Opinião

“Atitudes perante a saúde mental em São Tomé e Príncipe”

Artigo de opinião

Por Lúcio Neto Amado 

“Atitudes perante a saúde mental em São Tomé e Príncipe”

Não sabemos qual é o custo da saúde mental no nosso país! Mas sabemos que o país precisa urgentemente de mandar formar psiquiatras, psicólogos, sociólogos, psico-terapeutas e outros profissionais afins,para apoiar essa área. Isso significa dizer que, para além de infra-estruturas hospitalares condignas, necessário se torna investir de forma criteriosa nos recursos humanos.

A constatação da situação resultante do estudo sobre a saúde mental em São Tomé e Príncipe denota a indiferença na relação do cidadão comum perante os doentes de foro psiquiátrico que deambulam nas cidades, nas vilas, nos luchams           e nos locais mais recônditos do nosso país.

Fazer o diagnóstico pressupõe fazer um levantamento exaustivo da saúde mental dos nossos concidadãos, entre os quais eu próprio me incluo.

É inquietante ver-se na cidade de São Tomé, capital do país, cidadãos de ambos os sexos a circularem nas ruas completamente nus, a retirarem do lixo restos de comida para se saciarem.

Muitos de nós viramos, involuntariamente, a cara para o lado perante situações do género, como se nada fosse. A questão do individualismo que grassa na nossa sociedade vem logo ao de cima. Não é da minha família, portanto, esse não é o meu problema, o Estado que se desenvencilhe e cuide deles.

Não devemos perder de vista que o cidadão é produto da sociedade onde está inserido e todo o seu comportamento e as atitudes que toma revela toda a etapa da socialização que teve, nomeadamente no seio da família, complementada pela escola. O produto final dessa socialização é a integração na sociedade que funciona como o fiel depositário de mais um dos seus recém-chegados membros.

 

O estado da saúde mental no arquipélago!

O estado da saúde mental no nosso país não escapa ao diagnóstico traçado pelo sistema de saúde no geral, amplamente falado e divulgado pela comunicação social local (TVS-televisão, RNSTP-Rádio Nacional e jornal online Téla Non).

Se o sistema de saúde com todo o seu aparato – médicos, enfermeiros e demais profissionais, hospitais, centros de saúde, posto médico – está à beira da falência, a saúde mental, esse sub-sistema, está praticamente a colapsar, perante o aparente descuido de quem de direito.

Não sou médico, nem tenho essa pretensão, mas o que me confere a legitimidade de abordar esta questão, tão melindrosa, prende-se com a atitude humanitária de um membro da comunidade, que se recusa a ver no seu dia-a-dia cidadãos de todos os escalões etários, tais como pré-adolescentes, adolescentes, adultos e idosos, que circulam e dormem principalmente na Praça mais emblemática da nossa cidade (?):a Praça da Independência.

A indiferença que grande parte de nós manifesta perante esse cenário angustiante não abona nada a favor de cidadãos que se proclamam solidários, livres,democráticos e que primam pela inclusão. De acordo com a Constituição, a nossa Nação deve tratar todos os seus cidadãos por igual.

No dia 15/10/2021 (sexta-feira) chamou-me a atenção a forma pouco comum como uma jovem relativamente nova se apresentava na cidade da Trindade. Aparentava precisar de uma ajuda psiquiátrica. Gesticulava, falava sozinha e trazia, apenas o baixo-ventre protegido, perante a indiferença dos transeuntes.

Vi na Praça da Independência, no passado sábado, dia 16/10/2021, um jovem que aparentava ter entre os 12 e os 14 anos aliviar-se descontraidamente. Ele revelava ser, em todo o seu comportamento, um doente de foro psiquiátrico. Alguns cidadãospresentes riam-se e outros tinham a intenção de espancar o jovem, atitude que reprovei de imediato.

No dia 17/10/2021 (domingo) quando circulava no sítio de Conde (zona norte da ilha) vi um indivíduo, com idêntico comportamento, sem qualquer peça de vestimenta e que aparentava ter entre 20 e 25 anos de idade.

Lamentavelmente, não possuo dados objectivos que me permitam falar sobre idêntica situação dos nossos conterrâneos da ilha do Príncipe.

Estes são pequenos exemplos para ilustrar que os sectores que constituem o pilar da nossa sociedade –a família, a escola,o hospital– aparentam não reagir ao gravíssimo problema da doença de foro psiquiátrico que assola a nossa pátria:

– A família parece virar, literalmente, as costas aos seus membros que aparentam possuir transtornos mentais;

– A escolarevela desconhecer o fenómeno, pois ainda não tem um gabinete da área social composto por psicólogos, sociólogos, assistente social, enfermeiro para responder aos problemas dos alunos;

– O hospital parece “esconder” os doentes dessa área, na parte mais sombria das decrépitas enfermarias.

Imperativo de consciência geral?

A doença mental parece ser, ainda,um tabu em todos os segmentos da nossa sociedade. Apesar de tudo tentei indagar como era o único centro de saúde mental do país.

Por pudor, não visitei a secção do hospital afecta à área de saúde mental. Mas fiquei com a imagem do dia-a-dia dos doentes que circulam de manhã, à noite, completamente desprovidos de qualquer tipo de protecção para as partes íntimas.

A situação que se observa não permite aos indivíduos soltar as amarras da demência. Não temos, pelo que me foi dado observar, estatísticas que nos elucidem acerca da doença mental no arquipélago. Haverá, provavelmente, em curso medidas que desconheço e que ainda não vieram a público por parte de quem decide.

Estima-se (?),contudo, que uma parte não quantificável de cidadãos em São Tomé e Príncipe necessita de acompanhamento psicológico.

A depressão aparece como um dos factores que potenciam o aparecimento de doenças de foro psiquiátrico em todo o mundo. Outro factor, não menos importante, é a pobreza.

Os transtornos mentais resultantes da depressão passam pela frustração, pela ansiedade, pelo stress que cada cidadão enfrenta no seu quotidiano.

Existe na nossa sociedade jovens recém-formados no exterior e que regressaram ao país estando, dois ou mais anos, desempregados, habitando casas sem o mínimo de condições, com uma alimentação deficiente, sem rumo. Alguns, quando precisam beber um café, um sumo ou um chá recorrem à mãe para lhes dar dinheiro suficiente para se encontrar com os amigos. Situação semelhante é, também vivida pelos jovens formados no país.

Essa realidade causa necessariamente uma erosão na saúde mental dos nossos jovens.A frustração e a ansiedade ajudam a fazer o resto.

A depressão começa, silenciosamente a penetrar no tecido comportamental desses recém-formados. A pobreza e toda a carga negativa que acarreta, deixa marcas profundas no cidadão que tenta fugir ao estigma e descriminação, atirando para a doença de foro mental.

A situação dos adultos não é a melhor. Alguns deles com perturbações psíquicas vivem uma situação aflitiva devido a provável falta de uma política estatal relativa à saúde mental.

Marginalizado por quase todos os membros da sociedade, o cidadão portador de sintomas de foro psiquiátrico em São Tomé e Príncipe pode desaparecer da circulação sem deixar qualquer rastro.

Dia Mundial da Saúde Mental

A saúde mental é uma área problemática no mundo inteiro cuja preocupação leva os países a darem mais atenção aos seus concidadãos.

Comemorou-se no passado dia 10 de Outubro de 2021 o Dia Mundial da Saúde Mental. É um bom princípio porque revela que o assunto não distingue países mais desenvolvidos dos menos desenvolvidos.

No nosso país esta data tão importante aparenta ter passado despercebida a todos os actores políticos. Nota-se, apesar de tudo, que todo e qualquer cidadão que cair nas malhas dessa doença, cuja cura se ignora, será relegado, para as catacumbas da indiferença geral.

Em termos de conclusão penso que as autarquias, juntamente com os centros de saúde e os hospitais (Dr. Ayres de Menezes em São Tomé e Dr. Manuel Quaresma Dias da Graça, no Príncipe) devem monitorizar os doentes de foro psiquiátrico que deambulam, sobretudo na cidade-capital, muitos deles, completamente despidos. Tanto mulheres como homens circulam, tal qual vieram ao mundo: unu tá-táli.

5 Comments

5 Comments

  1. Chicote dochi

    21 de Outubro de 2021 at 11:36

    Bom artigo. Felicito o autor pela abordagem.
    Tenho falado disso há muitos anos, mas o Jorge que diz Bom Jesus ignora totalmente essas pessoas.
    Que Estado é esse que ignora tanto os seus cidadãos?
    Nunca vi tanta maldade num país e ainda mais praticada por um Estado.Mesmo nos outros países africanos não se vê nada igual.
    Essas pessoas não pediram para ficar naquele estado e o pior é que nós não sabemos a nossa sorte.
    Entreguem uma cópia deste artigo ao Jorge Jesus e o ministro da saúde. Acho que vivem na lua e não vêem tudo isso.

  2. Nanda lima

    21 de Outubro de 2021 at 12:30

    A atitude das pessoas que se riem e desprezam os doentes mentais é igual a deste governo que tem gozado e humilhado com as pessoas que não são desta maioria.
    Para eles tudo o que não é camarada é lixo.
    Deus há mudar as coisas um dia. Estou aqui para vos ver.

  3. Guilherme

    21 de Outubro de 2021 at 17:08

    Com tristeza e dó, temos que reconhecer que muitos doentes mentais que circulam pelas ruas da cidade capital e distritais, já o fazem por um longo período de tempo; alguns são conhecidos desdos anos 90 e os mais novos ja cá andam a 15.., 10,,, 5 anos..; portando os sucessivos governos deste país falharam em materia de proteção e cuidado basico aos doentes mentais. Infelizmente, salvo pouca excepção, o comportamento dos familiares e das comunidades em que eles estão inseridos também é condenável e revelador de uma ausência de solidariedade, de humanismo, de fraternidade e de uma triste atitude de salve-se quem puder. Não culpando ninguem, ou culpando-nos a todos, em quanto sociedade civil, pela inércia e silêncio nesta materia, ainda vamos a tempo de corrigir e implementar uma politica digna de tratamento e de saúde mental para os nossos doentes e não só. Como ja disse alguém, “o amanhã só a Deus pertence e ninguém sabe como será o seu fim”. Obrigado Professor Lucio por nos brindar com uma reflexão muito actual e preocupante para a nossa sociedade.

  4. ze+Maria+Cardoso

    23 de Outubro de 2021 at 4:56

    Ainda assim, os meus primos de férias na Europa e muitos dos regressados da terra, insensíveis, cegos e surdos, a rotar do mesmo prazer nas ilhas, dão-me chapada por não crer no «vivê qui tá lá!»
    Chocante filmagem. Agradecimentos.

  5. Firmino Sousa

    24 de Outubro de 2021 at 12:37

    Não podemos esquecer dos foram abatidos a tiro pelo fato de estarem muito agitados. Nenhum são da minha família, porém fiquei tão revoltado que nunca poderei esquecer tamanha barbárie.
    Falta dizer que foram abatidos pela nossa PSP com AK, por ordem de quem, nunca se saberá, apesar de não ser impossível.
    Como pode uma sociedade assim ir para frente? Gente cruel e indiferente com a desgraça dos outros!

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