Opinião

Crónica de uma Comunidade errante! XIV Conferência da CPLP

 XIV CONFERÊNCIA DE CHEFES DE ESTADO E DE GOVERNO DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA (CPLP) – SÃO TOMÉ, 27 DE AGOSTO DE 2023

Crónica de uma Comunidade errante!

Baixou o pano sobre a última Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, que, em São Tomé, serviu de mote para a passagem da presidência da organização, de Angola para São Tomé e Príncipe.

Tudo aparentemente normal, quiçá, como expectante. Porém, considerando os fenómenos antecedentes à referida reunião, não é demais questionar a verdadeira importância (se é que há alguma) da CPLP para as aspirações dos comuns cidadãos dos países que compõem a Comunidade. Quiseram as regras da rotatividade que a última Conferência de Chefes de Estado e de Governo ocorresse em São Tomé, capital da República de São Tomé e Príncipe.

A Conferência foi preparada num clima de indisfarçável desalento decorrente do trágico incidente do dia 25 de Novembro de 2022, que custou a vida de cidadãos civis, barbaramente espancados e mortos por militares, militares estes que foram protegidos a todo o custo pelo Governo local e a seguir promovidos para funções de relevo superior (nas palavras de Domingos Simões Pereira, Presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné Bissau, não é novidade para ninguém que esse incidente causou desconforto a todos – eu diria que não é mero desconforto).

Nas vésperas da Conferência o Ministro dos Negócios Estrangeiros santomense foi obrigado a demitir-se do cargo, por ter sido inconveniente nas declarações a propósito do esforço (ou falta dele) de alguns Estados da CPLP na promoção do português na Guiné Equatorial (olvidou o Ministro que quem vive de mãos estendidas está diminuído na sua dignidade e no direito de, livremente, verbalizar o que pensa. Custou-lhe o cargo).

Ainda mais próximo da data da reunião dos Chefes de Estado e de Governo, o executivo local, através do altar do “venerando” conselho de ministros, decidiu ordenar, pelo período de 15 dias, a proibição de quaisquer manifestações com carácter reivindicativo ou protestatório (o Presidente da República local prontamente apareceu a chancelar esta pérola do executivo, quiçá temendo raspanete semelhante a que, diz-se a boca pequena, levou, quando publicamente afirmou que não participara da cerimónia de entronização do Rei Carlos III porque o país não havia recebido qualquer convite, sugerindo, assim, que a presença do seu Primeiro Ministro naquela cerimónia só podia justificar-se numa categoria de “pato”).

Este o quadro reinante no país que acolheu a Cimeira da CPLP, de cara “lavada” (diz-se, com dinheiro de Angola!). Ora, dizem os Estatutos da CPLP que, entre outros princípios, a Comunidade rege-se pelo princípio do Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social (al. e) do n.º 1 do art. 5.º).

Deixo para os especialistas (que hoje são aos montes) a dissertação sobre se o quadro atrás destacado está no alinhamento com, pelo menos, esse princípio dos Estatutos da CPLP. O que acho que qualquer normal cidadão da Comunidade esperava era alguma manifestação, ainda que abstrata, em relação à situação reinante no país anfitrião. Dito de outra forma, face à ostensiva violação do elementar direito à manifestação (fora de um cenário de estado de sítio), do direito à vida (execuções perpetradas por militares das Foras Armadas), do direito a um processo justo, etc., não seria de esperar que a Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP transmitisse algum sinal que acalentasse os anseios que tantos santomenses, e não só (veja-se os pronunciamentos da Dra. Ana Gomes, Portugal, e Dr. Domingos Simões Pereira, Guiné Bissau, apenas para citar alguns) têm vindo a suscitar?

A questão mais preocupante é a de saber quem, com responsabilidades na CPLP, poderia liderar uma tal manifestação em relação àquilo que se passa em São Tomé e Príncipe, e que não se pode tomar por perfeitamente normal. Dos países, declaradamente mais inflentes (nestas coisas o dinheiro conta primeiro), Angola e Moçambique, certamente por razões internas (só pode exigir aos outros quem é inquestionável nos exemplos), não assumiriam tal desiderato. A GuinéEquatorial, apesar do petróleo, em relação à CPLP continua a ser um mero pendulo à busca do melhor lugar para se agarrar (realce-se a ovação da Conferência por, finalmente, aquele país abolir a pena de morte!).

O Brasil, apesar do esforço do Presidente Lula da Silva (que vai enviando farpas por onde passa – não se pode esquecer o seu posicionamento em relação ao conflito Rússia-Ucrania, ou do hepisódio em que, em Luanda, sugeriu que os jornalistas angolanos são domesticados pelo “chefe”!), não parece estar, por ora, tão por dentro dos assuntos domésticos santomenses como os outros Estados-membros.

Restaria Portugal, no seu papel paternal (que vai usando com mais ou menos acutilância em razão do que realmente interessa em cada momento). Porém, em relação ao Primeiro Ministro português, António Costa tem assuntos internos mais sérios, pelo que não arriscaria mais uma exposição. No que se refere ao Presidente Marcelo, de um político de enorme empatia, transformou-se num fofinho, essencialmente neste seu último mandato, pelo que já muito pouca gente o leva a sério (perguntem a António Costa).

De formas que as questões antecedentes à Cimeira, relacionadas com o país anfitrião, passaram completamente ao lado de tudo e de todos. Dos 64 pontos da Declaração de São Tomé – 14.ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP (novas e meras declarações de intenção), não há um só que, ainda que de forma tímida, sugira que algo de anormal se passa naquelas Ilhas do Equador.

Neste particular a Conferência serviu também, quiçá, para branquear a situação, dando ao executivo local maior margem para cometer ou negligenciar o cometimento de atrocidades contra aqueles que se manifestem (por qualquer forma) contra os actos governativos. Dir-me-ão: em encontros bilaterais foram abordados outros temas, e, quiçá, a situação das Ilhas.

Mas, convenhamos, isto, ainda que tenha acontecido, é muito poucochinho, pois as pessoas da Comunidade têm o direito de saber o que pensam os Chefes de Estado e de Governo da CPLP sobre as questões concretas dos países membros, como são as acima enunciadas.

A Conferência, envolta nesta aparente normalidade, transformou-se numa simples feira das vaidades, sem qualquer resultado palpável, pelo menos para os cidadãos, alegados destinatários da Comunidade. Terminou como começou, com declarações inócuas, por desprovidas de significado prático, beijinhos e abraços, até à feira seguinte. Mais uma demonstração de que a CPLP continua no seu caminho errático, sendo uma simples organização internacional, de políticos para políticos, com escassa ou nenhuma real preocupação com as pessoas (de carne e osso) que compõem a referida Comunidade.

É exactamente por isso que os cidadãos continuam a não se reverem na CPLP, tendo cada vez menos razão para nela se reverem. A qualquer cidadão é legítimo questionar: para que serve a CPLP? Victor Ceita – Advogado Observação: qualquer verdade que possa emergir desta crónica é “meira” e “pura” coincidência.

Pundá Dêçú, ná pêmu ni clóçon fáêê!

4 Comments

4 Comments

  1. Sem assunto

    1 de Setembro de 2023 at 18:57

    “A Conferência, envolta nesta aparente normalidade, transformou-se numa simples feira das vaidades, sem qualquer resultado palpável, pelo menos para os cidadãos, alegados destinatários da Comunidade. Terminou como começou, com declarações inócuas, por desprovidas de significado prático, beijinhos e abraços, até à feira seguinte”….disse tudo senhor articulista.
    Este passeio ,se não melhor este baile, ao realizar aqui em São Tomé só atraiu interesse de Portugal que ainda acredita ser dono de tudo isto, e de Angola que nos vê como uma província, todo o resto veio cá passar um final de semana para comer bom peixe.
    Juventude e sustentabilidade, a pergunta que se coloca é: a que juventude se refere? Aquela que todos os dias sobem aviões para Portugal, uns para estudarem em cursos profissionalizantes sem nexo, outros para tentarem a sua sorte, porém que terminam todos em prestações de serviços como apanhar uvas e lavar pratos? Ou que é proibida de manifestar?
    É isto que dá em ter mos dirigentes poucos visionário, cuja a única ambição é ter casa em Lisboa…asnos.

    • Aurobindo Xavier

      3 de Setembro de 2023 at 18:15

      Caro Dr. Victor Ceita
      Brilhante o seu comentário sobre a reunião da CPLP. Foi direto ao cerne da questão no que respeita à posição da CPLP, ou melhor a falta dela, em relação à preocupante situação política em STP.
      Saudações cordiais desde Goa
      Dr. Aurobindo Xavier
      Presidente da Sociedade Lusófona de Goa, Índia
      http://Www.lusophonegoa.org

  2. Dagmar Barros

    2 de Setembro de 2023 at 7:19

    “Quiçá”,vamos ver!

  3. Ditadura já não Combina

    2 de Setembro de 2023 at 20:18

    Na reunião a porta fechada o PT foi questionado e não tinha outra saída a não ser ordenar a libertação do pobre do Lucas…

    Agora está a pensar como descalçar estas botas todas e tirar estes rabos todos que estão presos

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