Cultura

Tuberculose mata Costa Alegre

Realizou-se ontem, pelas 3 horas da tarde, o enterro deste nosso bom e querido amigo. Há muito tempo que não assistimos a uma manifestação espontânea, sincera e comovedora.

O corpo do malogrado Poeta saiu da estação do caminho-de-ferro de Santa Apolónia e foi para o cemitério dos Prazeres.

O enterro foi feito a pé, e durante este longo trajecto todos os numerosos amigos do Poeta seguiram consternadíssimos. Dando-lhe assim, a última prova de estima e dedicação, que tanto merecia.

O cadáver do nosso infeliz amigo ia sobre uma carreta conduzida por alunos da Escola Médica e de todas as escolas de Lisboa; cobria o caixão a bandeira Portuguesa.

Atrás da carreta seguia uma grande deputação da Escola Naval, levando um dos alunos, sobre uma almofada coberta de crepe, a espada e o boné do desditoso Poeta. Imediatamente depois de incorporaram-se todos os seus colegas e amigos, sendo o préstito formado por mais de mil pessoas! (Segue-se a enumeração das coroas, etc.).

Nós que fomos amigos verdadeiros de Costa Alegre, sentimo-nos profundamente magoados com este inesperado golpe, e no nosso coração viverá sempre uma profunda saudade por aquele que nunca criou um inimigo, e que soube conquistar a simpatia de todos que tiveram a ventura de o conhecer. (Reproduzem-se alguns discursos, etc.).

Damos em seguida uma quadra inédita do sempre chorado Poeta, feita há uns cinco anos. Nem talvez ele já se lembrasse dessa mimosa poesia, escrita no verso de um cartão-de-visita tarjado de preto, que ofereceu a um nosso amigo, dizendo-lhe que a tinha feito à sua musa loira.

Pobre Poeta! Pelo iriado prisma da sua cândida fantasia é que ele via a mulher, que lhe acariciava os sonhos, e pelo diapasão finíssimo da sua grande alma imaculada é que avaliava a alma dela! Triste louco sonhador, nem de leve lhe lembrava que assim como debaixo das águas límpidas de um lago se pode ocultar o lodo nauseabundo, também, sob o aspecto encantador de uma mulher formosa se pode encobrir uma alma fria, ou, pelo menos, um espírito leviano, que não vinga apreciar, ou sequer longinquamente compreender, o que é um engenho lucidamente levantando e uma alma sublimemente boa

In Comércio de Portugal, da notícia do funeral – 22 de Abril de 1890

Duas predilecções amoráveis sensibilizavam o inditoso Costa Alegre; as crianças e as flores. Irrepreensível no trajar, nunca deixava de trazer uma flor na lapela, quase sempre botão de rosa. Raras vezes resistia ao desejo de beijar as crianças. E que pungimento sentia, quando ao baixar-se sorridente e carinhoso para depor um beijo na face gentil de uma criança, ela fugia espavorida! Não deixava de sorrir… mas quanto se lhe amargurava a alma cândida e expansiva com a inesperada repulsa… que lhe lembrava a prontidão da cor!

Se alguns dos assuntos, que seduziram o Poeta, podem ligar-se a essa escola balofa, é certo que a sua linguagem pendeu muito para a naturalidade e simpleza, apanágios gloriosos e atraentes do incomparável João de Deus.

Costa Alegre foi a radiosa cintilação de uma aurora, que não chegou a ser dia! Salvou-o talvez a pouca leitura, que não teve tempo de fazer, suprindo-a pela espontaneidade da inspiração, e certa clarividência de processos e de estilo.

Aconteceu-lhe como a Garrett: «foi insensivelmente depôs o coração e os sentimentos da natureza.»

No magnífico livro As modernas ideias na literatura portuguesa, o senhor Teófilo Braga escreve: «Os talentos mais do que medianos continuam fazendo a sua estreia pelos livros de versos, nos quais cantam as emoções pessoais de adolescência…» E ainda: «Esses livros, belos pela ingenuidade de sentimento têm o defeito da sua própria origem, – a mocidade, a qual com tanta razão Goêthe considerava como incapaz de conceber e de realizar uma obra de arte.»

Caetano da Costa Alegre nasceu em 26 de Abril de 1864, (Trindade) na ilha de São Tomé. Fez os preparatórios na Escola académica. Matriculou-se na Escola Médica em 4 de Outubro de 1887. Destinava-se a médico naval. Obteve a aprovação plena em anatomia descritiva e topografia, 2º ano; foi aprovado, com louvor, em patologia geral e fisiologia. Em Outubro de 1889 matriculou-se no 3º ano, não pôde completá-lo porque a morte prematura o arrebatou, com 26 anos escassos, a 18 de Abril de 1890, em Alcobaça, para onde tinha ido, aproveitando as férias de Páscoa, procurar alívios à tuberculose que o minava.

In Costa Alegre – Versos

Cruz Magalhães

Abril de 1916

Memórias

Dia 26 de Abril, dia do nascimento de Caetano Costa Alegre, já lá vão 121 anos da sua morte prematura, apenas com 26 anos de idade, o que nós, os são-tomenses preservamos de estatuto de um filho que gozou dos mais rasgados elogios, movendo a multidão de Lisboa na despedida dos que com ele conquistaram a amizade? Passados os 147 anos do seu nascimento o que fará esta desconhecida e desmedida personagem da literatura lírica são-tomense aos olhos do Téla Nón? Podemos elevar ainda mais a nossa fasquia. Em toda a História da África do século XIX, quantos países gozam da nobreza de se exibirem um negro de estatuto dourado comparável a Caetano Costa Alegre?

O intuito de trocar os mais fervorosos fundamentos e opiniões, sem saudosismo, nesta somente homenagem a um dos vultos da nossa literatura e talvez, arriscando mesmo a afirmar a mais velha relíquia das ilhas, o Poeta e médico em formação, acalentam-nos e prestigiam-nos de orgulho quanto a grande cabeça de um negro são-tomense debitava a preeminência na Metrópole portuguesa em pleno século XIX, quando nalgumas das mais famosas capitais europeias, o negro ainda era exposto, nu em jaulas nos principais centros para saciar as curiosidades dos visitantes brancos que chegavam a cuspir no “bicho”. Sangue corre na veia! Prefaciando o dizer são-tomense, Costa Alegre, Francisco, salvo, sobrinho de quarta geração do malogrado Poeta, com A Rosa dos Ventos, ofereceu recentemente ao país, o testemunho diplomático da Nação, onde reflecte as nossas turbulências na turva maré. Vamos dar ao trabalho de ler?

Entre 18 e 26 de Abril, dia da morte e do nascimento do Poeta, esquecido por nós, está 23 de Abril, dia Mundial do Livro e dos Direitos do Autor. Um dia antes, 22 de Abril, é o dia da nossa capital, São Tomé, uma das mais bonitas e velhas capitais europeias na África que completou há dias, 476 anos de História, coincidindo o dia com o nascimento de Viana da Motta, o luso-são-tomense chamado recentemente a apresentação no Téla Nón. O mês de Abril remete-nos ainda ao nascimento de Alda do Espírito Santo (recordada ontem, 25 de Maio, dia da África, na Malaposta, em Odivelas-Lisboa pela diáspora da Associação Men Non num seral literário e cultural com músicas e pinturas dos artistas plásticos são-tomenses a mistura com poemas e testemunhos no reavivar aos feitos da matriarca) e quis a morte na sua doutrina viajar-nos ao Francisco Silva, duas perdas recentes do nosso patamar político e literário. Muito mais que semana de leitura, precisamos é de Abril de consciência literária que nos levará aos horizontes tão necessários para a nossa afirmação no mundo moderno. Comecemos pelas escolas e pelos mais novos que são plantas e germinarão flores e frutos que não nos levarão a qualquer desilusão.

Os livros ainda valem o que valem! Data de mais de cem anos a notícia com que abrimos o nosso painel, 22 de Abril de 1890. Porque então? Sem talvez, desenterramos o jovem médico e o Poeta, através de retalhos de um livro a si dedicado pelos seus admiradores portugueses, que não vislumbraram outra nobreza senão juntarem os desideratos de um brilhante estudante de medicina que na maior solidão marcou o seu lugar num percurso curto de vida, apenas 26 anos.

Para descobrirmos a nós próprios, vale na moralidade das épocas vasculharmos as jóias da coroa e tudo que de melhor possa ajustar a nossa reflexão e ponderarmos a luz aonde possa estar a saída do túnel, daí que achamos oportuno trazer ao baile Caetano Costa Alegre.

Eterna memória!

«Desenterra-se extemporaneamente os restos mortais, não será para restituir a vida aos mortos, tão cientificamente, é para dar respostas as dúvidas dos ficheiros secretos de Química Forense, onde a criação literária, evidente, restitui a vida aos mortos.»

26.05.11

José Maria Cardoso

16 Comments

16 Comments

  1. Pantufo

    30 de Maio de 2011 at 11:33

    As minhas condolencias a familia enlutada.
    O nosso planeta ficou mais pobre.

    • Celsio Junqueira

      30 de Maio de 2011 at 13:26

      Meu Caro,

      O Caetano Costa Alegre faleceu em 22 de Abril de 1890 (nos finais do séc. XIX).

      Foi um dos grandes Santomenses que faleceram prematuramente.

      Deixou obra, pouca mais com qualidade.

      Saudações,

    • benavides pires sousa

      30 de Maio de 2011 at 15:16

      o celso junqueira já te disse tudo, pois ia responder-te o mesmo.

      de todos os modos, aceitá-se tambem os teus pesames atrasados há mais de um século…..ehehehehehehee.

      sem maldade, mas ficou cómica a situacao das tuas condolencias.

      um abraco á todos e votos de boa semana!!!!

    • Xavier

      30 de Maio de 2011 at 16:59

      Meus caros e caras, de entrada fiquei com espanto, pois conheço algum Costa Alegre em São Tomé… E espero que estejam todos com boa saúde

    • Tomé

      1 de Junho de 2011 at 18:09

      Gostaria de ter o email do jose Maria Cardoso. Podem faculta-lo?
      Abraços

  2. Fernanda Alegre

    30 de Maio de 2011 at 14:58

    É neste momento que agente sente vontade de dizer, sou santomense.
    Agora cabe a nós continuar e nunca parar, o exemplo já nos foi dado.

    Tenho orgulho de pertencer essa familia,e creio que um dia será uma familia muito unida.

  3. Angelo Torres

    30 de Maio de 2011 at 18:23

    Meus sinceros parabens e muito obrigado pelo artigo, Sr. Jose Maria Cardoso.
    A figura de Caetano Costa Alegre, sempre me fascisnou. Sempre achei a historia tragica do nosso malogrado poeta digno de um filme ou uma o de uma peça de teatro. A muito, muito tempo que acalento esse sonho.
    Este desafio desafio, é para o Abel. Que tal impulsionar atraves dos teus prestimos e contactos a reunião todo o materia que se possa obter sobre a vida do poeta, para poder criar um texto que serviria de base. Para texto de teatro e/ou guião de cinema. E assim poderia-mos todos homenagear de uma forma diferente essa grande figura da nossa historia e letras.
    Que tal a ideia Abel?
    Um bem haja a todos
    Angelo Torres

    • San Fulana!

      31 de Maio de 2011 at 11:24

      Entre em contacto com o jovem Jonas Costa Alegre, que é mestre em Direito e vivi actualmente em STP, creio que ele tambem tem tido idéias em fazer algo á respeito.

      mas de facto é uma brilhante homenagem e informacao histórico-cultural do nosso país! brilhante , JMC!!!!

  4. Moçu Cata

    30 de Maio de 2011 at 21:27

    Ao que chega a manipulação política.

    JMC, poupe-nos!!

  5. Mé-Zochi

    30 de Maio de 2011 at 22:11

    Estão a morrer os meu irmão de fome e falta de melhores condições hospitares.
    Alguém vai se importar.

  6. flogá

    31 de Maio de 2011 at 8:37

    Caro Moço Cata. Creio que apenas pode considerar de manipulação política aqueles que são tacanhos e muito limitados na forma de pensar. Por acaso já conhecia o autor em questão e a sua obra mas acredito que muitos ainda não o conheciam sobretudo por culpa da quase inexistente divulgação neste domínio. Por isso acho extremamente estúpido que te revoltes contra alguém que traz ao público conhecimento sobre o património cultural do seu próprio país. M. Obrigado JMC. Continue com os seus trabalhos de investigação e divulgação.
    va-la, Moço Cata ouse entrar (Caetano Costa Alegre) no google e aprenda mais sobre ti mesmo.

    • Moçu Cata

      31 de Maio de 2011 at 11:00

      Se calhar pensam que todos vivem na vossa ignorância, não?

      Abram mais é os olhos e aprendam a ser manipulados de forma grotesca.

  7. Montecara

    31 de Maio de 2011 at 18:03

    Por favo Telanon, acabe com isto. Acho interessante o artigo, ms,uma vez mais ~~AO CONCORDO, com a sua publicação como se de uma noticia se tratasse. Tem toda a razão o leitor menos atento e informado que se apreesou em dar os pêsames. E porquê do título como se estivessem a anunciar uma notícia? Confesso que ao ler o título fiquei cheio de medo a pensar se não se trata do escritor contemporraneo Francisco.

    • San Fulana!

      31 de Maio de 2011 at 20:56

      Mas amigo Montecara, um artigo socio-histórico e de cariz informativo, apenas redactado com saber e boa cultura, nao deixa de ser uma noticia, pois noticia nao é apenas a informacao directa e objectiva da realidade presente em nosso entorno, se nao que é tudo quanto nos chega ao intelecto mesmo que se trate de anteriores feitos.

      Portanto, um artigo investigativo e a título narrativo sobre um dos mais ilustres e excassos escritores contenporaneo santomense, pois é um acto de enobrecer ao redactor de dito artigo por tal feito.

      Fraternal abraco!

  8. mariana salvaterra

    7 de Junho de 2011 at 20:02

    Sim caetano da Costa Alegre,foi um notável homem de letras,da nossa Terra,eu li pessoalmente o seu único livro que foi editado anos depois da sua morte,é de ressaltar que os seus versos,sao lindos mais muito, triste a dor a escuridao e a morte eram temática quase fatalista… Deixa que ele sirva-nos como uma musa de inspiracao as nossas geracoes vindoura,deixemos de politiquices,sejamos um pouco positivo,bem haja a nossa ilha amada.

  9. SEABRA

    31 de Março de 2014 at 14:37

    Li, refleti, gostei imenso dos bons momentos (de leitura), que passei na companhia do ilustre Francisco COSTA ALEGRE, cujo os familiares , hoje, estao sendo victimas do ODIO dos Trovoada, que nunca lhes chegarao nos pés…este sim F. Costa ALEGRE, ficarà para sempre na historia,na grandeza do povo saotomense e até africano…os TROVOADA estao bem longe de tal HONRA (por instante, têm é des-honrado STP).
    Eis os notàveis africanos que engrandecem o continente, dignos de respeito e de consideraçao dos demais!

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