Análise

Carta a 2013, iminente vindouro

São de Deus Lima (Crónica escrita em Novembro de 2012 para a revista África21).

QUERO QUE SAIBAS que te aguardamos, não sei se placidamente, se com alguma trepidação. Acho que o sentir de muitos de nós, é que sendo inevitável a tua vinda, o melhor será esperar que desembarques. O que faz sentido, dada a intrínseca mania, tua e dos teus, de cultivarem a circunspeção e o enigma, enquanto estão a caminho. O problema é que os nossos anciãos ainda cá estão, arrimados ao cajado. Não abdicam.

Sempre convencida de que é vidente, e que não só vê almas do outro mundo como sabe ler o amanhã no riso ou no choro das crianças, a velha san Padiçê diz que já lhe apareceste, em sonhos, num dia de temporal, de fato novo de cambraia, enfeitado com pespontos dourados. Disse-nos também que tinhas rotas as meias e cuecas, em farrapos os sapatos. Vai daí, o velho Mé Suba desatou a pregar, de dedo em riste, no lugar do costume.

Que quotizemos afincadamente para te assegurar agasalho robusto e digno, sem dandismos janotas.

Que quotizemos ferozmente para te arranjar um par de sólidas, indestrutíveis botas, dessas que submetem lama, cacos de vidro, a agrura de estradas e picadas. Não nos deixa folgar, não nos deixa repousar. Diz que serás a nossa incarnação – carne e verbo.

Que quando morderes a polpa de um fruto, morderemos a polpa de um fruto.

Que quando tiveres fome, teremos fome. Que quando tiveres frio, teremos frio. Que quando rasgares a planta dos pés, algures nos espinhos da ladeira do Riboque, os nossos pés sangrarão como os teus e a nossa dor será igual à tua dor.

Que quando acertares na tua porção de palavra, acertaremos na nossa porção de palavra.

Que quando te enganares na tua porção de palavra, nos enganaremos na nossa porção de palavra.

Já não tem vista para distinguir, no mato, o verde das suas plantas medicinais, o velho Mé Suba. Já não tem forças para nos massajar o corpo com os seus misteriosos unguentos. Tudo o que faz é meditar longamente, quando não está a contar aos mais novos os segredos das suas ervas. Ou a aterrorizar-nos com as visões agoirentas da sua comadre Padiçê.

Mas nós, por cá, sempre são-tomensemente, estamos blindados contra visões, previsões e mau agoiro.

Atravessamos os sete mares, conhecemos países e cidades para lá do horizonte azul.

Temos muitos jeeps, muitíssimas motos, muitos telemóveis, algumas bibliotecas, uns quantos computadores. Chegou a fibra óptica.

Deixámos de armazenar plaká, peixinho fumado, arroz, farinha de mandioca, banana e óleo de palma, prevenindo a inclemência de trovoadas e grandes chuvas.

Fica sabendo que, quando chegares, se quiserem os deuses, os celestes e os terrenos, cá estará um Centro de Hemodiálise, novinho em folha. Foi um dos melhores anúncios do teu antecessor 2012, mas não sei se muita gente terá reparado.

Uma minoritária minoria, tolhida ainda pelas lendas e narrativas desses mais-velhos, propôs que se criasse uma comissão de anciãos, que nomearia outra comissão de anciãos, que empossaria outra comissão de anciãos para avaliar se a velha San Padiçê é mesmo vidente ou pura invencioneira, se lhe apareceste mesmo, em sonhos, vestido de cambraia num dia de temporal.

Foram rotundamente derrotados em votação democrática. Alegam fraude, mas fraude é o que alegam, sempre que a sua presunção de superioridade argumentativa, a sua mania de antes prevenir que remediar, é triturada pelo nosso amplo e preclaro consenso nacional.

Cá te aguardamos, sobraçando uma grande trouxa do teu antecessor que por cá ainda anda, já de mala aviada, olhando para nós com o ar de quem acha que não tem de responder a pergunta alguma.

Não o censuro: as perguntas e respostas, quem as tem de procurar e achar somos nós.

Crónica escrita em Novembro de 2012 para a revista África21

19 Comments

19 Comments

  1. jornal disseqdisse

    31 de Dezembro de 2012 at 8:30

    Soberbo minha amiga São de Deus Lima que o povo te leia com atenção porque o resto (que não sei qual é) não vale a pena. Sábias palavras que a vida te tatuou, nesta África que tu conheces. Decerto que choras ao escrever, ao ler, ao sentir a vida que São Tomé te deu, que São Tomé te dá.

    • Gingu Vagi Budu Daua

      31 de Dezembro de 2012 at 12:41

      JORNAL DISSEQDISSE:

      cHORAR é ser humano. Não sei SE a CONCEIÇÃO LIMA chora. O importante é levantar sempre e fazer o que ela sabe fazer com categoria: ser jornalista e poeta, escrever livros, reflectir e ajudar a reflectir.

    • povofala

      31 de Dezembro de 2012 at 15:22

      Governo gasta 3 mil dolares com aluguer de aviao para ministra de negocios estrangeiros ir ao Principe passar natal com os seus familiares.Natalia Umblina que se encontrava numa extensa reuniao de trabalho,perdeu o voo normal de segunda feira dia 24/12/2012 para ilha do Principe,onde iria passar a noite consoada com os seus familiares.O governo achou por bem desembolsar 3 mil dolares do cofre do estado,para garantir a viajem da ministra Natalia Umblina a sua ilha natal.Sabe-se ainda que a ministra teria pedido ao piloto que a aguardasse durante 30 minutos ,Mas o piloto recusou o pedido.Natalia foi a unica passageira a viajar no Dornnier 228 aviao de fabrico alemao pertencente a um empresario Holandes alugado a companhia STP-airways companhia de bandeira Saotomense,quando neste momento dezenas de pacientes,com alta hospitalar desesperadamente por uma oprtunidade de regressar a casa.Estas noticias o Jornal Tela-Non nunca esta presente para nos informar.Se fosse falar do Patrice Trovoada seriam os primeiros a falar de viajens do primeiro ministro e esbanjamento do dinheiro do estado com viagens.Eu espero que o Gabriel Costa fique ali a espera que as ajudas vem ca ter.Estas noticias passam sempre ao lado e voces nao publicam estao ca pra ver.

  2. Verdade dói

    31 de Dezembro de 2012 at 10:37

    CRIANÇAS, MUITAS QUE NÃO CHORARAM NÃO RIRAM NEM NASCERAM. ENFIM SÃO VICISSITUDES DA VIDA ONDE O ARREPENDIMENTO ASSUME A RAZÃO DAS CULPAS QUE SENTIMOS. MAS ASSIM É A VIDA COM ALTOS E BAIXOS ALEGRIAS E TRISTEZAS, UMA COISA É CERTA… AINDA SOMOS MELHORES QUE MUITOS, EMBORA ISSO NÃO POSSA SERVIR DE DESCULPAS PARA QUE NÃO MELHOREMOS MAIS. QUE ESSE NOVO ANO SEJA DE REDENÇÃO, AJUDANDO OS OUTROS A EVITAREM OS ERROS QUE COMETEMOS AO LONGO DA NOSSA VIDA. FELIZ ANO NOVO

  3. Bingo

    31 de Dezembro de 2012 at 11:35

    São de Deus Lima fala de um anúncio muito importante feito no ano 2012 e que espero -esperamos – ver materializado em 2013 conforme prometido pelo anterior governo:

    Um Centro de Hemodiálise no Hospital Central Dr. Ayres de Menezes.

    Dr. Gabriel Costa, o senhor herdou o protótipo do centro e a cooperação portuguesa prometeu todo o apoio.

    Avancemos pois, para bem do estado dos doentes renais são-tomenses e para poupar as divisas que não temos.

    Bem hajam todos os são-tomenses.

    Boas festas, Bom Ano, passar bem.

  4. HLN

    31 de Dezembro de 2012 at 15:30

    Que Deus te abençoe e conserve sempre, São Deus Lima.

    Aos Todos São-tomenses, Bom ano.

  5. Horácio Will

    31 de Dezembro de 2012 at 15:41

    Já não digo mais parabéns, estupendo fantástico… Com a São torna sempre repetitivo, apesar de sincero.
    Agora vou directo ao assunto:
    Deixamos um governo, desculpe o engano, um ano de 2012 que prometia coisas que não acabavam por chegar; que não dava cavaco a ninguém por mais que se fosse credor de explicações e agora vamos apostar num 2013.
    É preciso também investirmos no cultivo quando queremos colher. Fica bem agasalharmos o 2013 e calçá-lo com botas resistentes. Também acredito que os enganos e desacertos do ano seja o nosso desacerto. Além de armazenar os haveres para nos protegermos da inclemência das trovoadas, devemos criar uma cultura de responsabilização tão grande que nos dê a fé para suspender as chuvas excessivas que causem derrocadas e destruição dos alimentos armazenados. Nessa altura, deixaremos de culpar apenas os anos pelos nossos inforúnios. Pois passamos a procurar descortinar as nossas responsabilidades e reorganizamo-nos para corrigir os erros.
    É preciso que o próximo governo, lapso, perdoem o engano, o próximo ano venha nos indicar como e quando podemos cultivar de modo a colhermos com ambundância para o abendiçoarmos e pedir que todos venham iguais ou parecidos.
    Desejo tanto que os anos tenham 365 dias!

  6. Vagi Budu Daua

    2 de Janeiro de 2013 at 12:29

    Horácio Will, parabéns pelo seu comentario sobre a crónica da São Lima.

    O texto que ela escreveu sobre Patrice Trovoada era diferente, era um texto político. Este texto não deixa de ser político, mas leva o leitor a viajar de outra maneira, a desvendar os sentidos, a ler (também) por baixo das palavras.

    Versatilidade é isso.

    Abraço e feliz 2013, São Lima.

    • Horácio Will

      2 de Janeiro de 2013 at 14:47

      Obrigado Budu Daua
      Colocar a versatilidade da São em causa é algo para qual sou demasiado pequeno.Li o texto que me pareceu de interpretação livre (versátil) fiz as minhas conclusões e menifestei o meu apoio à São na linha da interpretação que fiz sem deixar de fazer também apelos úteis ao país.
      Tenho em minha casa os livros orientadores para pintores que a São me ofereceu quando eu pintava e estão também no meu coração porque sei que ela apostou muito em mim como são-tomense. O talento e o sentimento patriótico da São fazem dela um dos primeiros melhores são-tomenses que conheço.
      Creio que a São nunca pensará que tive qualquer intenção de reduzir algo que ela tenha feito. Penso que a minha mesquinhez humana não me levaria tão baixo.

  7. quem nasceu primeio, o ovo ou a galinha ?

    2 de Janeiro de 2013 at 13:52

    O ADI já disse que não está em greve, mas sim de férias sine die, até que o Pinto ponha um ovo. Se o galo não põe ovos, será que o pinto põe ?

    • Euclides Smith

      2 de Janeiro de 2013 at 16:27

      A Substância, Deus, criou o primeiro ovo. É do ovo ou óvulo, se quiser, que vem a galinha, a semelhança dos outros seres… Não tenha dúvidas! Sem ovos, não haverá galinhas nem galos. Assim quis o VERBO, O Pensamento, desde o princípio…

  8. ola, olé

    2 de Janeiro de 2013 at 14:05

    Foram rotundamente derrotados em votação democrática(FORAM ASSALTOS, O PODER FOI ROUBADO, EXTORQUIDO)). Alegam fraude, mas fraude é o que alegam, sempre que a sua presunção de superioridade argumentativa,(OS TRIBUNAIS, NADA DISSERAM, APLAUDIRAM A ATITUDE, E RESTARÁ SABER SE AGIRAM COM ISENÇÃO OU COM PINCEIS E CORES POLITICAS) a sua mania de antes prevenir que remediar, é triturada pelo nosso amplo e preclaro consenso nacional.( O CONSENSO NACIOÑAL NACIONAL, SERÁ O BOM SENSO DA TUA RAIVA CONTRA OS peixinhoS fumadoS, arroz, farinha de mandioca, banana e óleo de palma, prevenindo a inclemência de trovoadas e grandes chuvas, que caiam na hora em que apresentavas o teu lindo programa na TVS. Que lindo !!!

    • Bingo

      3 de Janeiro de 2013 at 12:02

      Olá, Ole,

      É triste ser-se tão triste como você. O que a São Lima ironicamente quis dizer, foi que a minoria que tinha razão, porque acha que cambraia não é roupa para se usar em dia de temporal, foi derrotada pelo”amplo e preclaro consenso nacional” dos que acham que já somos muito modernos porque temos jeeps topo de gama comprados sabe Deus como, temos muitas motos e motoqueiros e meia dúzia de computadores. Ser derrotado em votação democrática não é sempre sinónimo de não se ter razão. A minoria que quis prevenir para não ter de remediar, foi derrotada.

      Você, meu amigo, não percebeu nada. Nem poderia perceber porque os seus neurónios ficaram queimados pela partidarite.

      Você nem sequer reparou que a São Lima fez um elogio ao seu arrogante e felizmnte cessante governo,dando grande importância ao futuro Centro de Hemodiálise, projectado pelo anterior governo.

      Porque se calhar, para você, a desgraç dos nossos doentes renais não é importante. Importante é dar socos no parlamento e desrespeitar o povo que o elegeu, abandonando o parlamento.

      Felizmente, há pessoas capazes de entender a subtileza e a ironia. Continue a esccrever para essas pessoas, São Lima.

      Eu, pessoalmente, agradeço.

      Passar bem.

    • Vagi Budu Daua

      3 de Janeiro de 2013 at 12:09

      Olá, Olé é um ignorante acima de tudo. Quando a São Lima fala de plaka, peixinho fumado, banana, óleo de palma de azeite, ela está a falar daQUELES TEMPOS EM QUE a chuva e a trovoada caiam durante dias inteiros. As pesoas tinham que armazenar lenha, kanvi e comida com antecedencia porque quando chegava a chuva com trovoada, ninguém podia sair de casa durante dias. São Lima, dê uma pequena aula de cultura sãntomense a esse OlariOlé. Até já parece aquele ”grand analista do Parvo” que diz que somos todos santomenses, a pensar tachos dele e dos seus. Nõ há pachorra para tanta palermice. Fui!!!!

  9. fã da São Deus lIMA

    2 de Janeiro de 2013 at 14:07

    SÃO, A PODEROSA !!! ESCREVE BEM…

  10. MARIA

    2 de Janeiro de 2013 at 22:46

    DESEJO MUITOS ANOS DE VIDA A NOSSA JORNALISTA E QUE CONTINUE A LUTAR POR STP MELHOR, EMBORA OS NOSSOS DIRIGENTES APENAS SAIBAM VIVER PARA TRÊS V.V.V.-VIATURAS VIVENDAS E VIAGENS.E O ZÉ POVINHO SEMPRE A SAFAREM E DESENRASCAREM COM BÚZIOS E ESPETADAS.OUTROS A REFUGIAREM NO ALCOOLISMO.ATE QUANDO SENHORES DIRIGENTES

  11. sulila miranda

    3 de Janeiro de 2013 at 10:23

    OH minha conterranea, São Lima, que o bom Deus te proteja!Te de vida longa para continuares a nos brindar com a tua escrita! Há um ditado santomense que diz: A cá txilá sum ni çon… magi sun ca n’da ni son! Nunca te esqueças disso! Bom Ano 2013 !!!

  12. Petroleum

    3 de Janeiro de 2013 at 13:39

    A São só tem um defeito: é muito bonita!

  13. seabra

    10 de Dezembro de 2013 at 16:16

    Sao Lima, porque é que você partiu da Inglaterra? O povo saotomense, tem o direito de saber a verdade.
    As verdadeiras e bôas jornalista do pais, serao sempre.: Judite Lima (Beka), Alda Melo, Silvino Carvalho, Margarette…excelentes jornalista, capazes e sem “cunha”de alguém.

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