Política

COP26: cientista alerta que metas dos países do G20 não são compatíveis com Acordo de Paris

PARCERIA – Téla Nón / Rádio ONU 

Em entrevista para a ONU News, cientista e coautora do Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2021, explica porque o combate à mudança climática caminha lentamente; Joana Portugal é professora em planejamento energético na Universidade Federal do Rio de Janeiro; relatório avalia pela primeira vez fontes de emissão do metano.

Arquivo pessoal
Joana Portugal Pereira é co-autora do Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2021

O que é essa lacuna de emissões e quais os resultados desse relatório?

O Relatório do Pnuma sobre a Lacuna de Emissões avalia os compromissos que foram assinados em 2015 pelos 197 países do Acordo de Paris, entre as metas que são necessárias para estabilizar o aquecimento global bem abaixo dos 2 graus e de aumento de 1.5 grau, comparando com níveis pré-industriais. E isso o relatório do Acordo de Paris define exatamente que temos que reduzir as nossas emissões de gases de efeito estufa entre 40% a 60% até 2030, para atingir uma neutralidade climática no meio do século e eventuais emissões líquidas negativas, até o final do século, para nós estabilizarmos o aquecimento global, em níveis considerados seguros pela ciência.

Em comparação, nós temos as metas que são anunciadas, as Contribuições Nacionalmente Determinadas, NDC na sigla em inglês, que cada país submete ao Unfccc, e ao seu secretariado, que precisam ser revistas a cada cinco anos, com metas definidas para 2030. Ou seja, agora nós estamos em preparação para a COP26 e mais de 126 países já anunciaram e já submeteram oficialmente as suas metas de NDC para estabilização e redução de emissões de 2030. Qual é o problema?

O problema é que nós temos uma lacuna de emissões entre uma carta de boas intenções dos governos, que corresponde ao Acordo de Paris, e depois o que é submetido por cada país na prática. Então essa lacuna de emissões entre o que é necessário ser feito para estabilizarmos o aquecimento global em 2 graus e 1,5 graus, e o que estar a ser anunciado pelos países e implementados tem uma certa lacuna, há um descasamento.

Nós temos os mesmos países que assinaram o Acordo de Paris e depois temos compromissos que vão bem aquém da ambição que é necessária. E esse relatório avalia exatamente essa lacuna, esse descasamento de intenções. E o que nós vimos nesse relatório é que a atualização dessas NDCs apenas reduz as emissões em 7.5%, quando nós deveríamos reduzi-las em mais da metade, ou seja, reduzir em 28 gigatonelada de CO2 equivalente até 2030, para conseguirmos estabilizar o aquecimento global.

E vemos que, em alguns casos, e dados preliminares de inventários de emissões, nós vemos que o ano de hoje, 2021, nós atingiremos níveis de emissões equivalentes a 2019, ou seja, nós já estamos num caminho de aumento de emissões, quando na verdade nós deveríamos estar reduzindo drasticamente nossas emissões.

Existe um foco num grupo de países para redução dessas emissões? Quais são os países que deveriam estar agindo?

Na verdade, todos os países deveriam estar fazendo mais. O que nós vimos no relatório é que se as metas que são prometidas, que ainda não foram implementadas, forem de fato implementadas, nós estaremos muito próximos de uma trajetória de aquecimento global de aproximadamente 2,7 graus no final do século, comparativamente com níveis pré-industriais. Ou seja, estaríamos bem aquém do que é considerado seguro pela ciência. Portanto, todos os países, no relatório este ano nós avaliamos as metas e os compromissos firmados pelo grupo de países do G20, e nenhum deles tem metas ambiciosas e compatíveis com o Acordo de Paris. Portanto todos precisamos fazer mais de uma forma mais rápida que abranja todos os setores da economia.

E no relatório deste ano há alguma novidade?

O relatório é anual e todos os anos nós trazemos coisas inovadoras e novidades na ciência que consideramos relevantes. Este ano, nós temos dois capítulos, um deles dedicado especificamente a avaliação das fontes de emissão do metano, um gás de aquecimento global com níveis de GWP aproximadamente 34 vezes superior ao do CO2, que está muito associado às emissões do setor de uso do solo, agricultura e pecuária. E temos um outro capítulo que foca especificamente sobre fluxos financeiros e a necessidade de financiamento climático para atender a essa estratégia e a essa ambição climática, num contexto pós-pandemia em que muitos governos anunciaram e estão a canalizar para a economia pacotes de resgate financeiro.

Quais os impactos no mundo dessas informações que o relatório traz?

Neste relatório de lacunas de emissões que já é um problema altamente complexo. Nós paramos nas implicações do aquecimento global. Ou seja, nós avaliamos a diferença, essa lacuna de emissões a nível de giga toneladas, mil, milhões de toneladas de CO2 equivalente e os nossos modelos climáticos estimam as implicações e os impactos no aquecimento global. Relativamente às perdas e danos climáticos, o relatório esse ano não fez essa abordagem, porém nós sabemos de estudos anteriores que a ocorrência de eventos extremos climáticos associados à seca e por exemplo a enchentes e enxurradas estão muitas associadas de uma forma quase linear com o aumento da temperatura.

Então eventos que no passado eram raros ou fugiam da normalidade vão tornar-se cada vez mais a ordem do dia e a normalidade. Como por exemplo as cheias que tivemos no contexto europeu no verão, altamente atípicas, maior incidência de incêndios florestais nos Estados Unidos, no sul da Europa, a grande seca que está atualmente ocorrendo e atingindo a América Latina. Enfim, temos cada vez maior frequência e severidade desses eventos que passam a ser o novo normal.

Para encerrar, há esperança em relação ao futuro climático?

Tem várias esperanças, eu vou te dar vários exemplos. Na verdade, nós estamos caminhando na direção certa. O Acordo de Paris assinado em 2015 foi um grande motivo de esperança, porque pela primeira vez, nós tivemos países do Hemisfério Norte e do Hemisfério Sul sentados na mesma mesa de negociação climática e propondo metas e compromissos de interrupção de emissão de gases de efeito estufa. Isso foi histórico, nunca tinha antes acontecido, países com diferentes graus de desenvolvimento e capacidade, submetendo metas de interrupção de emissões.  Nós vemos também que cada vez mais nos afastamos dos cenários mais catastróficos.

Há dez anos, se me perguntasse onde eu colocaria a minha esperança, o meu palpite, eu iria possivelmente dizer que nós estávamos num caminho de aquecimento global de 5 graus. E veja bem, nós estamos cada vez mais a reduzir essa lacuna e a nos aproximarmos dos níveis definidos no Acordo de Paris.

A grande frustração, como você se referiu, é que nós estamos caminhando numa forma muito lenta, com passos de caracol quando na verdade deveríamos estar pegando o trem-bala japonês. E isso é uma grande frustração, é entendermos que estamos perdendo a janela de oportunidade, e podemos estar fazendo mudanças na atmosfera e no clima que possam vir a ter consequências irreversíveis no futuro.

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