A data de 16 de Junho foi consagrada como sendo o «Dia da Criança Africana». Em apenas nove dias celebraram-se duas efemérides relativas ao continente africano.
Falo do 25 de Maio e do dia 16 de Junho, datas enaltecidas em São Tomé e Príncipe por um conjunto de jovens entusiastas.
O dia 16 de Junho remete-nos também a pensar nas crianças de um Continente cuja performance fica aquém do desejado face à escolaridade, à vacinação, à mortalidade infantil e ao direito fundamental de ter uma Família. A situação das crianças e jovens excluídos é muito mais gritante. Estão neste caso, os albinos, os portadores de deficiência e aqueles que no nosso arquipélago não têm paternidade. A violência doméstica, os abusos sexuais, os maus tratos contribuem para um quadro deveras negro que compõe o ramalhete do sofrimento de grande parte das crianças africanas, São Tomé e Príncipe incluído. Situações que não se pode ignorar em momentos de celebrações.
O “Dia de África” é celebrado, grosso modo, na África em geral e no nosso país, em particular, comemorando uma data histórica – o 25 de Maio de 1963 – que simboliza, acima de tudo, a esperança e o sonho dos pioneiros africanos em dar corpo a uma ideia de liberdade.
Nessa data foi fundada na Etiópia, a OUA (Organização de Unidade Africana), instituição que tinha como objectivo principal resgatar a “soberania” dos territórios africanos seccionados – através da resolução final da Conferência de Berlim, Alemanha, realizada em 1885 – pela colonização e que lutavam pelo controlo efectivo do seu solo pátio.
É um marco que simboliza o apoio de uma organização continental às lutas de libertação do colonialismo – tarefa difícil suportada com recurso às armas de fogo, que só se concretizou por etapas, até ao início do século XXI.
Em 1972, a ONU (Organização das Nações Unidas) entendeu proclamar o dia 25 de Maio como o Dia de África ou o Dia de Libertação da África, coincidindo com a data de criação da OUA.
Essa instituição que viu calcorrear um sem número de processos, de estratégias e de adjectivos para se afirmar, entendeu reformular-se e transformar-se em UA (União Africana), conferindo, provavelmente, mais significado e outra visibilidade no seu todo.
A UA é uma organização surgida no dia 9 de Setembro de 1999, através da Declaração de Sirte, na Líbia, incentivada por Muammar Khadafi (1942-2011), e oficializada definitivamente em 9 de Julho de 2002 em Durban, África do Sul. É sucessora da OUA.
Vários foram os movimentos que terão contribuído para esses desígnios, dentre outros o Pan-Africanismo de carácter político e ideológico, a Negritude de vocação cultural e literária, entre outras formas localizadas de manifestação que visava a «libertação» dessa África profunda e misteriosa.
A comemoração do evento em São Tomé e Príncipe
A data do 25 de Maio adquiriu uma relevância maior, através da iniciativa singular dos jovens estudantes de todos os níveis escolares e de todos os escalões etários.
É uma comemoração assumida pelos São-Tomenses, sobretudo pelos escalões de jovens enquadrados nos infantis e nos júniores que «obrigaram», à rendição simbolicamente, um grupo elitista de adultos que empunham o estandarte obtuso da partidarização militante, na procura ávida de atingir o PODER.
Os jovens transformaram a monotonia e a descaracterização dos hábitos numa Festa com Sentido. Naturalmente que não há festa sem gente lá dentro. Assim sendo, forçaram o calendário cultural do país dando um colorido que talvez provoque insónias ao Poder central e aos outros poderes constituídos que parecem estar, literalmente, de costas viradas para eventos da cultura no sentido lato do termo.
No dia de África, os estabelecimentos de ensino param as actividades lectivas por iniciativa dos estudantes. Nas escolas do ensino básico e do secundário, os alunos apresentam-se trajando vestimenta com motivos africanos, tecidos coloridos, sapatos desenhados e feitos pelos próprios, os rapazes exibindo calças e camisas, uns, e calças e «bubus» outros, não esquecendo bonés e chapéus como os utilizados, no passado, por Amílcar Cabral, Sékou Turé e Kwame N’Krumah. As meninas exibem saias plissadas e de godé, complementadas com quimone (quimono), blusas ou túnicas coloridas. Outras preferem utilizar vestidos com decote e mangas com folhos. Os cabelos são entrançados, penteados com carapitos ou com extensões postiças, os lábios e as unhas são pintados, exibem os sapatos de salto, sabrinas, socas ou então chinelos-facilita (nome pelo qual são designados os chinelos havaianos) e ténis, preferencialmente de marca.
Nesse quadro não passou despercebida a iniciativa de um grupo de jovens, artistas plásticos cuja existência aparenta ser desconhecida ou ignorada por alguns adultos São-Tomenses que resolveram contribuir com uma mostra sensacional de trabalhos da sua autoria.
Deram um grito de satisfação produzindo um sem número de quadros, de escultura e de desenho associando-se aos estudantes.
Os artistas Plásticos São-Tomenses
Pertencentes ao grupo de cidadãos que procuram, no seu quotidiano, transmitir à população os benefícios da Cultura no seu todo, os artistas plásticos ainda não têm visibilidade julgada necessária no arquipélago. Os outros grupos, tais como escritores, poetas, músicos, desportistas, actores, compositores, dramaturgos, grande parte deles auto-didacta sofrem do mesmo esquecimento, quase ignorados por instâncias das quais se deveria esperar atenção adequada.
Os artistas plásticos que englobam categorias como pintores, escultores, ceramistas lutam com dificuldades acrescidas nas Ilhas para a obtenção de telas, tintas, pincéis, material para esculpir, entre outros. O mercado não está virado para a importação desse tipo de produtos, que não tem saída, não vende, não dá lucro, como confidenciou um comerciante local, conhecedor profundo da realidade. Igualmente, é parco na venda de instrumentos musicais, nomeadamente, cordas de viola, gaitas de beiços (gaeta), violino piano, violoncelo, bateria, chocalho e dicanza (canzá), acordéon. Acresce-se a tudo isso a precaridade de condições para editar e imprimir livros, dificultando a nobre tarefa de publicação aos poetas, poetisas e demais escritores.
Pantufo ku Sêdji, Ple Melon bébédadu
Esta expressão, utilizada no contexto da performance dos Artistas Plásticos é extraída de uma metáfora linguística do Forro que significa «não há fome, que não dê em fartura». Sintetizando para quem não conhece a língua Forro, Pantufo e Ple Melon (Praia Melão) são duas povoações contíguas localizadas nos subúrbios da cidade-capital. A tradução à letra é: Pantufo à procura avidamente de água doce para se saciar enquanto que Praia Melão vive em abundância, desperdiça, a seu bel-prazer a água doce. Enquanto a primeira só tem água salgada, a segunda, além de ter água salgada é banhada por um riacho de água doce que vem desaguar no “seu” mar.
A expressão supra é utilizada para simbolizar o número de exposições temáticas de artes plásticas que foram produzidas no pretérito dia 25 de Maio de 2023. Uma alegria para a cidade-capital do tamanho de uma catedral.
O país passa interregnos prolongados em que nada se produz, em termos culturais, e de repente, os artistas plásticos resolvem brindar a cidade de São Tomé com três exposições de elevado teor qualitativo, mostrando do melhor que se produz relativo à Arte Contemporânea São-Tomense.
Assim, Eduardo Malé (n. 1973), pintor, escultor e desenhista, apresentou no Centro Cultural Português, “AFRICAN FANTASY REVOLUTION”; um colectivo de artistas plásticos, Adilson Castro (n. 1980); Janik Santos (n. 1984); Jesus Quaresma; Kwame de Sousa (n. 1980); Nézó (n. 1964); Olavo Amado (n. 1980); Osvaldo Reis (1968), entre outros, apresentaram na Aliança Francesa “CENAS DE TCHILOLI” e Nézó apresentou, também, no mesmo dia, no Café Hot Spots em Dolores “NÓ TU NÓ SÁ NGOLÁ” (Nós todos somos Angolares), outra exposição.
As cerimónias, bastante concorridas e apreciadas por um público entusiasta – nacionais e turistas, na sua esmagadora maioria – foram presididas por entidades da embaixada de Portugal e da embaixada de França, que fez deslocar de propósito, de Libreville para a capital São-Tomense, um alto funcionário. Os congéneres autóctones primaram pela ausência total.
Da Klôpô Ku Alima Kua Kume
Esta frase idiomática do Forro, utilizada durante o lazer e no quotidiano dine nguê tamén (os anciãos) significa «alimentar o corpo e a alma». Quer dizer, se o corpo recorre a produtos como vegetais, peixe, carne, entre outros ingredientes para se manter de pé, a alma, por seu lado, alimenta-se da cultura, deliciando-se através da arte performativa e criativa, tais como o teatro, a música, a literatura, o cinema, as artes plásticas e o desporto.
Nunca é demais empenharmo-nos todos na importação de instrumentos musicais, materiais necessários às artes plásticas, material desportivo, filmes…
Seria de todo importante que as entidades oficiais fizessem um esforço suplementar orientando para a revisão dos Currículos, os Planos de cursos e os Programas para proporcionar aos nossos jovens momentos de aprendizagem nas Escolas públicas e privadas, incluindo nelas, aulas de música, de artes, de desporto (sobretudo, a natação), de cultura e literatura de São Tomé e Príncipe, complementando ás disciplinas de ciências e humanidades.
Certamente que os nossos jovens, que não encontram áreas vocacionais nas Escolas, viradas para as Artes, para a Música e para o Desporto, aplaudirão, não tendo de esperar o ano inteiro pelo dia 25 de Maio, consagrado como o DIA DE ÁFRICA, para apreciarem exposições de artes plásticas, nem festivais de música.
Lúcio Neto Amado
Nota: O articulista não subscreve o Acordo Ortográfico de 1990.
O poeta
19 de Junho de 2023 at 18:30
É realmente notável como o governo parece ter um olhar cego quando se trata de questões sociais, não é? Com um texto detalhado e rico como esse, é de cortar o coração perceber a falta de atenção dada aos verdadeiros problemas que enfrentam crianças e jovens marginalizados, especialmente em um continente que carrega um fardo tão pesado da história colonial.
Comemorar o Dia da Criança Africana e o Dia de África é maravilhoso, e as belas imagens de jovens orgulhosamente vestindo trajes tradicionais e exibindo a arte local são inspiradoras. Mas, por trás das celebrações e das bonitas palavras sobre unidade e liberdade, parece que alguns poderes estabelecidos preferem ignorar as sombrias realidades de violência doméstica, abuso sexual, maus-tratos e falta de acesso a serviços básicos como educação e vacinação.
Artistas plásticos, escritores, poetas, músicos – todos esses talentosos indivíduos que estão, literalmente, trazendo cor e vida para a sociedade são esquecidos ou ignorados. É uma verdadeira ironia que eles tenham que lutar com dificuldades para obter as ferramentas necessárias para expressar seus dons e iluminar os problemas sociais, enquanto o governo provavelmente está ocupado realizando uma festa de auto-congratulação em algum lugar.
É como se as autoridades quisessem que todos se concentrassem no bonito mural colorido e ignorassem as rachaduras nas paredes. Mas essas rachaduras estão lá e, como o jornalista brilhantemente destacou, a festa não pode continuar para sempre. A verdadeira celebração virá quando todos os membros da sociedade forem reconhecidos, apoiados e valorizados – não apenas em dias festivos, mas em todos os dias. Ainda assim, esperemos que essa chamada à ação não caia em ouvidos surdos.