Estudos

Preservar o endemismo de STP – O Equilíbrio entre Caça e Conservação

Preservar o endemismo de São Tomé e Príncipe

Quase um terço das ilhas de São Tomé e Príncipe (STP) é constituído por áreas protegidas (APs) e mais de 12.000 hectares consistem nas recém-criadas Reservas Especiais (REs), que abrangem florestas, savanas e mangal. Nestas ilhas, para além dos 7 mamíferos endémicos, 8 anfíbios, 17 répteis e centenas de plantas, existem 28 espécies de aves endémicas descritas, algumas das quais em perigo crítico de extinção, como a Céssia (Treron sanctithomae) e a Galinhola (Bostrychia bocagei), o que demonstra a importância  da conservação da biodiversidade no Golfo da Guiné  e faz deste arquipélago um Singular Tesouro a Proteger.

“A biodiversidade de São Tomé e Príncipe é muito rica em espécies de fauna e flora. Temos um clima muito favorável. Temos muitas espécies, sobretudo espécies endémicas [e] sabemos hoje, que o endemismo é muito convidativo.” – Atanásio Bandeira, técnico da Direção de Florestas e Biodiversidade de STP.

Várias das aves endémicas das ilhas estão ameaçadas por mamíferos introduzidos, como macacos, lagaias, porcos selvagens e gatos, mas também por práticas de caça especializadas e oportunistas dos caçadores locais.

Formação a caçadores da cidade de Neves

Nas consultas públicas de 2021 para a revisão dos Planos de Maneio dos Parques Naturais de STP (2021-2025), várias comunidades levantaram a questão da caça não regulamentada como uma preocupação, tanto em relação à diminuição da abundância de espécies de caça como à perda de rendimento associada a esta atividade.

Assim, apresenta-se uma dicotomia: como conservar aves endémicas quase extintas, sem pôr em causa a subsistência dos caçadores locais?

Pequeno projeto, grandes ambições, maiores resultados

O projeto “Reforçar as capacidades e competências nacionais para regulamentar a caça e proteger a biodiversidade”, financiado pela Iniciativa Darwin e implementado pela BirdLife International, a Direção de Florestas e Biodiversidade, a Plataforma de Turismo Responsável e Sustentável (PTRS), o Centro de Ecologia Evolução e Alterações Ambientais (CE3C) e o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO), teve início em junho de 2022, com o propósito de apoiar a mudança social e institucional necessária para ajudar a conservar a biodiversidade de STP através da caça, promovendo simultaneamente meios de subsistência sustentáveis para caçadores.

Formação sobre a caça para as instituições do Estado

Um dos aspectos a melhorar é a atual lei da caça (Decreto-Lei n.01.2016), colmatando algumas das suas lacunas que se referem, nomeadamente à gestão das espécies cinegéticas e épocas de caça, evitando impactos negativos nas espécies endémicas. Outro aspeto a ter em conta para melhorar a referida lei  é a falta de compreensão dos caçadores e do público sobre a dupla questão da conservação, ou seja, a preservação das aves endémicas e a gestão dos mamíferos introduzidos.

“Eu era caçador [e] caçava sem saber o que podia ou não podia ser caçado. Comecei a aprender sobre a proteção das espécies de aves endémicas e deixei de caçar, porque aprendi a amar a natureza. (…) Eu caçava Galinhola, mas não sabia a importância que isso tinha.” – Ricardo da Fonseca, Protetor da Caça.

O projeto começou por:

– Reforçar a capacidade básica dos principais intervenientes nacionais na regulação da caça e conservação da extraordinária biodiversidade de STP. 

Para isso, ao longo de um ano de 2022 foram realizadas 15 sessões de formação e sensibilização teórico-práticas para Instituições Nacionais, Organizações da Sociedade Civil e Organizações Governamentais, representantes do sector privado, mas mais importante, para caçadores locais e consumidores de produtos cinegéticos. Assim, foi criado um grupo de 19 antigos caçadores, que se autodenominaram “Protectores da Caça”, e que além de participarem ativamente nas atividades do projeto, revelaram-se excelentes mobilizadores comunitários.

– Melhorar a gestão da caça, o que permitirá à comunidade gerar rendimentos e proteger as espécies ameaçadas.

Os “Protectores da Caça” impulsionaram outros caçadores a tornar-se mais conscientes do seu papel na regulação da biodiversidade, e mais favoráveis ao desenvolvimento de atividades alternativas mais sustentáveis, como a agricultura ou a prestação de serviços de guia ecológico a turistas e/ou investigadores.

– Sensibilização do público para a importância da biodiversidade de STP.

Foi criada uma campanha de sensibilização de grande envergadura, incluindo 10 sessões de sensibilização comunitária (alcançando 249 pessoas) e exibição de uma peça de teatro interativa apresentada em 7 comunidades (https://www.youtube.com/watch?v=n-H0m7Tf1-8); e um mini-documentário que mostra a biodiversidade única de STP e a forma como a caça pode ajudar a regulá-la (https://www.youtube.com/watch?v=-BTkULIcpoE).

– Ajudar a conservar a biodiversidade de STP.

As aves são um excelente indicador de qualidade dos ecossistemas e da biodiversidade. À medida que os caçadores se informam melhor sobre o ténue equilíbrio entre caça e conservação, também se envolvem mais na monitorização das espécies endémicas e ameaçadas, ao mesmo tempo que gerem as espécies introduzidas através da caça. Este foi o mote que levou à formação de 75 caçadores, de todos os distritos de São Tomé em que a caça é praticada, sobre conservação e gestão das espécies cinegéticas.

“[Há] o caso do macaco e da lagaia que têm atacado algumas das nossas espécies endémicas. Para haver um equilíbrio de espécies, tem de haver um controlo da caça de espécies para garantir o equilíbrio e o desenvolvimento de outras espécies que não estão a ter acesso à reprodução, por causa dos predadores ou da caça.” – Ineias Dias, Protetor da Caça

Estas formações serviram igualmente a consulta dos caçadores sobre as atuais tendências de caça e perceção das populações sobre as espécies endémicas. Estas informações foram complementadas pela aplicação de inquéritos a cerca de 150 caçadores, que permitiram também conhecer o interesse dos caçadores, sobretudo de aves, na adoção de alternativas económicas de rendimento.

O que vem a seguir?

Com base nos interesses recolhidos dos caçadores, estão a ser desenvolvidos programas de mentoria para ajudar a avaliar, de forma participativa, alternativas viáveis de rendimento económico que justifiquem o abandono da caça de aves endémicas, incluindo capacitação em gestão de recursos financeiros, gestão de pequenas empresas baseadas na conservação, planeamento de negócios, e marketing e comunicação.

Formação teórico-prática a caçadores

Os resultados do projeto foram também apresentados numa mesa-redonda com todas as partes interessadas, onde se apresentou as lacunas existentes na atual lei da caça e onde foram recolhidas apreciações que englobam agora uma proposta de roteiro para melhorar a regulamentação da caça e propiciar a implementação da lei, que conduzirá os esforços de conservação das espécies endémicas de STP. De forma conjunta, as entidades envolvidas desenvolveram uma estratégia de saída para as ações do projeto, destinada à atualização da regulamentação da caça, implementação da lei e fiscalização de atividades no terreno pela instituicão responsável – a Direção das Florestas e Biodiversidade.

A caça em STP não tem de ser uma ameaça, pelo contrário, pode ser uma atividade muito eficaz para ajudar a preservar a extraordinária biodiversidade das ilhas e, assim, criar um futuro mais sustentável para as gerações vindouras.

“Os caçadores podem atuar como verdadeiros reguladores. A sua cooperação com a Direção das Florestas e da Biodiversidade, por exemplo, pode ter um impacto extraordinário na conservação da biodiversidade, especialmente da fauna. E não podemos deixar que a falta de acesso à informação ponha em causa este potencial.” – Bárbara Campos, Gestora de Programas da BirdLife International em STP e Gestora de Projeto.

Autora: Vânia Trovoada, Oficial de Comunicação da BirdLife International em STP

Editoras:  Bárbara Campos, Marquinha Martins, Conceição Neves

Tem acesso ao artigo em formato word –

1 Comment

1 Comment

  1. ANCA

    28 de Março de 2024 at 15:00

    Cada vez mais a reconversão das actividades perniciosas para o ambiente(abate indiscriminado das árvores, extração descontrolada de inertes, caça furtiva, pesca furtiva, desperdício de água, desperdício alimentos, consumo em excesso, agricultura intensiva), a flora e a fauna, faz se sentir necessária,…

    A alternância para actividades, como productores de mel, apicultura, produção de flores, frutas, legumes, cogumelos muito apreciado na culinária com alto calor nutritivo, produção de humus ou estrumes, com a nova forma de compostagem biologica, aquacultutra, produção biologica, protecção da floresta, guarda florestal, guia turístico, criação de parques naturais, onde se paga para observar espécies endémicas de África, conjugados com agroturismo, casa de repouso, hotelaria,estadias rurais, com intancias balaneares com piscinas, praias fluvias, gastronomia, etc etc…

    Tudo possível mediante acção formação, acompanhamento, empreendedorismo,…

    Se és de São Tomé e Príncipe ajuda o teus país a desenvolver

    Pratiquemos o bem

    Pois o bem

    Fica nos bem

    Deus abençoe São Tomé e Principe

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