Como não falar antes de revisão constitucional propriamente dita, estando a falar dos limites de revisão constitucional? Não seria curial se não o fizesse.
Como estamos lembrados, há uns meses atrás, dois partidos políticos “mexeram os cordelinhos” de revisão constitucional que até altura (e ainda hoje!) parece tabu, para tristeza deste país e do próprio Povo e foi ou terá sido um bluff. Terá sido táctica política bem engendrada para fins outros que não vislumbro agora.
Tristeza porque a nossa Constituição tem conteúdos normativos que levam a que ele seja caracterizada como uma constituição transitória. Basta citar o artigo 160.º que fala da sua entrada em vigor e que de forma sui generis e insólita faz um condicionamento ou protelamento das competências do mais alto órgão do país que é o Presidente da República.
E não é só por essa característica transitória, mas porque de facto há muito que se alterar na nossa Constituição e que não são de toilete de que também precisa; são mesmo questões de fundo, dentre muitas, a constitucionalização dos poderes e das competências da autonomia regional do Príncipe de forma precisa e expressiva, consagração mais precisa dos direitos fundamentais, com destaque para os direitos liberdades e garantias com incidência sobre a sistematização (vidé o artigo sobre “Necessidade de Revisão Constitucional”.
Ora, com essa conjuntura política actual em que um dos partidos (actualmente maioritário) não parece engajado no processo parlamentar, não se pode vislumbrar a possibilidade de uma revisão constitucional senão após as próximas eleições legislativas. Isso porque a mexida da Constituição exige maiorias qualificada (2/3) para aprovação e agravada (¾) para revisão extraordinária. Ou seja, para uma revisão constitucional os partidos têm que se entender num consenso muito mais alargado.
Entendo, aliás, que com esse “desengajamento” não é possível fazer-se grandes leis ordinárias, nem mesmo é desejável que as grandes reformas se façam.
As Constituições, como quaisquer leis, não são imutáveis. Devem ser modificadas consoantes as necessidades de cada momento da vida de um país e podem ser modificadas a todo o tempo. Obviamente que, diferentemente de leis ordinárias, as modificações às Constituições têm regras muito apertadas: maiorias absolutas ou até mesmo simples para aquelas e necessária e indispensavelmente qualificadas e agravadas para estas. Portanto, não se revê as Constituições por tudo ou nada. Só quando haja necessidade muito séria que até pode justificar revisão a todo o momento que é o caso de revisão extraordinária.
Disse – e já citei – o Prof. Doutor Jorge Miranda: “A modificação das Constituições é um fenómeno inelutável da vida jurídica, imposta pela tensão com a realidade constitucional e pela necessidade de efectividade que as tem de marcar. Mais do que modificáveis, as Constituições são modificadas” (MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONMAL – TOMO II – 2ª.Edição revista, pág. 108).
Mas há limites para se rever a Constituição, os quais se não forem respeitados já não estaremos perante revisão, mas sim, coisas que podem ser ou consistir em transição constitucional, ruptura ou revolução, como também já escrevi em “NECESSIDADE DE REVSIÃO CONSTITUCIONAL”.
Há, normalmente, para a mexida das constituições, três tipos de limites: Limites materiais, limites circunstanciais e limites formais.
Limites materiais para mim são os mais importantes, porque o não cumprimento de um desses limites pode até descaracterizar o próprio Estado. Temos como limites materiais na nossa Constituição (artigo 154.º) o seguinte:
a) Independência, a integridade do território nacional e a unidade do Estado;
b) O estatuto laico do Estado;
c) A forma republicana de Governo;
d) Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
e) O sufrágio universal, directo, secreto e periódico para a eleição dos titulares dos órgãos de soberania e do poder regional e local;
f) A Separação e interdependência dos órgãos de soberania;
g) A autonomia regional e local
h) A independência dos Tribunais.
i) O pluralismo de expressão e de organização politica, incluindo partidos políticos e o direito de oposição democrática.
Estes limites são o núcleo essencial da existência do Estado. Com excepção das alíneas a) e c), que se referem a unidade de Estado, e forma republicana de Governo, todos esses limites são mesmo condição de existência de um Estado de Direito Democrático. Isso porque um Estado não tem de ser unitário (ou unitário regional como o nosso), podendo ser Estado federal (EUA). A forma de Governo que é republicana como a nossa também não é a única, pois há Estados cuja forma de Governo é monarquia como são o Reino Unido, Espanha e muitos outros.
O limite circunstancial previsto no artigo 155.º refere-se à condição de que a revisão só pode ser feita quando haja “normalidade constitucional”. Porque uma situação de estado de sítio ou de emergência que é declarado pelo Presidente da República ( artigo 80.º al. g) corresponde a uma anormalidade na vida do Estado em que estas medidas são tomadas (transitoriamente) para enfrentar a crise gerada momentaneamente. Por exemplo, numa situação de estado de sítio, as liberdades públicas ficam suspensas, com todas as consequências, inclusive, no funcionamento das instituições do Estado.
Temos como terceiro limite de revisão constitucional o limite formal. Com este, refiro-me à competência para fazer revisão constitucional, o processo e os intervenientes nesse processo. Desde logo, a revisão constitucional é da competência exclusiva dos Deputados (de qualquer deputado isoladamente) e dos Grupos Parlamentares (artigo 151.º/1), que a formulam através da abertura de um processo que requer um acto de iniciativa que consiste em apresentar um projecto de revisão.
E para que se proceda a revisão constitucional ordinária que é de cinco em cinco anos (artigo 151/2), é necessária a aprovação por maioria de 2/3 de Deputados em efectividade de funções (artigo 152.º/1). Pode também a Constituição ser revista a todo o momento, bastando para tal que a Assembleia Nacional assuma os poderes de revisão constitucional por maioria de ¾ de Deputados em efectividade de funções (artigo 151.º/3).
De resto, o procedimento legislativo final é o mesmo para as leis ordinárias, ou seja, aprovada a lei de revisão constitucional, ela tem de ser promulgada pelo Presidente da República. E tratando-se de uma lei constitucional o Presidente da República não pode recusar a sua publicação.
Esses são requisitos formais para a revisão constitucional, sem o qual não pode haver nenhuma alteração na Constituição.
Obviamente que o Presidente da República tem a faculdade de verificar se esses requisitos foram cumpridos para depois qualificar um acto como acto de revisão constitucional.
Se não forem cumpridas as formalidades constitucionais, o Presidente da República não fica obrigado a promulgar a lei que lhe é submetido para promulgar como lei de revisão constitucional. E a consequência jurídica é a inexistência dessa lei.
Como referiu o Professor na obra citada (pag. 147),quanto ao sistema português, também no nosso caso, além da intenção de revisão, são requisitos de revisão os seguintes:
a)“O órgão competente – só a Assembleia Nacional pode fazer leis de revisão, e não qualquer outro” (artigo 97.º al. a);
b) “ O tempo de revisão ou a competência em razão do tempo –a Assembleia só pode fazer revisão decorrido o prazo de cinco anos sobre a publicação da anterior lei de revisão … ou antes de decorrido, quando tenha assumido poderes de revisão” por maioria de ¾ de Deputados em efectividade de funções.
c) “A normalidade constitucional – não pode ser praticado nenhum acto de revisão constitucional na vigência de estado de sítio ou de estado de emergência …, isto é, fora da normalidade constitucional …”
Maria das Dores
19 de Novembro de 2013 at 16:42
Caro Dr. Garrido, o que se refere relativamente ao artigo 151/2, sobre o tempo de revisão, não deve ser considerado também um limite “TEMPORAL” a revisão da Constituição? Além dos limites materiais, formais e circunstanciais, entendo que a exigência de um período mínimo a ser observado após a ultima revisão, é um verdadeiro limite.
Emanuel Montenegro
20 de Outubro de 2016 at 4:47
4) Limite Limites temporais: pos a constituição não pode ser revista após cinco anos da sua última revisão ordinária
mae joana
20 de Novembro de 2013 at 11:59
Senhor Doutor Hilario Garrido, a condição de pedinte não tem também limite constitucional.
Falar Direito
22 de Novembro de 2013 at 10:42
A doutrina mais clássica questiona se a limite nas ideologias.
Falar Direito
22 de Novembro de 2013 at 11:12
A doutrina mais clássica questiona se há limites nas ideologias.
Samisboy Paulino Mercedís
14 de Julho de 2015 at 9:25
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aico dos santos
3 de Setembro de 2015 at 2:37
Saudaçoes Dr, gostaria de saber se existem os limites absulutos
Fidel Francelino Chimica
14 de Agosto de 2018 at 5:43
Boa materia DR. Ajudou-me tanto. Continue assim.
Leonardo Augusto Chimbungule
8 de Abril de 2019 at 7:48
Dr. Fico grato pela forma como apresentado este assunto. Mas, estou aqui com uma inquietação. O que significa normalidade constitucional?