,” (Poeta Maria Teresa Horta, 1967); não falar não é mudar amigos, porque precisamos
mais do que isso para mudar a nossa sociedade.
Regamos a flor murcha da indiferença, da ingratidão, do ódio e do esquecimento. E não queremos mudar. No seu radar de ensaio, João Gil disse: “Os problemas de identidade decorrem das patologias sociais, já que estabelecemos um elo causal entre a doença da identidade e a dinâmica social.” Em São Tomé, esse elo é conhecido por cada um de nós. Os seus pressupostos são: 1º – O que é a nossa identidade – no sentido em que apresenta como a última proteção narcisista e derradeiro obstáculo à transformação do indivíduo santomense.
2º – A nossa falta de confiança uns com os outros, desunião, a inércia, o lêve lêve, e a inveja são pragas nacionais que nos envenenam. Aprisionamos uma das nossas mais fortes características, enquanto “homens santomenses”, o de luta pela libertação que motivou nossos antepassados no tempo colonial. Abafamo-lo e congelamo-lo, e adotamos a atitude cobarde do medo da mudança, medo de exigência e de busca de nova identidade.
Subjetivamos nossa identidade com a corrupção, a pobreza e com o sentimento de cada um por si. Trava-se uma luta entre a democracia e o estilhaçamento do território mental das subjetividades das elites políticas. O homem santomense era sonhador e lutador pela sua causa. Será que não herdamos o sangue azul de nossos antepassados, o sangue da revolução, da transformação e da inquietação?
“Podem não bastar a civilização e o conhecimento para um homem (ou uma sociedade) praticar o bem.”
“Mas pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo, no fatalismo. Mas, prescindir da esperança na luta para melhorar o mundo, como se a luta se pudesse reduzir a atos calculados apenas, à pura cientificidade, é frívola ilusão” (Paulo Freire -Pedagogia da Esperança.)
A “democratização” da sem vergonhice que vem tomando conta do país, o desrespeito à coisa pública, as impunidades se aprofundaram e se generalizaram tanto que a nação deve começar a se pôr de pé, a protestar. Os jovens e os adolescentes também, deviam vir às ruas, criticar, exigirem seriedade e transparência. O povo deve gritar contra os testemunhos de desfaçatez, As praças públicas deviam de novo se encherem. Há uma esperança, não importa que nem sempre audaz, nas esquinas das ruas, no corpo de cada uma e de cada um de nós. E a maioria da nação deveria ser tomada por incontida necessidade de vomitar em face de tamanha desvergonha.
(Paulo Freire -Pedagogia da Esperança-texto adaptado) “Continuamos sendo monstros, cruéis e falhos, alimentando uma esperança sem ação e sem glória, esperando que dias melhores virão.”
Carlos Teixeira
21/05/24
APOLLO24
22 de Maio de 2024 at 9:05
Bom dia,
Um forte abraço pelo texto. Uma lição para todos nós acordamos e refletirmos o que é essencial para a nação que queremos construir.
Cada um pode fazer a sua política, mas o que comum para todos nós é o mais importante do que a cor partidária. Todos os dias eu questiono o que estamos a fazer com a EDUCAÇÃO DE BERÇO E EDUCAÇÃO ESCOLAR? O que estamos a fazer passados os 50 anos de independência? Onde estamos a colocar a meritocracia. Onde estão os melhores filhos da nação com a sua capacidade, sabedoria, zelo e conhecimento?
Um bem haja! Nunca é tarde de mais para começarmos de novo.
santomé cu plinxipe
22 de Maio de 2024 at 11:35
Vai trabalhar jovem, trabalhar a sério e não trabalho sério…demagogia não serve STP, mão na massa sim,,,,