Os argumentos apresentados no preâmbulo do projeto de revisão da Lei Eleitoral (Lei 11/90) da iniciativa do PCD, aprovado na generalidade pela Assembleia Nacional com os votos contra do ADI, que, ao que parece, tinha outro projeto de lei que não terá sido apreciado, são suficientemente difusos e vagos para não merecerem contestação nem oposição.Sobre a revisão da Lei Eleitoral.
Alcídio Montóia Pereira
Os argumentos apresentados no preâmbulo do projeto de revisão da Lei Eleitoral (Lei 11/90) da iniciativa do PCD, aprovado na generalidade pela Assembleia Nacional com os votos contra do ADI, que, ao que parece, tinha outro projeto de lei que não terá sido apreciado, são suficientemente difusos e vagos para não merecerem contestação nem oposição.
A óbvia necessidade de corrigir a discrepância entre o peso demográfico de cada círculo eleitoral e o número de mandatos para deputados à Assembleia Nacional e a necessidade de introduzir mecanismos de ajustamento automático parece-me um bom caminho, assim como o estabelecimento de uma representatividade mínima para cada um dos círculos. Pode-se discutir se o número mínimo de 3 deputados é o mais adequado, ou não, mas creio que se trata apenas de um detalhe. A redução daí resultante do número de deputados de alguns círculos em benefício de outros poderá criar dificuldades políticas acrescidas, como será, antevejo, o caso do Príncipe (círculo eleitoral de Pagué). Contudo, encaro o estabelecimento deste mecanismo de ajustamento automático como um desafio aos responsáveis autárquicos e representantes parlamentares dos distritos negativamente afetados no sentido de tomarem medidas para atrair e fixar eleitores e, por essa via, evitar a erosão da base eleitoral.
A criminalização, ainda que soft, do banho é também um passo no bom sentido, mas temo que, pelas características e enraizamento dessa prática na vida política e social, essa medida seja ineficaz. Tenderá a ficar apenas no papel e servirá, quando muito, de arma de arremesso durante as campanhas eleitorais. Tenho como certo que só o desenvolvimento económico e social e a consequente criação de uma verdadeira e representativa classe média poderá fazer recuar de forma sustentada essa prática que tem manchado e desvirtuado os processos eleitorais, pese embora ainda não tenha sido efectuado qualquer estudo credível que estabeleça correlação directa entre os gastos efetuados e resultados eleitorais de determinado partido ou candidato. Saúdo, portanto, a boa intenção.
Votar é um direito e também uma obrigação. Não sou versado nas inflexões semânticas habituais na linguagem jurídica, mas estou em crer que um “dever obrigatório” é, simplesmente, uma… obrigação. Vem isso a propósito das sanções que se pretende introduzir para penalizar os cidadãos que entendam, de livre vontade, não exercer o direito de votar, ou, visto de outra maneira, não cumprir a obrigação de votar. Penso que, sem deixar de ser uma obrigação, o seu não cumprimento não deve ter associado qualquer castigo, permanecendo apenas como uma obrigação estritamente moral.
A abstenção não é, necessariamente, um sinal de alheamento em relação à vida política. Pode, simplesmente, ser uma forma de participação passiva ou de “delegar” noutros a tomada de decisão. Desde que garantido que se trata de uma opção em consciência, defendo firmemente o direito à abstenção, sem qualquer penalização. Para além desse ponto de vista estritamente político, acresce o lado burocrático associado à emissão do “certificado” de participação em cada ato eleitoral.
Antevejo que a única consequência prática deste preceito será a criação de novo foco de corrupção e de banho. Porque não melhora necessariamente a qualidade da democracia, complica desnecessariamente a vida aos cidadãos (perguntem a um brasileiro) e potencia oportunidade para foco de corrupção, sancionar a não participação voluntária em actos eleitorais não me parece boa ideia e, como tal, não deve ser contemplada na versão definitiva do diploma. Será que estamos perante mais um exemplo do regresso ao passado em que a não participação ativa na JMLSTP era razão bastante para ser-se preterido na concessão de bolsas de estudo? Será que os cidadãos que não se reveem no regime democrático têm de cumprir o suplício de cumprir o ritual do voto só porque um legislador, num impulso de excesso de zelo, se lembrou de castigar quem não gosta ou não quer simplesmente votar? Isso não é democracia, mas sim burocracia.
A última revisão constitucional consagrou, e bem, do meu ponto (egoísta) de vista, o direito à Pluricidadania (ter mais de uma nacionalidade), direito esse que aparece agora ferido de morte na Lei Eleitorial, ao preconizar no Art.º 8º que “verificando-se pluricidadania em cidadãos são-tomenses estes gozam de capacidade eleitoral activa desde que tenham residência habitual no território da República”. Em bom português é “dar nozes a quem não tem dentes”, ou melhor, o artigo está desenhado para salvaguardar apenas os interesses egoístas de parte significativa da classe política e dirigente do país que beneficia desse estatuto. Se bem entendo desse palavreado, um cidadão originariamente português que tenha adquirido também a nacionalidade santomense e resida habitualmente em STP pode votar e ser eleito.
Já um cidadão santomense residente habitualmente em Portugal e que tenha adquirido também a nacionalidade desse país (portuguesa) não pode eleger nem ser eleito, apenas porque, pasme-se, reside no estrangeiro! É isso?! A ser verdade, há algo de profundamente errado e inconstitucional nessa redação, que, digo eu, não fica cabalmente resolvido com o estipulado no Art.º 9º, que reza: “Os cidadãos são-tomenses que residem no estrangeiro gozam de capacidade eleitoral activa exercendo o respectivo direito de sufrágio junto da respectiva representação diplomática da República Democrática de São Tomé e Príncipe”.
Se, aparentemente, parece resolver o segundo caso que mencionei, ficam em aberto os casos de pluricidadania de grande parte de nacionais que residem, por exemplo, no Reino Unido. Sabe-se que estão nesse país não com base na nacionalidade santomense mas sim de outra nacionalidade (portuguesa, nomeadamente). A minha noção de santomensidade, definitivamente, não se revê nestes infundados e irracionais temores nacionalísticos patentes neste projeto do PCD. Não me parece de bom-tom equiparar em matéria de capacidade de votar e de ser eleito um cidadão não residente e com pluricidadania a dementes e criminosos. Roça o insulto! O que vale é que não é assim tão linear saber quem goza ou não da pluricidadania, pelo que…
Propositadamente, deixei para o fim a lamentável ausência do voto, ativo e passivo, dos emigrantes nas eleições legislativas. Não é, obviamente, uma omissão inocente por parte dos legisladores do PCD, tanto mais que este tema foi objeto de pronunciamento público do Sr. Presidente da República em várias ocasiões, nomeadamente em reunião tida em Portugal com a comunidade santomense residente nesse país. A diáspora está cansada de ser idiota útil da classe política de STP, que não se farta de “enaltecer” a sua coragem mas que insiste em tratar os seus membros como cidadãos de segunda. Parece prevalecer o lema “quem está fora racha lenha”. Propositadamente, também, não vou tecer mais considerações acerca deste não menos insultuoso tratamento dado a mais de 70 mil santomenses que, por vontade própria ou por incompetência da governação para criar oportunidades no país, optaram por escolher outras paragens para viverem com a dignidade que o país teima em não proporcionar. Vindo de onde vem, não surpreende, mas ofende, e de que maneira!
Nota final para mais um (mau) exemplo do ímpeto intervencionista do PCD ao propor a extinção administrativa dos partidos políticos que tenham menos de 1% (!) de votos em (suponho) eleições legislativas. A ideia é interessante, pois concordo que há partidos a mais, ideias a menos e excesso de pessoas que vivem da política e do Estado. No limite, concordo que o Estado apenas subvencione a campanha dos partidos que elejam deputados, ficando de fora os que não obtenham mandatos. A extinção acontecerá naturalmente e sem necessidade de qualquer imposição legal. Ir mais longe cheira, uma vez mais, a excesso de regulação.
Sem grande fé, espero que os deputados, na especialidade, revejam estas e outras lacunas deste projeto de lei.
Artigo previamente publicado no jornal Kê Kua!
Barão de Água Izé
25 de Setembro de 2013 at 23:46
Na revisão da lei eleitoral que eventualmente venha a ser feita, o chamado “banho” devia ser criminalizado no mínimo, como qualquer crime de corrupção. O “banho” é a forma mais grave de corrupção, pois corrompe a consciência dos cidadãos e abre caminho a políticos que dele tiverem sucesso, à corrupção com os bens do Estado e tráfico de influências na sua gestão diária. Não entendo como se pode aceitar uma criminalização “soft”, quando o “banho” é também uma das causas da pobreza em STP.
Politico ou partido que praticasse o “banho”, fora das normas criadas por lei eleitoral, devia ser excluído da possibilidade de ser eleito.
ferpenapandopo
29 de Setembro de 2013 at 11:28
As pessoas podem ser pobres mas devem tomar banho,para não cheirar mal…