A trilogia, sindicato, escola e partidos políticos, faz parte de um conjunto de instituições criadas pelo ser humano para dar respostas aos anseios da população. Ajudam, a regular e a estabelecer, cada uma à sua maneira, o modo como cada país, cada sociedade, cada comunidade se organiza. Todas procuram ter, aparentemente, um desempenho específico equilibrado cujo objectivo é não defraudar as expectativas do cidadão comum.
Independentemente do contexto, do sistema político, da crença religiosa e mesmo da cosmovisão das entidades, esse conjunto de instituições exerce uma função reguladora.
Caracteriza-se seguidamente e, em traços gerais, cada uma delas e o papel que é suposto desempenhar na sociedade São-tomense.
O Sindicato
A ideia de sindicato está, geralmente, associada à defesa do trabalhador, independentemente da área laboral onde este se encontra inserido. O vocábulo sindicato tem origem no grego e no latim. Para os gregos syn-dicos «é aquele que defende a justiça», enquanto que em latim sindicus designava «o procurador escolhido para defender os direitos de uma corporação».
O primeiro esboço de sindicato terá surgido, no século XVIII, com a afirmação do capitalismo. Contudo, a sua consolidação só chega com o advento da Revolução Industrial, salientando-se países como os Estados Unidos da América (a cidade de Chicago está na génese do dia do trabalhador), o Reino Unido e a França onde terá sido dado o pontapé de saída relativo ao secular confronto entre o patronato e o trabalhador.
Em São Tomé e Príncipe
A actividade sindical em São Tomé e Príncipe não teve grande expressão no período colonial, pelo facto de o Estado Novo limitar o acesso dos nativos a qualquer tipo de organização cujo fim era o de reivindicar direitos laborais.
O arquétipo social das ilhas, juntamente com a condição laboral do gabom (designação dada aos trabalhadores braçais) das roças de cacau e do café, terá provavelmente condicionado a existência de sindicatos.
Criou-se, no entanto, o Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio, Indústria e Agricultura (SNECIA) herdeira da Associação dos Empregados do Comércio e Agricultura (AECA), que integrava apenas sócios europeus.
Com o advento da independência, surge a Organização Nacional dos Trabalhadores de São Tomé e Príncipe (ONTSTP), no ano de 1979. Em 1993, criou-se a União Geral dos Trabalhadores (UGT). São duas centrais sindicais cujo rastro presume-se enfermado pelo «assalto» inequívoco dos partidos políticos.
O Sindicato dos Professores e Educadores de São Tomé e Príncipe (SINPRESTEP), surgido há 32 anos, é pioneiro na área laboral dos profissionais de ensino. Surgiram, posteriormente, mais três sindicatos que vieram preencher o mesmo espectro laboral.
De todas as reivindicações feitas em defesa dos interesses dos professores e educadores quase nenhuma teve sucesso, mas a greve anunciada e iniciada no dia 1 de Março de 2024 e que durou trinta e seis dias, teve um impacto inquestionável junto dos detentores do poder.
Constituídos em Inter-sindical, as quatro centrais elegeram para a sua liderança uma professora do ensino secundário, Vera Lombá, que revelou carácter, firmeza e determinação na condução das negociações encetadas, primeiro, com o Ministério da tutela e, depois, com mais três ministérios.
Os sucessivos governos utilizavam sempre estratégias eficazes para desmobilizar toda e qualquer tentativa de greve convocada pelos sindicatos. A plataforma da Inter-sindical dos professores também se inibia perante tais estratégias.
Desde ameaças de despedimento, a tentativa velada de suborno, a chantagem, passando pela mobilização descomunal das forças policiais e ainda, outros expedientes de natureza coerciva e desestabilizadores da causa foram utilizadas.
Porém, de todos esses esquemas indecorosos, a Inter-sindical e a sua líder resistiram estoicamente contra uma equipa governamental, composta por quatro titulares de peso, sendo dois deles, professores da Universidade pública, indicada para acabar com a resistência dos irreverentes sindicalistas.
Para quebrar o ânimo da professora, recorreu-se, nas redes sociais, através de pseudónimos, ao mais baixo e vil ataque pessoal, entrando-se na vida privada e íntima da professora. Até o recibo de seu vencimento, cuja propriedade é supostamente da exclusiva responsabilidade da entidade empregadora foi exibido nas redes sociais.
Vera Lombá, mulher letrada e esclarecida, inserida numa sociedade conservadora, com laivos acentuados de machismo, tem que lidar no seu quotidiano com preconceitos enraizados tais como mwála na ká mandá ni ómé fá (a mulher não manda no homem), contra estigmas antigos como, lugé mwála sá ni kantxin kama (o lugar da mulher é no canto da cama), contra complexos segundo os quais, mwála na ká légá ómé fá, ómé só ká légá mwála (a mulher não se divorcia do homem, o homem é que deixa a mulher).
Quem é, afinal, a líder da Inter-sindical?
De nome completo, Vera Maria das Neves Gonçalves Lombá, nasceu na freguesia da Conceição, ilha de São Tomé, tendo como progenitores Manuel da Trindade Gonçalves Lombá, vulgo Lombá Pequeno, e Maria Francisca Agostinho das Neves. Fez os estudos primários e secundários em São Tomé, na Guiné-Bissau e em Lisboa. Estudou na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa e fez a licenciatura em Relações Públicas e Comunicação, na Universidade de São Tomé e Príncipe.
Lecciona a disciplina de Direito no Liceu Nacional. Dedica-se a causas sociais relevantes como o apoio aos professores reformados e aos idosos. Admira na literatura, escritoras como Paulina Chiziane, escritores como Albertino Bragança, Jorge Amado e Óscar Wilde, gosta de música clássica, de Bossa Nova, de jazz e da música antiga São-tomense interpretada, sobretudo, pelos conjuntos «Sangazuza», «Mindelo» e «Os Untués». É vice-presidente da Academia São-tomense de Ténis.
Vera Lombá, pode ser comparada a personalidades femininas nacionais como Olinda de Assis Pacheco (1904-1989), uma investigadora com formação académica bastante diversificada que desenvolveu estudos interessantes para o conhecimento da área do Ensino Especial em Portugal; Alexandrina Barros (1932-1997), primeira e única mulher a fazer parte da cúpula do Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP), Dulce Aguiar (1937-2008), primeira e única mulher das ilhas a integrar um agrupamento musical, o “Almense”, tocando bandolim, Antónia Cravid (n. 1947?), primeira voz feminina do arquipélago a gravar um disco na década de 1960, Marina Santiago de Sousa (n. 1937), única professora preta que no período colonial leccionou no Liceu D. João II, Laura Gil (1925-2006), Inez da Mata (1926-2008), Paula Cassandra (1933-2014), e Clarinda Sequeira (1940-2005), o grupo de quatro mulheres da ilha do Príncipe que no início de 1970, quebrando o protocolo oficial, desafiaram as autoridades coloniais, fintando os maridos e, sobretudo, à polícia política (PIDE), pedindo ajuda ao governador Silva Sebastião (1919-2005) para que fosse introduzido o ensino secundário na ilha.
Pode-se estender essa comparação a entidades femininas internacionais, tais como Temistocleia (século VI a. C.), a primeira mulher do mundo a ser chamada «filósofa», sendo lembrada, também, por ter sido professora de Pitágoras, responsável por transmitir ensinamentos sobre doutrinas éticas, Laura Bassi (1711-1778), italiana, primeira mulher cientista profissional da história, Guilhermina Suggia (1885-1950), genial violoncelista portuguesa, Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911), médica de profissão, a primeira mulher a votar em Portugal nas primeiras eleições legislativas da República, entre outras.
A caracterização seguinte recai na instituição Escola e nos seus principais protagonistas.
A Escola
Hoje, ao falar-se de Escola, nas ilhas de São Tomé e Príncipe, vem logo a ideia a presença de uma grande quantidade de alunos e de alunas de diversas idades; um conjunto de salas de aulas, sem portas nem janelas, exageradamente superlotadas; quadro preto degradado; ausência de paus de giz; um número reduzido de carteiras nas salas; mapas geográficos desactualizados; ausência de casas de banho e de campos desportivos. Os professores, os funcionários administrativos e os auxiliares de educação vivem dias angustiantes com essa panóplia de situações anómalas.
Apesar de tudo, a escola posiciona-se como um espaço onde se acumulam ensinamentos, constituindo-se, também, num poço singular de transmissão de virtudes. É, na realidade, um local privilegiado onde se aprende a ler, a escrever e a contar. Ela é uma instituição criada pelo ser humano para ajudar e complementar a socialização da criança e dos jovens.
O processo de socialização, como é sobejamente propalado pelas sociedades actuais, tem o seu início no seio da Família, passando depois para a Escola numa sequência lógica de aprendizagem tranquila e sem sobressaltos.
A Escola reflecte, por excelência, os acervos culturais e societais mínimos que cada indivíduo deve assimilar para ser considerado “membro efectivo” de pleno direito da comunidade. Quando se fala em “membro efectivo” pretende-se projectar cidadãos que sirvam de modelo, ou seja, que se destacam pela sua conduta, pela sua postura e pela atitude que deve ter perante os outros.
É evidente que não há escola sem gente lá dentro. Quando se fala de gente, está-se justamente a falar da comunidade escolar constituída essencialmente, por alunos, professores, funcionários administrativos, pais e encarregados de educação. Apesar da escola funcionar como uma mini-sociedade, ela só tem sentido se houver dois elementos fundamentais: os alunos e os professores, peças-chave de uma engrenagem educativa programada. Isto significa dizer que os alunos estão no centro das preocupações de todos.
Os professores representam com toda a propriedade, que lhe é devida, a “coluna vertebral” de todo o sistema de ensino. São eles que transmitem conhecimentos aos alunos. Saliente-se a diferença que co-existe entre professores e quem dá aulas. Um professor é, acima de tudo, um educador, enquanto que quem dá aulas, socorre-se de um manual, “despeja” a matéria e vai-se embora. Contrariamente ao professor, ele não tem arte, nem ciência para educar, reproduzindo apenas aquilo que está no manual e pouco mais. A diferença entre um e outro é gritante. O professor é, acima de tudo, um agente de mudança.
Em São Tomé e Príncipe, a tarefa de um professor está bastante comprometida. Não se investe na formação desses profissionais, são mal remunerados, perderam gradualmente o prestígio social e não existe uma carreira digna desse nome. Ao que parece, os vários poderes que desfilaram nestas últimas décadas não têm, nem nunca tiveram políticas de Educação consequente. Viveram e vivem de improvisos, tais como, Bilá kábá («desenrascanço»), de Kwá êh dá êh dá («dê no que der. Logo se vê»), e de Ómé Dó Sé ká dá zúda («O Senhor do céu, ou seja, Deus Nosso Senhor há-de ajudar»).
Uma franja da população aparenta depositar confiança nos professores, esperando que estes consigam transmitir aos alunos a educação que era suposto ser atribuição da Família.
Ora, nos dias que correm a família aparenta ser uma abstração. Uma abstração porque a mulher assume o papel de «pai» e de «mãe» o que dificulta sobremaneira a tarefa. O estado de pobreza que grassa na sociedade leva-as a serem chefes de família precocemente. Por isso não há uma resposta satisfatória a esse desafio porque na Escola, presentemente, não se concilia essa preocupação de instruir e de educar.
A abordagem seguinte incide nos partidos políticos, última instituição social desta trilogia.
Os Partidos Políticos
Os partidos políticos das ilhas aparentam, grosso modo, estar esgotados, porque esgotados estão os seus métodos acusando perda de lucidez e da razoabilidade resistindo tenazmente à mudança.
A mudança de paradigma, passados que foram mais de quatro décadas de independência, apoquenta-os, deixa-os estarrecidos e tira-lhes do sério. Tira-lhes do sério porque nunca aprenderam a sonhar e a ter uma visão clara do que é a ideia de Pátria e do Patriotismo. Cada partido político ocupa um patamar decrépito podendo-se classificá-los como anquilosados, em seguidistas, em recauchutados e em fantasmagóricos.
Esse kindá (cabaz) de adjectivos pode-se atribuir aos jacobinos do nosso arquipélago que projectam o país para um inalienável impasse político e para uma paralisia temporal, sem precedentes. Alguns não chegam a vivenciar as emoções fugazes e a solidão premente de quem governa. Servem-se conscientemente do empirismo e da improvisação quando chamados a desempenhar altos cargos governamentais.
A existência de indivíduos dentro dos partidos políticos que se julgam «sábios» leva a que a sociedade viva de uma cultura do MEDO. Os cinco mil funcionários públicos fantasmas, retractados no programa da RTP-África, Tem a Palavra no passado dia 10 de Abril de 2024, é disso exemplo.
Os medos resultam de vários cenários que foram sendo injectados na sociedade com recurso a excessiva partidarização e cumplicidade dos ínclitos “barões”. Cada partido, é uma «ilha», cada presidente de partido julga-se um «iluminado», tal qual o monarca francês, Luís XIV (1638-1715), o Rei-Sol; cada militante do partido, posiciona-se como sendo um predestinado. Até o homem que abre e fecha a porta das sedes partidárias considera-se superior aos demais cidadãos.
O medo faz escola na nossa sociedade, ou melhor dizendo, nas duas ilhas, e parece que veio para ficar. A sua dimensão aparenta não ser, de todo, quantificável. Quase todo o cidadão comum cultiva no seu íntimo e no seu quotidiano MEDOS …
Medo da controladíssima comunicação social; medo de se expressar ante a desarticulada prestação da administração pública; medo de dar a cara apesar da exclusão; medo da extrema pobreza e de causas como a não implementação da justiça; medo de se assumir como cidadão São-tomense, na esteira dos seus antepassados que preferiram não vergar, nem tão-pouco, ajoelhar-se perante o poder vigente nas ilhas até ao dia 11 de Julho de 1975; medo de perder um pseudo-estatuto de funcionário superior, de militar de patente alta e de membro das forças de segurança do Estado; medo de acreditar nas suas potencialidades. Enfim, um desfiar de Medos cujas contas não pertencem a qualquer rosário religioso digno desse nome.
Os partidos políticos, nascidos de uma grosseira imitação vinda do exterior, resistem como podem à Mudança. Resistem a todas as fórmulas de opiniões vindas de cidadãos autóctones relativamente à arte de bem governar, sobre a implementação de regras na sociedade, aos efeitos e benefícios da cidadania e ao imperativo decisivo da cultura e da identidade.
Naturalmente, que nas ilhas os partidos políticos também têm Medos, traduzidos em fantasmas. Fogem, tal qual o diabo foge da cruz, da tecnologia, da inovação, da inteligência artificial e dos que eles consideram ser, «mentes-arejadas». Constituído por um exército de cidadãos, essas designadas «mentes-arejadas» identificam-se numa arena denominada, na gíria popular, como «Nós por lá» (diáspora) e «Nós por cá» (residentes).
Aos primeiros são-lhes permitidos emitir opinião, sem limite por residirem no estrangeiro e estarem longe do poder e das suas tentaculares garras controladoras. Os segundos conhecem, melhor do que ninguém, os limites da linha vermelha: não se pronunciam, fingem não ter opinião acerca dos assuntos que enfermam a sociedade onde estão inseridos.
Os partidos políticos, sem excepção, cultivam o princípio segundo o qual quanto mais os eleitores se escudam no slogan «eu que vou dizer coisa di genti?», mais eles impõem-se numa sociedade presa a amarras depreciativas do obscurantismo, num século XXI que se está a impor pela informática, pela tecnologia de ponta e pela inteligência artificial. Cá nas ilhas, nós continuamos a funcionar cabisbaixos, como se estivéssemos no início da Idade Média.
… E como se o país já tem dono?
Esta preocupante expressão é dita nos corredores dos liceus São-tomenses pelos adolescentes que atingem a 10.ª classe de escolaridade e seguintes. A expressão reflecte muito o sentimento que vai na alma de grande parte de cidadãos, sobretudo dos seus pais que auferem ordenados de miséria e veem entrar pela porta dos seus quintais, indivíduos já bebidu áwa (maduros) que vão arrastar as suas filhas adolescentes para a perdição.
Síntese conclusiva
À guisa de conclusão pode-se extrair três ideias-chave.
A primeira ideia prende-se com a ascensão meteórica de uma sindicalista determinada, Vera Lombá, uma mulher trabalhadora que num mundo laboral dominado na sua esmagadora maioria pelos homens, fez frente ao poder mantendo um braço-de-ferro inédito por uma boa causa.
A segunda ideia tem a ver com a instituição, escola pública, cujos principais protagonistas lutam obstinadamente para se obter um ensino público equilibrado e com um mínimo de qualidade, e pela dignificação do estatuto dos professores.
A terceira ideia questiona a performance dos partidos políticos e dos seus «barões» que precisam urgentemente de dar à volta ao modo de governar e de utilizar com clareza, com racionalidade e com justeza os parcos recursos que o país dispõe.
É decisivo e fundamental criar-se condições mínimas para que o cidadão comum consiga ter uma vida com dignidade para estancar-se a saída desenfreada de concidadãos que buscam no exterior o bem-estar para si e para a sua família.
Que os sindicatos, as escolas e os partidos políticos sejam dignos no cumprimento das missões respectivas para que se vislumbre uma evolução diferentemente positiva na sociedade São-tomense.
Lúcio Neto Amado
Nota: O autor do texto não subscreve o Acordo Ortográfico de 1990
Original
14 de Maio de 2024 at 20:40
Quando sindicalistas são também gestores
Ou políticos, dá o que tem dado.