Opinião

Sobre a confiança nas estatísticas oficiais

Adrião Simões Ferreira da Cunha

Estaticista Oficial Aposentado, Antigo Vice-Presidente do Instituto Nacional de Estatística de Portugal

27 de Novembro de 2024

Nas Sociedades modernas as Estatísticas Oficiais constituem o elemento básico para a tomada de decisões a todos os níveis da Sociedade, pelo que apresento neste artigo as características deste tipo especial de informação: as Estatísticas Oficiais que são produzidas por Institutos Nacionais de Estatística (INE) e que orientam decisões públicas e privadas.

Como a produção das Estatísticas Oficiais é dominada pelos respetivos INE os utilizadores, normalmente não têm como verificar diretamente a sua qualidade.

O cidadão comum tem por vezes a impressão que os dados são falsos: em parte porque não vê adequação entre a estatística e a sua realidade pessoal e em parte porque pensa que o Governo manipula as informações.

Muitas das críticas às Estatísticas Oficiais provêm de um desconhecimento da sua natureza, como por exemplo que não representam situações individuais mas a média dessas situações, sendo preciso agregar os dados individuais para que a informação tenha um significado, mas ao fazer-se isso a informação torna-se inútil e inverificável a nível individual.

Diante do volume e complexidade das estatísticas divulgadas e privado de conhecimento sobre as mesmas o público oscila entre a credulidade e a desconfiança pelo que o grau de confiança que os utilizadores atribuem às Estatísticas Oficiais acaba sendo uma função direta da sua confiança no respetivo produtor.

Outra questão a considerar é que a inserção dos INE nas Administrações Públicas os pode expor a pressões oriundas dos contextos político, económico e social, podendo o problema da confiança agravar-se com manipulações reais ou presumíveis. Daí a importância dos INE terem independência para resistir a pressões políticas e preservar a sua virtude.

De facto a preservação da reputação apoiada na credibilidade das Estatísticas Oficiais exige independência e imparcialidade em relação aos contextos políticos: a informação divulgada pelos INE deve ser considerada o sucesso das ações decorrentes das decisões de políticas públicas, e sendo a reputação difícil de conseguir e fácil de perder, o rigor intelectual e a neutralidade política são valores fundamentais.

Numa Sociedade democrática o serviço público deve estar a serviço da Sociedade e não só do poder governante, devendo os INE desenvolver uma imagem de importância pública e de legitimidade.

Para ganhar a confiança dos utilizadores os INE devem portanto, entre outras coisas:

– Agir com profissionalismo, objetividade e consciência de qualidade; explicitar as metodologias e as limitações da informação;

– Procurar convencer o público leigo da importância da Estatística, cultivando os utilizadores e indo ao encontro das suas necessidades para satisfaze-los;

– Esclarecer os comentaristas que escrevem sobre problemas económicos e sociais, refutando os relatos por vezes enganadores dos órgãos de comunicação social, porque é através deles que muitas pessoas obtém o grosso da sua informação geral.

Na Sociedade da Informação em que vivemos, onde tudo se repercute rápida e amplificadamente, nenhuma informação é inofensiva, sendo que uma vez produzidas as Estatísticas Oficiais ganham vida própria, circulam pelos órgãos de comunicação social e formam opiniões.

Mas as estatísticas são o extremo de uma cadeia de procedimentos: no começo há uma teoria, um conceito, uma norma, depois o questionário que fixa o esquema de observação e de certa forma pré-estabelece a resposta; seguem-se as condicionantes técnicas, associadas à recolha dos dados individuais e ao seu tratamento; posteriormente, a seleção feita pelo órgão produtor para a publicação; e finalmente a escolha pelos órgãos de comunicação social de alguns dados que causem impactos.

Assim um Sistema Estatístico Nacional deve ser capaz de criar uma institucionalidade para as Estatísticas Oficiais, onde a interação com o público, para formar a agenda dos inquéritos estatísticos oficiais e torná-la crível, é peça chave, sendo a confiança construída através de um processo interativo, combinando interesses privados e públicos, sendo a confiança um atributo conquistado a partir da boa reputação dos INE e da respetiva credibilidade.

No novo paradigma económico-tecnológico a informação é uma variável estratégica, dado o seu papel crucial para o conhecimento.

Portanto a Sociedade moderna precisa de informações – e pede informações a curto prazo – posto que a velocidade das mudanças tecnológicas e das estruturas de mercado impõem a necessidade de tomada de decisões mais rápidas, resultado do processo de integração económica regional e internacional (globalização) e da importância da informação para as novas formas de gestão.

A mudança do papel do Estado (menor intervenção na economia e maior ênfase nos mecanismos de mercado como alocador de recursos), também reforçou a necessidade de informações rápidas.

Por isso somou-se à necessidade de informações para planeamento global e políticas públicas, um crescimento da procura de informações mais específicas para os utilizadores individuais (cidadãos e empresas) e grupos de interesse diversos, e que estejam disponíveis rapidamente.

Assim de uma atividade basicamente orientada para atender ao Governo os INE passaram (sem prejuízo desse objetivo) a atender também às necessidades de orientação de uma parcela cada vez maior da população.

Além disso o crescimento do poder de computação dos cidadãos implicou maior autonomia em termos de acesso às redes de comunicações e à capacidade de processamento de dados, e na possibilidade do uso de informações selecionadas de interesse específico diminuindo o poder de monopólio dos INE.

Por sua vez o Estado necessita da produção de um conjunto básico de informações, indispensáveis às políticas públicas (contas nacionais, planeamento económico-social, índice de preços no consumidor, índice de desemprego, etc.).

O Estado terá que manter ainda a responsabilidade da produção e divulgação para a Sociedade, de algumas variáveis estruturais selecionadas e alguns grandes agregados, dada a característica de bem público importante que se reveste o conjunto de informações básicas, até porque o acesso à informação é um direito constitucional em todos os países de direito democrático.

Essas informações prestam-se a atender a necessidade coletiva de monitoramento da situação social, económica e demográfica e contribuir para garantir níveis crescentes de bem-estar à Sociedade.

Naturalmente seja para produzir dados estatísticos de forma mais periódica e espacialmente mais desagregados, seja para disponibilizá-los rapidamente e a baixo custo, as agências estatísticas precisam de ter garantido recursos orçamentais suficientes e regulares, que pela natureza das suas atividades são predominantemente públicos.

Por ter que propiciar à Sociedade esse tipo de informação básica e por ser ela o seu maior consumidor é que ainda cabe ao Estado um papel importante no orçamento dos órgãos nacionais de estatística.

Embora não exista uma definição inequívoca de “boa governança” em geral põe-se ênfase em determinados aspetos que refletem valores, princípios, normas e práticas que colocam o público como elemento central.

As características centrais de governança, como definido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, são claramente inter-relacionadas e auto reforçadoras, não podendo existir independentemente uma das outras.

Por exemplo a acessibilidade à informação significa maior transparência, maior participação e tomada de decisões mais eficiente.

Uma maior participação contribui tanto para a troca de informações, necessária para a tomada de decisões efetivas, como para a legitimação dessas decisões.

Legitimidade por sua vez significa implementação efetiva e reforço de participação futura, devendo as instituições responsáveis ser transparentes e funcionar de acordo com a lei, se desejam ser justas.

FAÇA O SEU COMENTARIO

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

To Top