Opinião

Saúde mental em São Tomé e Príncipe

(Uma breve abordagem)

Há momentos na vida que nos sentimos chocados por coisas menos boas que observamos. Ontem foi um desses dias para mim, não que seja uma situação inabitual aqui em São Tomé e Príncipe que eu nunca tivesse visto, mas, talvez, porque o meu estado de espírito estava mais sensível, o que me levou a elaborar esse texto.

Vinha da zona do aeroporto em direção à cidade capital, passando pela descida do hospital perto do CKDO, meu trajeto quase diário de viatura. Já no início da marginal passei por um doente mental a caminhar lentamente, sem aparentar aspeto agressivo como por vezes acontece, com as calças descaídas até aos pés, situação que o impedia de caminhar normalmente. Nessas condições o individuo apresentava-se quase nu com todas as partes íntimas à mostra.

Continuei a minha viagem ao centro da cidade para dar os meus expedientes. Enquanto isso, fiquei a pensar que, provavelmente alguma autoridade sanitária ou policial pudesse recolher o pobre homem e levá-lo a psiquiatria para ser tratado com a dignidade que qualquer ser humano merece, independentemente das suas condições. Alias, pela trajetória que fazia, tudo levava a crer que tinha fugido da psiquiatria.

Três horas mais tarde voltei a encontrar o mesmo indivíduo nas mesmas condições referidas atrás e desta vez nas imediações da Ponte Tavares, caminhando em direção à parte incerta, penso eu. Conclui então que, ele atravessou todo o centro da cidade nestas condições, sem que ninguém o tivesse amparado, contrariando ao meu pensamento inicial. O que me deixou ainda mais triste foi a indiferença dos transeuntes, pois, naquele local, há muita gente a circular nas ruas. A conclusão que chego é que se tornou uma situação tão habitual que as pessoas já nem dão muita importância.

Todos nós temos constatado, sobretudo nesses últimos tempos um número crescente de doentes mentais a deambular pelas ruas da cidade e outros locais, sem que alguém os dessem a devida atenção para que sejam medicados e tratados com a dignidade que qualquer ser humano merece. É de todo constrangedor essa situação para além da imagem negativa que transmite.

Saúde mental é uma área da medicina que se presta muito pouca atenção aqui em São Tomé e Príncipe. Por que será? Tal como qualquer doença, todos nós ou nossos familiares próximos poderão estar sujeitos a essa fatalidade. Por isso é que não se entende a indiferença das autoridades perante uma doença tão grave e com tendência a aumentar devido a falta desses cuidados e também as condições socioeconómicas que o Pais tem vivido.

A condição da nossa única Psiquiatria no Pais explica tudo. As péssimas instalações, tanto para o pessoal médico como para os próprios doentes são horríveis. A quase inexistência de tratamento médico e medicamentoso adequados que os doentes recebem, faz com que muitos deles acabam por abandonar a Psiquiatria preferindo andar e dormir na rua, sem falar de muitos que nem são levados ao hospital.

Raras vezes o tema saúde mental é parte da atenção das autoridades nacionais. Importa referir que o dia 10 de Outubro de cada ano é assinalado o Dia Mundial da Saúde Mental.  Pretende-se com essa comemoração chamar a atenção para as doenças mentais e os seus principais efeitos na vida das pessoas em todo o mundo.

Dai que, as autoridades nacionais deviam pelo menos aproveitar esse dia para a educação, conscientização e defesa da saúde mental sobretudo do estigma social.

Falando do estigma social é um comportamento negativo de muitos são-tomenses relativamente a essa doença, porque levam a marginalização desses doentes, quando deviam ser tratados corretamente e acarinhados, porque é uma doença como qualquer outra.

Quanto a proliferação desses doentes nas ruas das cidades e outras localidades, sou de opinião que se crie um protocolo entre os sectores da Saúde e o de Ordem Interna, para evitar essa situação vergonhosa, constrangedoras e mesmo perigosa. Não devemos esperar quando haja um evento nacional importante para se andar a ‘’caça’’ desses doentes nas ruas, como aconteceu na Cimeira da CPLP. A situação que aconteceu ultimamente na zona de Guadalupe em que um doente mental assassinou uma pessoa, é mais uma razão para se pensar seriamente no assunto.

Se descrevo este caso em particular, referido anteriormente, talvez porque me tocou profundamente ao ver essa cena comovente. Quero com esse texto atirar a atenção das autoridades sanitárias para maior investimento neste sector e começarem a ver a saúde mental como uma das prioridades do Estado.

São Tomé, 5 de maio de 2024

Fernando Simão

10 Comments

10 Comments

  1. Simão

    6 de Maio de 2024 at 4:27

    Também vi o indivíduo na rua. Chama-se Bruno Margarida Lopes.

    • Roberto

      7 de Maio de 2024 at 9:39

      Caríssimo, em vez de simplesmente olhar as pessoas em situações adversas ou caóticas, não precisa sendo de boa índole esperar que o estado ou alguma unidade de serviço faça jus a causa do paciente em condições precárias . Fico muito triste sabendo que o você tinha ou tem toda autonomia para pegar na pessoa que viu e colar no seu carro e ter levado ao hospital, sendo assim só prova o quão desumano é o se caráter .

    • Roberto

      7 de Maio de 2024 at 9:42

      E ressalvo que as coisas só estão assim porque todos esperam a ajuda do estado , isso só mostra o quão limitantes são, e acredito que são só desumano é como também é triste para si mesmo , pois se sentiu-se mal com esta situação poderia muito se sentir melhor fazendo uma boa ação.
      Em.vez de pegar na sua falta de respeito desrespeitar pessoas como você. Ser humano , seja lúcido ou não.

  2. ANCA

    6 de Maio de 2024 at 6:21

    Apesar da pertinência do artigo.

    É de lamentar também a sua atitude enquanto cidadão observador da situação que nada fez e vem descrever aqui, de lamentar que nada fez para alertar as autoridades quando teve a oportunidade do momento de agir e mudar a situação por duas vezes, pois estava de caro.

    A situação de pescadinha do rabo na boca

    Razão para se lembrar ditado antigo

    De que quandi se aponta um dedo, há alguém, tem-se quatro a apontar a nós próprios

    Por isso é feio apontar aos outros sem agir primeiro.

    Revejamos a nossas atitudes enquanto cidadãos desta terra

    Jamais esperemos somente o que o país território, população, administração, mar e rios podem fazer por nós, mas sim o que podemos fazer para mudar o nosso País

    Que tem caracterizado a nossa sociedade, a nossa comunidade, ao longo dos tempos, desde os cidadãos, as autoridades, entidades, e instituições

    A indiferença, o deixar andar, o desleixo,..a altivez, a arrogância, a inveja, a preguiça, o desrespeito, a desorganização, falta de rigor, falta de responsabilização e responsabilidade, a falta de autoridade de estado, falta de instituições fortes

    Se és daqui

    Da a tua contribuição para desenvolver o teu país

    Tu és capaz

    Pratiquemos o bem

    Pois o bem

    Fica nos bem

    Deus abençoe São Tomé e Príncipe

    • Macalacata Tampopo

      6 de Maio de 2024 at 11:07

      Anca estàs certo. Porque na segunda fez que o sr escritor encontrou com a pessoa referida foi na Ponte Tavares, nào custava nada o sr ir a policia e pedir ajuda para cuidarem da pessoa.
      Muitos querem escrever palavras bonitas em vez de fazer acçoes bonitas.
      Parabèns Anca pelo teu relato. Continuaçao da boa semana.

  3. ANCA

    6 de Maio de 2024 at 6:21

    Apesar da pertinência do artigo.

    É de lamentar também a sua atitude enquanto cidadão observador da situação que nada fez e vem descrever aqui, de lamentar que nada fez para alertar as autoridades quando teve a oportunidade do momento de agir e mudar a situação por duas vezes, pois estava de carro.

    A situação de pescadinha do rabo na boca

    Razão para se lembrar ditado antigo

    De que quandi se aponta um dedo, há alguém, tem-se quatro a apontar a nós próprios

    Por isso é feio apontar aos outros sem agir primeiro.

    Revejamos a nossas atitudes enquanto cidadãos desta terra

    Jamais esperemos somente o que o país território, população, administração, mar e rios podem fazer por nós, mas sim o que podemos fazer para mudar o nosso País

    Que tem caracterizado a nossa sociedade, a nossa comunidade, ao longo dos tempos, desde os cidadãos, as autoridades, entidades, e instituições

    A indiferença, o deixar andar, o desleixo,..a altivez, a arrogância, a inveja, a preguiça, o desrespeito, a desorganização, falta de rigor, falta de responsabilização e responsabilidade, a falta de autoridade de estado, falta de instituições fortes

    Se és daqui

    Da a tua contribuição para desenvolver o teu país

    Tu és capaz

    Pratiquemos o bem

    Pois o bem

    Fica nos bem

    Deus abençoe São Tomé e Príncipe

    • ANCA

      6 de Maio de 2024 at 8:09

      Precisamos estar atentos

      Aos agulhas sombras que tem o rabo espetados na boca,…

      Os lobos vestidos de cordeiros na nossa sociedades

      Aqueles que vêem o mal, nada fazem para ajudar a por cobro, depois vão relatar e apontar dedos e recomendações, esquecendo que fazemos todos parte deste processo.

      Devemos todos contribuir mais para o bem do nosso país território, população, administração, mar e rios

      Apesar de serem também de São Tomé e do Príncipe

      Nunca gastes tudo aquilo que ganhas e trabalhas, amealha, poupa, para eventuaidade presente futura, serve para ti caro cidadão e conterrâneo São Tomense, serve para as instituições nacionais

      Se nasceste aqui ajuda o teu país a desenvolver

      Pratiquemos o bem

      Pois o bem

      Fica nos bem

      Deus abençoe São Tomé e Príncipe

  4. alberto costa

    6 de Maio de 2024 at 9:36

    Será que era Patrice Trovoada?

    • Armindo Assunção

      7 de Maio de 2024 at 11:19

      Eu li o texto escrito pelo sr.Fernando Simão, e os comentários a cerca do mesmo.
      Cheguei a triste conclusão que melhor é ficarmos todos surdos e mudos,como faz o sr. Presidente da República, o sr. Primeiro-ministro, senhores Ministros, senhores Bombeiros, senhores Agentes de Plicia, e toda a população em geral.
      No meu entender,sr.Simao fez o que podia fazer, como cidadão comum.

  5. Marta Freitas

    7 de Maio de 2024 at 19:01

    Em relação ao escrito nessa publicação, quero aqui deixar uma ressalva, não é um doente mental….no espaço de 100/200 m estão constantemente umas 3 pessoas nessas condições ….!
    Voltando ao artigo escrito, pessoas deixaram a sua crítica de não ter prestado apoio!
    Deixo aqui o meu testemunho de uma situação passada comigo!
    Um final de dia cerca das 19h, precisamente nessa zona descrita subida para o aeroporto perto do CKdo ( talvez por ficar perto do hospital ( psiquiatria) e deixarem todos os doentes mentais à sua sorte) estava a regressar a casa e vejo um senhor que me deu a entender ser invisual e certamente também doente do foro psiquiátrico em função do seu aspeto, umas vezes deitado outras a rastejar no meio da estrada.
    Estive quase uma hora a acompanhar o senhor com os quatro piscas ligados para não o atropelarem! Perdi a conta às vezes que liguei para as diferentes instituições públicas para o efeito, umas empurravam para outras, e outras diziam para já não ter disponibilidade de se deslocarem…. Liguei tantas vezes que a determinada altura já nem o telefone atendiam!
    Estava entre um dilema ou deixar aquele senhor ali no meio da estrada onde muito provavelmente alguém o viria a atropelar mesmo sem querer, mas a iluminação nessa zona é tão escassa que facilmente acontecia ou ir para casa onde tinha a minha filha à espera! Não consegui deixar o senhor até conseguir que fosse para a berma da estrada e lá segui o meu destino! O que aconteceu a esse senhor?! Certamente não terminou bem a sua vida….
    Onde estão os direitos humanos onde estão os profissionais aptos a trabalharem e prestarem auxílio a estas pessoas?
    Inevitavelmente é cada vez mais notório no país este flagelo destas pessoas doentes mentais que por sua vez se tornam sem abrigo. E faço questão de realçar a expressão “pessoas”, para que mentes mais distraídas não se esqueçam do fundamental — estamos a falar de pessoas. E, já agora, de pessoas que podíamos (e ainda podemos) ser cada um de nós ou até nossos familiares!
    Perante esta realidade, o que se tem que fazer? Existem vários níveis de possíveis de intervenção, e em diferentes setores da sociedade. Mas começando pelo mais óbvio, é urgentíssimo clarificar a regulamentação e o do papel do Estado nesta situação em que coloca em risco uma série de questões de diferentes esferas, nomeadamente saúde pública, segurança e até econômica do país.

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