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A DEMOCRACIA E A TRANSPARÊNCIA

Carlos  carlos-gomes.JPG Gomes, na qualidade de professor de filosofia na Ilha do Príncipe, apresenta mais uma matéria de interesse. A democracia e a transparência.Um tema que traz alguma luz sobre a gestão do bem público no estado democrático, numa altura em que casos envoltos em trevas que ligam também a democracia e a transparência estão a ser julgados no Tribunal São-tomense.

Se São Tomé e Príncipe quer consolidar a sua jovem democracia, precisa adoptar, de entre outros princípios, o princípio de Accountability. Accountability é um termo que, até hoje, não tem uma tradução literária em português. Contudo, pode-se entender por tal princípio, como a responsabilidade dos políticos pelos seus actos perante os cidadãos.

A maioria dos teóricos da democracia acreditam que, sem a adopção do princípio de Accountability, a democracia não assume a sua vertente republicana e, sem essa dimensão, fica difícil garantir os direitos da democracia política, aumentando dessa forma os riscos da arbitrariedade. Sem essa dimensão republicana da democracia, fica difícil distinguir as esferas do público e do privado. Quando, contudo, uma democracia incorpora tal dimensão, é visível a distinção entre essas duas esferas.

Assim, o princípio de Accountability, implica que os ocupantes de cargos públicos sejam, meramente pessoas a serviço da cidadania, que foram escolhidas simplesmente para administrar os interesses públicos do Estado e que, portanto, por serem homens e mulheres exercendo uma função pública, devem sujeitar-se a agir em conformidade com a lei, têm a obrigação de prestar contas de seus actos e têm que agir com toda a transparência perante os cidadãos.

Alguns teóricos da democracia (temos o exemplo de Linz e Stepan) defendem que Accountability é mais que a mera responsabilização dos governantes sobre seus actos. Estes dois autores argumentam que, com o principio de Accountability, os registos financeiros do Estado e os bens públicos, de uma forma geral, têm que estar sujeitos, frequentemente, a inspecção e que todos os dirigentes públicos que têm o controlo de verbas públicas, têm que usar de mecanismos transparentes e aquele que usar o bem público como se fosse um bem privado, deve ser julgado e responsabilizado por isso.

Nessa perspectiva, o acesso à informação e a possibilidade de consulta dos assuntos públicos pelo cidadão, tornam-se requisitos essenciais e elementos básicos para se conseguir a transparência. A dificuldade de consulta pública e de acesso à informação impede o funcionamento de um Estado de Direito e o exercício de outros direitos de cidadania. A importância da informação é indiscutível para o desenvolvimento democrático. Tomemos como exemplo a questão da corrupção. Há, cada vez mais, o consenso de que este mal só pode ser combatido com a cultura de transparência, de responsabilidade e portanto, do funcionamento de uma cultura de informação.

Em STP, acredito que temos um déficit de legislação no que respeita a garantia do acesso à informação. Aliado a isso, existe também um conjunto de práticas administrativas dificultando que os cidadãos tenham acesso a informação importante e de interesse público. Estes obstáculos impedem o desenvolvimento de uma cultura de transparência e de prestação de contas e responsabilização dos ocupantes dos cargos públicos sobre seus actos e estimulam práticas contrárias ao de um Estado de Direito.

Assim, se não existe uma cultura de transparência, fica difícil lutar contra a corrupção. Fica difícil reforçar a cidadania, se não são estimuladas práticas que rompam com a ocultação. Por isso, é imprescindível que o princípio de Accountability seja incorporado tanto a nível vertical como horizontal. No plano vertical, a Accountability permite àqueles que elegeram os titulares de cargos públicos todo o direito de fiscalizar as suas actividades públicas inclusive, se estas não forem bem desempenhadas, os eleitores podem retirar-lhes o mandato.

Horizontalmente, a Accountability implica que devem existir poderes autónomos e outras instituições que possam ter a competência de questionar e de também punir as acções irregulares daqueles que desempenham cargos públicos de direcção e que não tenham cumprido as suas funções. A democracia em STP carece, ainda, do princípio de Accountability quer a nível vertical, quer a nível horizontal. Para suprir tal lacuna, os nossos políticos precisam imperativamente de criar uma legislação que responsabilize os ocupantes de cargos públicos por seus actos, estimulando dessa forma, uma cultura de transparência em assuntos públicos.

Só assim poderemos criar uma cultura institucional em favor da transparência, da responsabilidade e da ética aumentando, assim, a confiança dos cidadãos perante instituições políticas e os seus representantes, garantindo-lhes o pleno exercício dos direitos de cidadania e o livre desenvolvimento individual.

Carlos Gomes/Outubro/2008.
(Professor de Filosofia na Ilha do Príncipe)


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