Opinião

Sobre o financiamento das estatísticas oficiais na CPLP

 Adrião Simões Ferreira da Cunha

Estaticista Oficial Aposentado – Antigo Vice-Presidente do Instituto Nacional de Estatística de Portugal

17 de Maio de 2017

SOBRE O FINANCIAMENTO DAS ESTATÍSTICAS OFICIAIS

NOS PAÍSES DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

O Financiamento das Actividades Estatísticas Oficiais é uma preocupação constante dos Institutos Nacionais de Estatística (INE), sendo que nos países em desenvolvimento as principais questões que precisam ser resolvidas para melhorar o desempenho dos respectivos Sistemas Estatísticos Nacionais (SEN), ou seja, para produzir Estatísticas Oficiais relevantes, atempadas e em formatos acessíveis para as tomadas de decisões pelos agentes económicos e sociais, são a melhoria da governação dos SEN para consolidar as bases de desenvolvimento da produção e da difusão das Estatísticas Oficiais, e a melhoria da sua qualidade e da sua utilização.

Para mobilizar o financiamento para implementar um Plano de Desenvolvimento das Estatísticas Oficiais, os Governos dos países em desenvolvimento devem equilibrar os recursos nacionais e externos, tendo em conta a natureza das actividades a financiar, as prioridades do desenvolvimento do país, a sua capacidade financeira, bem como as possibilidades oferecidas pela cooperação bilateral e multilateral, pelo que é preciso definir uma estratégia de financiamento, ou seja, uma boa combinação das possíveis escolhas.

A estratégia de financiamento das Actividades Estatísticas Oficiais deve ser baseada em decisões tomadas ao mais alto nível do Governo, posto que o desenvolvimento de um SEN é, acima de tudo, uma questão política. É uma das missões de soberania do Estado, que deve decidir sobre a proporção dos recursos nacionais a serem aplicados nas Actividades Estatísticas Oficiais, e se, ou não, o SEN será desenvolvido recorrendo a Parceiros de Desenvolvimento, uma vez que o desenvolvimento de um SEN exigirá investimentos de médio e longo prazo.

Os recursos nacionais destinados ao financiamento das Actividades Estatísticas Oficiais são obtidos a partir do Orçamento Geral do Estado (OGE), e enquanto os INE, geralmente, têm os seus próprios orçamentos, o mesmo não acontece com os Órgãos Delegados dos INE (ODINE) cujos recursos são frequentemente misturados com os das unidades ministeriais das quais dependem. Por esta razão, é difícil, se não impossível, saber o montante do crédito atribuído pelo OGE aos ODINE. Para fazer face a esta dificuldade, a preparação anual de um orçamento consolidado, integrando as necessidades de todo o SEN (INE e ODINE) ajudaria.

No caso dos INE cabe às suas unidades responsáveis pelos assuntos administrativos e financeiros a elaboração de um projecto de orçamento a cada ano sob a autoridade do Presidente do INE, devendo este processo observar as várias etapas de preparação do OGE e ter em conta o recrutamento de pessoal.

Os INE que gozam de independência – uma tendência a crescer em África – devem procurar assinar contratos de desempenho com os seus Governos para garantir um volume pré-definido de recursos financeiros por um período de vários anos, o que exige que os INE produzam resultados estatísticos bem definidos, os quais devem tirar o máximo proveito do seu estatuto de independência, podendo prestar serviços estatísticos a terceiros pagos por estes, mas sem perder de vista a sua missão de prestação de serviço público.

No caso dos ODINE sem orçamento próprio os seus gestores devem assegurar que as suas necessidades sejam tomadas em conta na elaboração da proposta de orçamento da unidade ministerial na qual está integrado.

Tendo em conta os recursos limitados que os países em desenvolvimento dedicam às actividades estatísticas oficiais, o seu desenvolvimento permanece largamente dependente de recursos externos, sendo que o financiamento das actividades estatísticas oficiais por Parceiros de Desenvolvimento pode assumir várias formas: ajuda a projectos, ajuda a programas, ajuda orçamental geral e ajuda orçamental sectorial.

Ajuda a projecto é onde um doador disponibiliza recursos que são destinados exclusivamente para financiar a totalidade ou parte de uma operação estatística (inquérito ou censo) ou uma actividade com o objectivo de aumentar a capacidade (por exemplo, formação ou reforço dos recursos humanos).

Ajuda a programa é de âmbito mais alargado, podendo ter como finalidade o desenvolvimento de uma área de actividade diferente das estatísticas (por exemplo, saúde, educação, agricultura), e reservando parte dos recursos para as estatísticas.

Alguns doadores fornecem ajuda orçamental que envolve a criação de recursos financeiros disponíveis para o OGE para ajudá-lo a atingir determinados objectivos de desenvolvimento que podem ser gerais, tais como a melhoria da governação (apoio orçamental geral) ou (apoio orçamental sectorial).

A realização de inquéritos e censos nacionais exige financiamento substancial, o que muitas vezes faz com que seja necessário o recurso a vários doadores.

Desde que a Carta Africana da Estatística foi adoptada em 2009 alguns países africanos decidiram criar fundos de desenvolvimento estatístico (não operacionais ainda). Estes fundos podem ser de várias formas: a criação de dotações da Conta do Tesouro do Estado, que é gerido em conformidade com as regras da contabilidade pública; a criação de uma instituição da Administração Pública de tamanho modesto para gerir fundos disponibilizados pelo Estado sob a forma de subvenções, ou mesmo receitas atribuídas, bem como as contribuições de fundos dos doadores, que concordam em participar na provisão de tais fundos.

No caso de fontes externas de financiamento, os procedimentos de gestão variam de acordo com os doadores e dos mecanismos de financiamento postos em prática. No caso de ajuda a projectos e ajuda a programas, a gestão dos recursos pode ser confiada, total ou parcialmente, a uma unidade de gestão autónoma externa, ou a uma unidade criada na instituição beneficiária sendo as regras e procedimentos de gestão estabelecidos pelo doador.

Tendo presente as circunstâncias extremamente adversas em que ainda se verifica o Financiamento das Estatísticas Oficiais da Maioria dos Países Africanos teço as seguintes considerações:

O financiamento dos SEN dos Países Africanos é uma condição necessária para realizar a necessária Revolução dos Dados Estatísticos Oficiais em África, que tanto precisa.

Um dos maiores problemas dos SEN dos Países Africanos, e que constitui um obstáculo para a produção de Estatísticas Oficiais de qualidade, é o respectivo financiamento adequado e duradouro.

A maioria dos Governos Africanos atribui poucos recursos para a produção de Estatísticas Oficiais de qualidade, situação que a torna muito dependente de recursos externos, que se esgotam a cada dia, enquanto a produção de Estatísticas Oficiais devia ser considerada como uma soberania nacional.

Para assegurar um financiamento mais eficiente dos SEN alguns Países Africanos, seguindo a metodologia proposta pelo consórcio Paris 21 (Cooperação Estatística ao Serviço do Desenvolvimento no Séc. XXI) elaboraram nos últimos anos Estratégias Nacionais de Desenvolvimento da Estatística (ENDE) que criaram quadros formais para o financiamento do desenvolvimento das Estatísticas Oficiais, principalmente dos recenseamentos da população, dos recenseamentos agrícolas, dos recenseamentos económicos, dos inquéritos sobre o emprego, dos inquéritos às famílias, etc., verificando-se que o financiamento das ENDE é muitas vezes assegurado pelos Parceiros de Desenvolvimento, mas que nem sempre respeita o Programa das Estatísticas Oficiais dos Países Africanos, pois na maioria dos casos as prioridades dos países não coincidem com as dos Parceiros de Desenvolvimento, o que tem um impacto muito negativo nos Países Africanos.

A maioria dos Governos Africanos reconhece a importância das Estatísticas Oficiais, mas atribuem-lhes poucos recursos, pelo que na última reunião dos Directores-Gerais de Estatística Africanos, realizada em Libreville, foi recomendado que cada País Africano consagre 0,15% do seu Orçamento do Estado para o desenvolvimento das Estatísticas Oficiais, sendo que o Objectivo do Desenvolvimento Sustentável, adoptado em Nova Iorque (Setembro de 2015), visa reforçar a parceria mundial para o desenvolvimento sustentável.

O financiamento das Estatísticas Oficiais nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) é ainda insuficiente, e para o ilustrar apresento, por ordem decrescente, a % do Orçamento do INE sobre o OGE nos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Portugal 0,5%; Cabo Verde 0,3%; Moçambique 0,18; Brasil 0,09%; São Tomé e Príncipe 0,06%; Timor-Leste 0,05%; Angola 0,03%; Guiné-Bissau 0,006%.

De salientar que Cabo Verde e Moçambique são dos PALOP os países cuja percentagem do Orçamento do INE sobre o OGE é mais elevada, e que a Guiné Bissau, infelizmente, está numa posição muito recuada.

Neste contexto, teço as seguintes considerações:

1-Necessidade dos Governos assumirem o entendimento de que as Estatísticas Oficiais são um bem público, de que depende a soberania do País, e que o seu desenvolvimento deve ser na sua maioria financiado pelo OGE.

2-Necessidade dos Países Africanos criarem o Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Estatística, tal como está previsto na Carta Africana da Estatística.

O desenvolvimento das Estatísticas Oficiais na maioria dos Países Africanos é ainda um longo caminho a percorrer, e para avaliar os seus Programas de Desenvolvimento ainda se recorre, em grande parte, a dados de organizações internacionais como FMI, BM, FAO, OIT, sendo a maioria projecções ou estimativas que não reflectem fielmente a realidade dos Países Africanos, conduzindo a uma incorrecta avaliação dos Programas.

Acelerando a implementação da Carta Africana da Estatística e da Estratégia de Harmonização das Estatísticas em África, através da operacionalização do Instituto de Estatística da União Africana e do Centro Pan-Africano de Formação em Estatística, os Países Africanos poderão ultrapassar, gradual e progressivamente, o desafio das Estatísticas Oficiais, passando a dispor das suas próprias estatísticas oficiais, visando uma boa planificação, monitorização e avaliação dos seus Planos de Desenvolvimento.

Para assegurar a produção de Estatísticas Oficiais de qualidade são necessários recursos humanos e financeiros adequados e duradouros que permitam o reforço de capacidades dos INE.

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