Cultura

D´jambi de Água Anka(Otótó)

Água Anka, território de Otótó no interior da região de Mé-Zochi na ilha de São Tomé. É o berço da festa tradicional que há séculos é comandada por duas famílias da região. A família Mé-Dawa, e a família Nascimento Sousa Pontes.

«Este quintal pertence a um chefe que se chamava Mé-Dawa. Ele morreu e entrou na minha memória, e me deu poderes para governar o quintal dele. E tenho feito isso até hoje. São dois quintais, e eu é que governo», explicou Nascimento Sousa Pontes.

A festa de Água Anka atrai muitos curiosos dia e noite durante 3 dias. Cada vez mais a juventude se junta no terreiro no meio do mato, para testemunhar a festa. “Danço do Congo”, é uma das manifestações culturais que brilha no terreno poeirento da gravana em Otótó. O rufar dos tambores e o reku-reku, produzem sons genuinamente africanos.

Danço Congo – Dança do Congo
Veja o danço Congo de Otótó em vídeo
Vídeo – Exibição do Danço Congo

No quintal de Água Anka, o figurante do Danço do Congo, designado “Opé Pó” (Pé de Pau), dança com um pé. Numa altura de mais de 3 metros, o figurante marcha e dança no terreiro com apenas um pé. Tudo ao som do reku-reku e do batuque.

«Toda gente de António Soares vem para aqui, e gente de Otótó também vem. Eu estou no meio», declarou o senhor Nascimento, o chefe do quintal de Água Anka.

Na vizinhança de Àgua Anka, existem outros quintais de referência na região de Otótó. Quintais de nacionalistas são-tomenses, que resistirem a colonização portuguesa. As terras de Otótó, António Soares e outras regiões vizinhas, nunca foram colonizadas.

Foto : Nascimento Sousa Pontes – Chefe do quintal de Água Anka

“San Lanza”, é o nome de um quintal perto de Água Anka. Depois da independência Nacional a 12 de julho de 1975, os terrenos de San Lanza, passaram a pertencer a roça Santa Margarida. O mesmo destino foi dado a “San Domba”, outra gleba(roça) e quintal de nativos são-tomenses, que resistiram ao colonialismo.

A história de San Lanza, uma mulher nativa são-tomense, foi imortalizada pelo professor Carlos Bené do Espírito Santo, num dos seus livros que descreve as acções nacionalistas de figuras de elite de São Tomé e Príncipe.

«Tanto San Lanza como San Domba foram abandonadas. Água Anka não abandonamos. Tenho certeza que os meus filhos vão dar continuidade…», assegurou Nascimento Sousa Pontes.

Noite cobre Água Anka. É o momento propício para a celebração do D´jambi. «Non ka flogá d´jambi, non ka samá defunto…Defunto ka zuntá ….Dançamos d´jambi. Chamamos os defuntos. Defuntos ajuntam-se e fazem o trabalho. Este salão fica cheio de gente em transe», referiu o chefe do quintal em crioulo fôrro.

Celebração do D´Jambi

Um ritual que segundo Nascimento Sousa Pontes, cura pessoas enfermas. «As vezes vem gente com doença, a pessoa vem quase a morrer, mais regressa vivo. Eu entro lá dentro ele vai vivo», afirmou apontando com o dedo para uma capela que se encontra do outro lado do terreiro.

Homem entra em transe

Fogueira no meio do terreiro, e um batuque intenso anunciam o D´jambi.

Aleixo Neto do Espírito Santo, filho de Carlos Mé-Dawa, esteve em Água Anka, para celebrar a festa dos seus ancestrais, e sobretudo para recordar o seu pai falecido a exactamente há 9 meses.

Aleixo Espírito Santo – Filho de Carlos Mé – Dawa
Dezenas de pessoas entraram em transe

«Quem conhece a história do senhor Mé-Dawa deve respeita-lo, assim como o seu filho Carlos Mé-Dawa. Estamos a seguir os rituais que o meu deixou. O legado que o avô deixou, que o meu pai seguiu, e que temos que acompanhar», pontuou Aleixo Espirito Santo.

São-tomenses residentes no estrangeiro, também regressam ao país para a celebração do D´jambi de Água Anka que tem mais de 100 anos.

Jovens assistem o ritual do D´jambi

«O D´jambi é uma cultura. Tenho um amigo que veio de França só para assistir o D´jambi. Gastou uma fortuna só para ver o D´jambi. Eu resido em Angola e vim só para isso. É importante», concluiu Aleixo Espírito Santo.

O grande número de jovens que marca presença no D´jambi, de Água Anka dá sinais de que o ritual tem futuro no interior da ilha de São Tomé.

Abel Veiga

1 Comment

1 Comment

  1. Sem assunto

    27 de Julho de 2022 at 13:28

    Optima matéria Abel Viegas! Recomento. A ocidentalização ao extremo tem levado ao desaparecimento em massa de essência de povos ” sem voz”. É necessário divulgar e ensinar as novas gerações a nossa real génesis.
    Confesso nunca ter ouvido falar deste D’jambi centenário, como eu deve existir muitos, preocupante pois é a nossa cultur que perde, mais matérias sobre assuntos paralelos, precisamos.

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