Opinião

O equívoco dos nossos economistas

Tive acesso recentemente  a quarta carta aberta da Associação dos Economistas endereçada ao chefe do executivo santomense.

Com este gesto, aquela organização da sociedade civil, demonstra através do diálogo, estar engajada em participar de forma responsável na fiscalização da ação governativa do país.  É salutar existir  esses front´s de opiniões e correntes de idéias no país, ainda que não sirvam para aplicação prática, podem levar-nos a reflexões maiores.

Na carta, a principal proposta despertou minha atenção. A Associação dos Economistas, sugere ao estado, que passe a exigir uma percentagem de participação igual ou inferior a 25% do capital social de empresas financeiras, particularmente os bancos, e outros investimentos e empreendimentos de natureza estratégica.  Para adquirir os tais 25%, o estado não colocaria nenhum “centavo de dobra” no capital social destas empresas.

Como justificativa, a associação dos economistas, buscou exemplos de países como Qatar e Emirados Árabes Unidos, que adotam semelhantes práticas.  Eis aqui, a falha de nossos economistas: nestes países o estado não se associa directamente ao capital privado, e sim, impôs legalmente que, todo investidor estrangeiro deve associar-se com investidores nacionais, em forma de parceria ou sociedade de capitais,  afastando a presença directa do estado nos negócios de iniciativa privada.

Ora, creio que os nossos economistas não tiveram o cuidado de analisar os cenários e a conjuntura econômica destes países com a realidade do nosso país. Numa apreciação do Banco Mundial, os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, é o 40° melhor país do mundo para fazer negócios, já o Qatar é o 50°. Nesta mesma apreciação São Tomé e Príncipe ocupa a 178° posição, portanto, o sexto pior do mundo.

No Qatar e Emirados Árabes Unidos, qualquer investidor jogaria seu capital lá. Estes países possuem um sistema financeiro sofisticado, robusto e sólido, não apresentam grandes  riscos de crise de crédito. Têm parques industriais funcionais. São países produtores de petróleo em larga escala mundial, possuindo grandes commodities e derivativos nos mercados futuros e  essencialmente nas principais bolsas de valores do mundo.  A dívida pública destes países é segura. Possuem fundos soberanos e reservas líquidas internacionais na ordem dos bilhões de dólares. Um país com essas características é certamente o sonho de qualquer empresário/investidor e especulador financeiro. Nestes países, são os empresários/investidores que lutam para entrarem  no seu mercado, ao contrário do nosso, onde rogamos para termos a presença de empresários/ investidores.

No caso de STP, a nossa dívida pública interna e externa, é considerável. As garantias de pagamento dessas dívidas, nem sempre são claras, daí o facto de muitas delas terem sido sucessivamente perdoadas ao longo dos anos “pelo clube de nossos credores”.  Não temos um sistema financeiro robusto, nem sólido. As nossas grandes empresas não estão listadas nem cotadas em bolsas de valores. Nem sequer o nosso cacau é negociado diretamente no mercado de futuros. Essa situação deixaria qualquer empresário/investidor receoso.

Então, exigir 25% de participação aos empresários/investidores estrangeiros seria  o mesmo que correr com eles de forma amena e branda. O problema não para por aí: o estado tendo eventualmente essa participação, passaria também a ter judicialmente uma certa responsabilidade solidária nestas empresas. Se alguma empresa fosse à falência, seus credores poderiam e muito bem, mover uma ação judicial contra o estado exigindo a solvência dos débitos. Já imaginaram num curto espaço de tempo esses bancos falirem e todos os seus clientes e demais credores processarem o estado para assumir a solvência dos débitos, na proporção da sua participação de 25%?

Se a intenção é elevar as receitas do estado, existem outras formas mais seguras, menos arriscadas e pouco problemáticas.  A reformulação do sistema fiscal seria um passo importante.  O governo poderia, por exemplo, criar um sistema de tributação diferenciado para certos empreendimentos e investimentos. Estabelecer um limite de lucro líquido. Se a empresa ultrapassar esse limite, estaria automaticamente condicionada a pagar impostos diferenciados. As empresas que lucrarem mais, pagariam mais impostos. Além do habitual IRC-imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas, seriam obrigadas a pagar  um adicional sobre o IRC, mais  uma espécie de contribuição social sobre o lucro líquido.

Nas operações financeiras referentes a remessas, transferências, compra e venda de divisas, obtenção de créditos financeiros, contratação de seguros etc, o estado poderia instituir o “imposto sobre operações financeiras”, a ser recolhido pelos bancos nestas operações e depositado diretamente na conta  do tesouro nacional. Poder-se-ia também tributar, individualmente na esfera das pessoas singulares, as grandes fortunas dos cidadãos nacionais e estrangeiros que de certa forma, exercem alguma atividade de ganho econômico/financeiro no país.

Se a criação destes impostos vai ou não aumentar o preço de  alguns bens e serviços, isso caberia ao governo regular legalmente o mercado para disciplinar os empresários/investidores e proteger os consumidores.  Deste modo, o governo não precisaria se comprometer com o capital dos empresários/investidores nacionais e estrangeiros.

No entanto, a proposta vinda da associação dos economistas é valida, mas na atual conjuntura dos indicadores sociais e econômicos do país, essa proposta tecnicamente parece inviável. Já basta o cidadão comum, contribuinte, suportar alguns gastos da máquina administrativa e burocrática do estado.

Aliás, aos mentores dessa idéia, recomendo assistirem o documentário “Trabalho Interno” de  Charles Ferguson, que é  a uma verdadeira aula de economia. Ao tratar de forma didática, coerente e extensa, os motivos da crise financeira mundial de 2008, no documentário, cérebros ilustres do mundo da economia, finanças e direito, foram unânimes em reconhecer: a mão do estado nos negócios de iniciativa privada deve reservar-se, antes de mais, na regulação e disciplina do mercado.

Não fica bem ao estado olhar com ganância para bens e direitos alheios.  Não cabe ao estado recolher como acionista dividendos gratuitos, em bens de pessoas, que imagino, passaram por grandes vicissitudes para construírem seus negócios. Pensar agora nessa proposta de participação de 25% do estado em negócios de iniciativa privada, só pode ser um equívoco de nossos economistas mentores dessa proposta.

Carllile Alegre

e-mail:carllilealegre@gmail.com

12 Comments

12 Comments

  1. vugu-vugu

    27 de Abril de 2011 at 13:47

    Carlile,

    Este é, seguramente, o seu melhor artigo até hoje (dos que li). Parabéns!!!

    Isto sim, merece a pena ser publicado pelo TN. Dá gosto ler.

    Subscrevo 99,9%. Os 0,1% é só para chatear e porque:

    i) penso, não referiu que os países do golfo têm elites com abundantes recursos para investir (está implícito, é certo, mas…);

    ii) quis evitar pegar os touros pelos cornos. Não tenha problema em dizer. A proposta da AE é disparatada e devia envergonhar os seus subscritores.

    Votos de continuação de boa escrita.

  2. Osama bin Laden

    27 de Abril de 2011 at 14:24

    Carllile, os donos da associação dos economista, são todos economista do século passado, outros até tenho duvida que conseguiram concluir o curso.. Basta saber que um deles levou um banco a banca rota, perante isso não vale a pena perder o teu tempo com as coisas que sai da boca de certas pessoas…Há um indevido nesse grupo que quer tacho (coisas ligada a petróleo e nada mais…), enquanto não conseguir vai continuar a dizer coisas que dói aos nossos ouvidos!

    • stp forbes

      27 de Abril de 2011 at 15:43

      e os que levarão a economia mundial a banca rota? que dizes deles. abre-te ao mundo.
      O nosso economista levou somente um banco a falencia. o economista Branco e inteligente deixou de rasto o mundo até a intervenção do estado. por isso é rediculo o que dizes

  3. Bejunto Aguiar

    27 de Abril de 2011 at 14:50

    Cara amiga Carlile,

    A sua contribuição é sempre bem vinda e agradável. E como disse e bem a ideia da associação dos economistas é apenas um ponto de Partida.

    Anos atraz estaria perfeitamente de acordo consigo em relação a participação do estado apenas como o regulador/instituidor do mercado.

    Depois da crise económica e tendo tambem lido o livro por si referenciado, continuo a pensar que o estado pode sim ser também um bom parceiro para investidores estrangeiro. Aliás existem muitos exemplos disso em países classificados como os melhores para fazer negocio. E neste caso preferia que buscássemos exemplos dos que estão no topo da lista e não no meio.

    Os impostos por si sugeridos são formas de arrecadar receita, mas também representa uma barreira em forma de custo para os investidores. E atenção que não vejo a ideia apenas como uma forma de elevar as receitas do estado, até porque não há garantias á partida que o negócio em si será lucrativo. Poderá também ser penoso para o Estado.

    Em relação aos bancos, repara que na crise do subprime o estado na maioria dos países serviu de “safety net” aos bancos em situação de falência, caso contrario a situação teria sido bem pior.

    Concordo no entanto consigo que exigir 25% em participações e de forma gratuita é um exagero e apenas serve para afugentar quem quer que seja.

    Mas não vejo nada de mal que o Estado tenha uma instituição de investimento que possa investir ou participar em investimentos privados contando que sejam capazes, isentos e profissionais.

    Os modelos de desenvolvimento no países como o nosso têm necessariamente que ser revisto. Não sou apologista de um mercado totalitário. Pode-se perfeitamente e a China ou mesmo o Brasil onde se encontra, são exemplos claro de que é possível ter-se sistema económico misto. Não é mau de todo ter o estado como parceiro de desenvolvimento.

    Eu se fosse investidor gostaria de poder contar com o estado como o parceiro desde que não fosse imposta nem gratuita e que tivesse benefícios em troca. Os benefícios podem ser fiscais, aduaneiros, doação/concessão de terras, … etc.

    Por fim qualquer que seja o modelo ela carece sempre de um melhoramento do nosso sistema financeiro, fiscal, educativo, labora, sanitario, etc… Qualquer tentativa de introduzir novas medidas sem antes equacionar os pontos atrás é o mesmo que por o carro á frente do boi.

    Bejunto

    • Kundu Muala Vé

      27 de Abril de 2011 at 18:42

      Bejunto,

      A sua proposta é interessante, mas ela pouco ou nada tem que ver com a da AE.

      A crise de 2008/2009 veio demonstrar que a mão invisível por vezes fica perra, enferrujada e necessita de intervenção externa (Estado) para olear.

      Sim, é desejável e não contraria o mercado o Estado ter uma instituição de crédito em que tenha participação relevante e que prossiga outros fins que não apenas os do mercado.

      O mercado é bom a produzir, mas é péssimo distribuir (não garante a equidade).

      Se me permitir, a China não é um bom exemplo. Um dia destes as contradições do modelo virão ao de cimo e aí…

    • Bejunto Aguiar

      28 de Abril de 2011 at 9:37

      Caro Kundu,

      Não para de rir desde que escrevi o seu “nick name”. Acho que é a primeira vez que escrevo a palavra. Mudando de assunto; Como disse a Carlile e bem a proposta em si da AE não parece viável mas serve de base para uma discussão mais alargada e poderá por ventura levar nos para outros caminhos. Temos vindo a assistir varias propostas e ideias com base na proposta original da AE, inclusive na RDP Africa com o nosso representante, Abílio Neto.
      E creio portanto que o importante é o fomentar do debate. Pena que não haja ilações do que se tem discutido aqui.
      Eu tenho um plano de desenvolvimento económico que desenvolvi na minha tese de mestrado e terei o maior prazer em partilha-lo consigo, caso queira.

  4. Betódô

    27 de Abril de 2011 at 14:56

    Mto bom

  5. Albertino Silva Braganca de Sousa

    27 de Abril de 2011 at 15:28

    fantástico jovem amiga!

  6. Liberdade

    27 de Abril de 2011 at 17:02

    Parabens, se a senhora continuar a escrever, desta maneira, pessoas como Emilio Pontes, nunca mais iriam escrever e mandar artigos ao Tela Nom.
    Mas uma coisa é certa, os paises serios, onde as regras são respeitadas, os nossos governates fogem parcerias.
    Um Programa bem feito, com especialistas, são tomenses, nos EUA, para reabilitar de raiz os aeroportos de São Tome, Principe e Porto Alegre, Estradas nacionais e de acesso as ex presas agro-pecuarias, bem como os edificios, passando pelas infraestruturas de produção agricola e pecuaria, teria aval dos Estados Unidos(fundos do MCA).
    Produziamos arroz, carne, leite e feijões, para o consumo interno, exportavamos cacau, cafe e oleo de palma para Estados Unidos.
    Um projecto simples.
    Mas a corrupção não nos deixa pensar longe, apenas curto prazo.

  7. terra sabi

    27 de Abril de 2011 at 17:58

    Certamente eu ainda acho que os verdadeiros economistas de stp estão a brincar, porque não é possível eles compactuarem com estas ideias de alguns economistas falhados e sem noção da nossa praça, que todos nos sabemos quem são.
    É bom que os verdadeiros economistas que temos começarem a assumir realmente os seus papéis e não deixarem esses ditos economista sem noção fazerem o uso da palavra colocarem suas ideias malucas sem sentido nesta página, porque isto nos envergonha.

  8. Adriano Espirito Santo

    27 de Abril de 2011 at 18:03

    Até estive hesitante em ler, mas quando comecei não mais poderia parar…Não sou Economista, mas o artigo esta bem feito, cada ideia devidamente justificada. Os primeiros artigos que pude ler da mesma autoria faziam-me pensar que a autora era Jornalista, eu sinceramente prefiro-a como Economista.

  9. BARÃO DE ÁGUA IZÉ

    30 de Abril de 2011 at 1:02

    O Estado deve estar o mais longe possivel da Economia, isto é, deve dar total liberdade aos investidores e empreendedpres e deixar o mercado funcionar. O Estado, básicamente, deve ter uma ação reguladora para evitar posições dominantes e pela informação que obtem da actividade económica e social, estabelecer estratégias de desenvolvimento global. Ter sempre presente que sem Economia produtiva um País não tem viabilidade e não tomar medidas que afastem investidores, quer Nacionais quer estrangeiros.

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