Opinião

O Inimigo Invisível Fraude e a Corrupção

A corrupção não é nenhum problema cognitivo. A Corrupção é o ato de corromper, romper, … romper, eis a raiz etimológica, o radical. Na verdade o que se rompe? O que é rompido? “ O real é um tecido sólido…”.

A célebre frase com que Merleau-Pontv, começa no seu tratado Fenomenologia da Perceção. O real é um tecido sólido? Reconhecemos, no mundo material, estruturas. Ou seja, toda matéria traz em si a tendência de formar estruturas, tanto no microcosmo, quanto no Universo. O homem, o animal político de Aristóteles, igualmente cria estruturas – as ditas estruturas sociais.

Quais os princípios que têm em comum o mundo material e o mundo humano? Tecido sólido, solidez, solidariedade … e o que é um tecido sólido? Em que consiste a solidez? É possível que seja uma infinidade de fios e fibras que, em determinada combinação, oferece uma resistência tal que permite o uso desse tecido em forma de pano como vela de um barco capaz de levar o homem ao redor do mundo. O marinheiro constantemente observará muito bem esta vela, pois tudo depende da resistência, da solidez desse conjunto.

Na sociedade, as estruturas sociais devem ser entendidas da mesma forma. E a sociedade só vai bem se esse tecido social é igualmente sólido e resistente.

É necessário saber resistir. No lugar de milhares de fibras e fios, o tecido social é uma combinação de homens, no caso, cidadãos. Quando fios e fibras são rotos, esse tecido perde sua principal característica: a solidez.

Ao longo desse processo, a sociedade enfraquece, perdendo sua essência: a solidariedade. A vela rasga, apodrece e assim, enfraquece. A sociedade decompõe.

A corrupção não atinge só os cofres públicos. Ela atinge fortemente bases e a estrutura da sociedade – eis sua essência – pois enfraquece o tecido social. Uma das consequências desse fenómeno é a confusão e perda de padrões legais e morais – os últimos seriam os mais rigorosos, diga-se de passagem – na base do senso comum.

Esses padrões perdem seu rigor, e este é o primeiro passo à banalização, a permissividade e a impunidade da corrupção também apontam para uma vulgarização deste mal. O tecido realmente perde a sua solidez. Somente um engajamento responsável – e a responsabilidade pressuposta e necessária é tanto pessoal quanto coletiva – pode recuperar a essência dessa resistência social ameaçada e perdida pela ação da corrupção.

A corrupção em STP tem uma longa história, que, aliada à impunidade, vem ao longo dos séculos. Na verdade, tivemos uma “embriogenia defeituosa” na medida em que, nos primórdios de nossa colonização, aventureiros gananciosos interpuseram um oceano entre si e os controles sociais de sua pátria.

No ambiente afrodisíaco dos trópicos, afrouxou-se a moralidade, que se tornou mais débil. Assim, foi-se produzindo, apesar da rigidez aparente das proibições eclesiásticas e inquisitórias, a plasticidade de costumes, onde prevaleceu o suborno, a corrupção, a mentira, convertidos em “virtudes” a serem exaltadas e comungadas por toda a sociedade.

Em toda parte das entranhas do desajeitado e ineficiente traficavam-se influências, negociava-se a coisa pública em proveito próprio.

A Independência não alterou a essência estatal portuguesa, em que pese o esforço de reorganização constitucional.

Instalaram-se de uma vez por todas em STP as características do velho Estado português, que em terra nova era também um Estado corrupto na medida em que para tudo dele se dependia, do seu excessivo quadro de funcionários, da morosidade típica do burocrata, correndo soltas os cambalachos para aligeirar licenças, fornecimentos, processos, despachos.

Nas eleições, desde o começo o voto foi comprado, induzido, negociado. Fazendo uma análise das eleições em STP, “ouve eleições em que votaram vivos e mortos em pés de igualdades”.

Voltemos ao presente. Alguma coisa mudou? Em essência, não.

O Estado continua a apresentar os males crónicos da incapacidade administrativa (especialmente em saúde, educação, infra-estrutura), nepotismo exacerbado, empreguismo parasitário. Em todos os níveis do governo – estadual, regional e municipal – grassa a corrupção, o mesmo acontecendo em instituições importantes. A impunidade é cada vez mais um estímulo à criminalidade, que regista índices assustadores, assim como a roubalheira oficial.

Como no passado, eles estão no poder.

Indiferente, a massa só se interessa por vantagens imediatas, sem perceber que a corrupção lhe tira os direitos mais importantes.

Ou mudamos a mentalidade ou o STP permanecerá o eterno país do futuro adiado eternamente.

“… De tanto triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver a agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto” Rui Barbosa

8 Comments

8 Comments

  1. observador Atento

    23 de Abril de 2013 at 13:27

    Excelente artigo primota! Gostei da demonstracao feita a partir da classe eclisiastica como comeco da corrupcao. E nos herdamos isto e inventamos mais coisas para dar mais picante. Mas a corrupcao conduz-nos a decomposicao e por consequencia a promiscuidade, derrota e tudo que nao eh sinonimo da felicidade.

  2. Euclides Smith

    23 de Abril de 2013 at 14:31

    Caro Leopoldo,

    Este é um belo exercício intelectual, reflexivo, revelando em ti o “Alquimista” preocupado com a decomposição do nosso tecido social…

    Achei interessante a tua observação no que tange o processo histórico, desde a origem, envolvendo a estrutura do clero, tecido permeável.

    Oxalá nós os cidadãos procuremos dar alguma solidez ao nosso tecido social, nem que seja na percentagem de 30%, para que a nossa nau chegue a bom porto.

    Esta tua reflexão é a manifestação da busca de tal solidez na edificação do bem comum.

    Nessa nossa realidade, ou dimensão, se assim se pode dizer, o fenómeno da corrupção é extremamente complexo, porque além da matéria ou o corpo que é corrompido, tem de haver necessariamente o agente que corrompe…

    Aquele abraço,

    Euclides Smith

  3. Zé Crítico

    23 de Abril de 2013 at 15:56

    Este artigo embora aborde um tema bastante interessante e que merece alguma consciencialização por parte dos santomenses, está demasiado académico.Parece que o autor está com medo de por o ponto nos is e apontar o dedo.

  4. JOAO ALMEIDA

    23 de Abril de 2013 at 16:21

    Parabens colega.Palavras simples para coisa complexa

  5. Pagué a Caué Sa djiNon

    24 de Abril de 2013 at 1:26

    Ó senhor que escreve tão brilhantemente! O senhor tem medo de assinar seu artigo? Mas gostei muito. Força que eu estou consigo nesta visão das coisas!

  6. a

    24 de Abril de 2013 at 8:25

    Assim vai o nosso Sao Tome.

  7. Barão de Água Ize

    24 de Abril de 2013 at 10:28

    Invisivel? A fraude, roubo e corrupção crescem em proporção directa em relação à pobreza e miséria que exista num País.
    Em STP, o “banho” é o exemplo mais flagrante de um tipo de corrupção nada falado: A corrupção do eleitorado, muito mais grave que a do “colarinho branco”. Curiosamente o Estado é (pode ser) o maior fautor de corrupção e fraude.
    A fraude e corrupção alimentam-se da miséria e pobreza, que como Rui Barbosa sabe e vê todos os dias em STP.

  8. Barão de Água Ize

    24 de Abril de 2013 at 10:29

    Aliás, Leopoldo Marques.

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