Opinião

Tesla: Reacção da cidadã Margarida Macedo ao artigo de Abel Bom Jesus

Nos últimos dias, circulou uma tentativa de reescrever a história recente da governação em São Tomé e Príncipe. Um ex-dirigente decidiu publicar um texto intitulado “A Tesla, o Contrato e a Nossa Responsabilidade Coletiva”, tentando justificar decisões polémicas tomadas pelo governo de Patrice Trovoada, nomeadamente o controverso contrato com a empresa Tesla — que, importa esclarecer, nada tem a ver com a conhecida Tesla Inc. de Elon Musk.

Como cidadã e como alguém que acredita numa política séria, estratégica e centrada no bem coletivo, sinto-me na obrigação de responder, não com emoções, mas com factos e consciência política.

A narrativa do salvador

O artigo pinta um quadro dramático: o país às escuras, o colapso iminente e um primeiro-ministro angustiado a lutar heroicamente para salvar o povo. Essa versão romântica da governação não corresponde à realidade. É preciso dizer com clareza: o contrato com a Tesla não foi fruto de um processo transparente, nem resultado de uma estratégia nacional de desenvolvimento energético. Foi uma decisão tomada à pressa, sem consulta pública, sem concurso, e com sérias dúvidas jurídicas e financeiras.

Houve melhoria no fornecimento de energia durante um curto período, sim — ninguém nega. Mas a que custo? E com que garantias para o futuro? O povo não vive só de soluções imediatistas. O povo precisa de estratégias sustentáveis, com base em estudo técnico, gestão responsável e contratos que defendam o interesse nacional.

Onde está a transparência?

A pergunta que todos fazem — e que o texto evita — é simples: por que razão o contrato nunca foi tornado público? Onde estão os documentos? Onde está a análise de impacto? Onde estão os estudos prévios? A falta de transparência foi um dos principais pecados do governo de Patrice Trovoada, e este contrato é apenas um dos muitos exemplos.

Se havia vontade de servir o país com seriedade, por que esconder os termos de um acordo que afeta diretamente o setor energético nacional?

A hipocrisia do discurso da união

Fala-se de “responsabilidade coletiva” e de “memória”, como se os erros de ontem devessem ser ignorados só porque hoje o cenário político mudou. Ora, essa lógica é perigosa e profundamente irresponsável. O país não pode continuar a ser gerido ao sabor de interesses pessoais e conveniências de ocasião.

A verdadeira responsabilidade exige autocrítica e prestação de contas. E não vimos isso por parte do governo anterior. Vimos sim: exonerações arbitrárias, silenciamento de técnicos competentes, decisões unilaterais e perseguições políticas.

A tentativa de vitimização

O autor afirma ter sido afastado por não ceder a vontades individuais. A pergunta que não quer calar é: se sabia que havia cláusulas lesivas ao Estado, por que não falou na altura? Por que não se demitiu? Por que não denunciou?

Vir agora, em momento oportuno, vestir o manto da vítima e defensor do bem comum é mais uma forma de desviar o foco do essencial: o país foi mal governado, os recursos foram mal geridos, e a energia nacional ficou refém de interesses obscuros.

O que propomos

Este país precisa urgentemente de romper com a política do improviso. Propomos:

1. Auditoria pública imediata ao contrato com a Tesla, com divulgação dos termos e responsáveis.

2. Criação de uma comissão independente para avaliar todos os acordos energéticos assinados nos últimos 10 anos.

3. Reforço da regulação e da transparência no setor público, com especial atenção a contratos internacionais.

4. Investimento estratégico em energias renováveis, com apoio técnico internacional e foco em sustentabilidade.

5. Formação e valorização do capital humano nacional, para que a gestão da energia em São Tomé e Príncipe não dependa mais de interesses externos ou soluções improvisadas.

Conclusão

Fazer política não é escrever crónicas de autoelogio. Fazer política é servir com verdade, com visão e com coragem para reconhecer erros e corrigi-los. O contrato com a Tesla é um símbolo de como não se deve governar. E não será através de textos sentimentais que se apaga o rasto da má governação.

São Tomé e Príncipe merece mais. Merece líderes que não tenham medo da verdade. Que não se escondam atrás de discursos. E que ponham o país à frente dos seus próprios interesses.

Chega de manipulação. Chegou o tempo da responsabilidade.

By: Margarida Macedo

5 Comments

5 Comments

  1. Elias Fernandes

    18 de Junho de 2025 at 17:07

    Vi, li, e gostei estás de parabéns jovem mulhere.

    Que haja mais jovens interessados em resgatar o país.

  2. Victor Ceita

    18 de Junho de 2025 at 21:16

    Excelente forma de expor, realmente sem emoção, com objectividade. Parabéns. O destinatário, se for capaz, agradecer-lhe-á por lhe pôr no devido lugar!

  3. Guilherme

    18 de Junho de 2025 at 21:40

    A intenção de passar por cima das leis e das normas então vigentes era demasiado óbvio por parte do então governo. Foi por esta razão que apressadamente retiraram do Tribunal de Contas o poder de fiscalização preventivo dos contratos, incluindo a substituição do então Presidente daquele órgão em pleno exercício das suas funções. A Assembleia Nacional também é cúmplice desta situação permitindo que o então Governo assinasse varios contratos lesivos ao país por períodos de tempo tão prolongados. Pelo que sabemos, a Assembleia Nacional, entre outras funções, fiscaliza as atividades do Governo e não em sentido contrário como acontecia.

  4. Célio Afonso

    19 de Junho de 2025 at 8:08

    Excelente artigo.
    Questionou sem complicar.
    Alguém me esclareça! Tinha lido algures em como a empresa Tesla não tem registo em lado nenhum pelo que não se sabe quem são os seus sócios!
    Factos que só acontecem em STP!

  5. Guilherme

    19 de Junho de 2025 at 16:21

    A intenção de passar por cima das leis e das normas então vigentes era demasiado óbvio por parte do então governo. Foi por esta razão que apressadamente retiraram do Tribunal de Contas o poder de fiscalização preventiva dos contratos, incluindo a substituição do então Presidente daquele órgão em pleno exercício das suas funções. A Assembleia Nacional também é cúmplice desta situação permitindo que o então Governo assinasse varios contratos lesivos ao país por períodos de tempo tão prolongados. Pelo que sabemos, a Assembleia Nacional, entre outras funções, fiscaliza as atividades do Governo e não em sentido contrário como acontecia. Alias, a Presidente da Assembleia Nacional ja nos deu a intender que ela não é Adeista, mas sim Patricista. Não confundir os dois conceitos.

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