Opinião

Viver no mundo Vuca

Em que mundo vivemos hoje? A compreensão do mundo em que vivemos é fundamental tanto ao nível individual, das organizações onde trabalhamos e das sociedades onde vivemos.

Dizer que o mundo muda tornou-se comum. Já o filósofo Heráclito dizia há quase dois mil anos que ninguém se banha duas vezes nas águas de um rio, querendo dizer que no segundo mergulho a água já não é a mesma nem nós próprios. Até aqui nada de novo. O que é novo é o ritmo vertiginoso da Mudança. 

A evolução dos primeiros homens de caçadores e colectores à uma vida sedentária praticando a agricultura e o pastoreio representou um enorme avanço da civilização humana que permitiu que os homens vivessem mais e melhor. Até chegar a revolução industrial que transformou completamente a maneira de produzirmos, vivermos e satisfazermos as nossas necessidades mais prementes passaram-se quase 18 séculos. Tudo se modificou… a um ritmo lento. Havia tempo para o ser humano se adaptar a mudança, criar novas formas de organização social, novos comportamentos, novas formas de lidar com as mudanças e incorporar as novas tecnologias no seu dia-a-dia. No geral, porque sempre houve os resistentes à mudança, mas tornaram-se irrelevantes. Deixaram de contar.

 Vejamos a evolução a partir de 1980 com a descoberta do computador. Dez anos depois nos anos 1990 surgiu a internet. Entre os anos 2010 e 2023,os avanços da tecnologia, o telemóvel e as redes de conexão mudaram a maneira como trabalhamos, como aprendemos, como comunicamos, como nos conectamos, como nos relacionamos e fundamentalmente quem somos. Sim quem somos.

A biotecnologia está disponível para substituir algumas “peças” do nosso corpo, e a inteligência artificial promete o que ainda dificilmente podemos imaginar. Hoje na fábrica, no escritório e nas casas, o robot substitui o trabalho humano. No princípio dessa transformação o robot aprendia a fazer com os humanos. Hoje as máquinas aprendem por si. Mais ainda, estas máquinas inteligentes já são capazes de expressar sentimentos !!! Homens híbridos (parte homem parte máquina) ou máquinas híbridas (parte máquina parte homem)? O futuro já é visível no nosso presente.

Nos anos 90 do século passado foi criado termo o mundo VUCA: volátil, incerto, complexo e ambíguo. Hoje temos uma única certeza: tudo é incerto.Vejamos brevemente o que significa cada uma destas palavras:

Volatilidade – Quanto mais volátil o mundo é, mais depressa as coisas mudam.Volatilidade descreve a velocidade da mudança.Quanto mais uma situação é volátil mais instável e imprevisívelela se torna. Não podendo prever o que vem a seguir, uma situação volátil implica um risco muito maior.

Incerteza–Quanto maior a incerteza mais incerto o mundo se torna, mais difícil se torna prever. A incerteza refere-se a situações em que não possuímos informação suficiente para prever o impacto das nossas acções. Num ambiente de incerteza não podemos fazer planos adequados.Uma parte da incerteza deriva da nossa incapacidade de compreender o que se está a passar- talvez porque não possuímos suficiente informação. Mas existem situações em que verdadeiramente não existe informação.COVID 19 é um exemplo.

Complexidade –Quanto mais complexo o mundo mais difícilé analisá-lo. A complexidade tem relação com factores que temos de considerar na tomada de decisão. Estes factores são variados e quanto mais interligados mais complexo se torna o ambiente de decisão. Mais factores, mais variedade de factores, mais interacção entre eles e o ambiente se torna cada vez mais complexo tornando a análise total do ambiente quase impossível para uma tomada de decisão racional. Os sistemas da vida e sociais são exemplos de sistemas complexos onde a mudança de uma variável pode ter impacto inesperados. Quando exigimos muito dos sistemas eles podem sofrer danos irreparáveis.

Ambiguidade – Quanto mais ambíguo o mundo se torna mais difícil se torna interpretá-lo. A ambiguidade se coloca em relação a situações onde não existe a decisão “certa” ou “errada” – o melhor resultado é uma questão de interpretação. Uma situação é vaga, obscura, incompleta e até mesmo contraditória. A ambiguidade não resulta de falta de informação, mas sim de falta de clareza sobre como interpretar a informação. É preciso sublinhar que as quatro característicasmencionadas andam muitas vezes associadas tornando mais difícil a tarefa de lidar com cada uma delas separadamente.

Apesar de tudo não há lugar para pessimismos. O mundo VUCA existe e não podemos mudá-lo. Precisamos individualmente, organizacionalmente e ao nível da sociedade aprender a viver com essa realidade e enfrentá-la. Ao longo da sua história a humanidade superou muitos desafios que pareciam intransponíveis. Por isso dizer que não vale a pena planear não é aceitável. Precisamos de planear de maneira diferente, com instrumentos diferentes e expectativas ponderadas. Metas talvez sejam difíceis de estabelecer mas a construção de cenários possíveis são uma alternativa. Hoje mais do que nunca precisa-se de uma visão clara, baseada numa compreensão profunda das realidades, clareza de propósitos e estruturas ágeiscom capacidade de respostas inovadoras.

Ao nível individual o mundo VUCA gera confusão e medo, provoca sentimentos de insegurança, de falta de confiança e de motivação. A pessoa sente-se impotente quando não compreende a situação, não sabe como exercer influência sobre ela ou mudar o seu futuro.

Aqui penso que a humildade de reconhecer que não sabemos é um primeiro passo. Fico estupefacto quando vejo comentaristas e outros actores sociais a fazer julgamentos sobre tudo, com uma certeza inabalável, quando muitas vezes não têm informação suficiente, não conhecem os contextos e muitas vezes nem sequerpossuem um saber mínimo. Decretam a verdade e o errado,sentados no pedestal de barro dos seus egos carentes.

O segundo elemento quanto a mim é uma atitude pró-activa em relação a actualização dos nossos conhecimentos e das áreas do nosso conhecimento. O nosso diploma é muitas das vezes um atestado do que aprendemos sobre o que existe e cuja relevância se evapora a cada ano. Precisamos sair da zona de conforto que o diploma nos dá e estar atentos e preparados para aprender a aprender permanentemente. A maneira como se ensina e se aprende tem de ser adaptada aos novos tempos.

A terceira atitude deve ser de alguma prudência. Tomemos algum tempo para absorver informação disponível, para entender a complexidade antes de avançar com posições que a própria realidade pode desmentir. Não confundir com covardia e silêncios cúmplices.

Ao nível das organizações precisamos entender que os quadros de decisão com baseem estruturas estáveis e lógicas, decisões hierarquizadas, controlos sistémicos, riscos quantificados e melhores práticas precisam ser questionados.

Sobretudo o papel das lideranças precisa de ser equacionado de maneira completamente diferente. O líder-herói, salvador de tudo, que sabe tudo, que dirige tudo, que controla tudo, não serve para a realidade actual. Sem pessoas e equipas treinadas, com autonomia para ao seu nível tomar decisões baseadas em valores e princípios reconhecidos por todos, num quadro de confiança e responsabilização efectiva é muito difícil fazer face ao mundo VUCA. A criatividade tão necessária para soluções novas não se compadece com directivas fechadas e obediências cegas.

Em São Tomé e Príncipe parece que não temos consciência desse mundo que muda a um ritmo impressionante. Evoluímos certamente. Os avanços na educação e na saúde são visíveis,e noutras áreas também. Mas estes avanços são poucos e lentos, mudam pouca coisa. As soluções perdem eficácia quase imediatamente. Já estavam sob contestação no século XX. Os conhecimentos e competências adquiridas perdem actualidade rapidamente.

Ao nível da sociedadepolítica pouca coisa mudou. Fizemos uma transição de regime político em 1990 mas o comportamento das elites lembra os tempos da Roma do Imperador Nero. Combates de gladiadores na arena política que muitas vezes parece um circo;os combates são renhidos. Ganha quem usar melhor o insulto, o mal dizer, a calúnia, a narrativa mais popular, (não tem que ter relação com a verdade)para colocar o outro na lama onde se sujam todos;pão com chouriço e cerveja Rosema, búzio e cacharama, nomeações, promoções e despromoções são armas úteis e eficazes. O público sentado junto a um telemóvel faz o sinal decisivo. Dedo polegar para cima, “Gosto” e o lutador está salvo. Polegar para baixo “Não Gosto” e o lutador morre.Figurativamente, porque muitas vezes ressuscita. De vez em quando há incêndios devastadores, inundações, crimes hediondos e coisas tais. Nada de essencial muda. Existem ambiguidades, a incerteza não incomoda e a verdade é volátil:depende do narrador. Dispensamos informação e conhecimento porque exigemesforço e muito tempo.

Insisto nesta premissa. Para enfrentar os desafios deste século precisamos mudar urgentemente. Todos. Ao nível individual, organizacional e colectivo para estar pelo menos ao nível das exigências deste tempo em que se decide o nosso futuro colectivo. Não há soluções fáceis e rápidas que sejam sustentáveis. Precisamos mais de diálogo sereno que construa alternativas que envolvam todos e em que todos assumam as suas responsabilidades. Começar por nós mesmos pode ser um primeiro passo. No mundo rico muitas pessoas vão se tornar irrelevantes. No mundo pobre de que fazemos parte muitos países se tornarão irrelevantes. Apesar da soberania.

PSExiste um artigo na Harvard BusinessReview sobre o assunto muito esclarecedor. A Cornell University oferece um curso online de duas semanas muito completo.

Rafael Branco

B.I. 11213

6 Comments

6 Comments

  1. Semedo Guimaraes

    9 de Março de 2023 at 9:46

    Pensamentos filosóficos! Queremos um pensador, um lunático que debruce sobre como STP ser auto-suficiente em energias limpas, ser auto-suficiente na produção alimentar, como STP conseguir ser auto-suficiente em reserva das águas das chuvas abundantes para posterior uso na rega dos campos agrícolas no tempo seco. Desta forma STP poderá produzir bens alimentares suficientes que possam haver excedentes para semi-industrializacao e quiçá exportação. Filósofo que reflita sobre como STP aproveitar os seus recursos marinhos para melhorar a sua dieta alimentar e ajudar a economia a crescer. Filósofos que possam criar conceitos e regras para punir severamente todos políticos que roubam os bens públicos, que violam as leis estabelecidas em consenso de todos. Este bla, bla, bla só representa um ativismo dos desesperados com a actual travessia por deserto, dos que querem aparecer. Mas estás a colher o que plantaste. Os legisladores da justiça em STP devem criar uma lei e Assembleia deve aprova-la a fim de legalizar o corte da mão direita de todos que roubarem e/ou violarem aas leis pela 1a. vez e cortar a mão esquerda pela reincidência, a fim de se combater a indisciplina generalizada que impera em STP.

    • Desforra

      9 de Março de 2023 at 12:43

      Quem sabe! Talvez assim não terias mão para escrever besteiras.

  2. Resistir

    9 de Março de 2023 at 11:18

    Esta serve para Oscar Baia (era para ser quimico, não terminou a licenciatura, agora é especialista em tudo), Liberato ( ainda é arquiteto?), e muitos outros políticos de profissão na oposição e no poder! Preocupem-se com o saber e o conhecimento, e deixem de emburrecer os santomenses!

  3. Chum Sacramento

    9 de Março de 2023 at 13:43

    Não percebo o motivo de Rafael Branco citar sempre obras e pensamentos de outros autores, pensadores, filósofos, historiadores, etc, nos seus artigos. Isso para mim demonstra que o Rafael Branco pensa pouco, é fraco, não tem ideias e imaginação. Quatro artigos nos últimos 30 dias, mas que não servem para rigorosamente nada, na minha opinião. É irritante ver estes tipos de artigos.

  4. Vanglega

    12 de Março de 2023 at 7:19

    Quando è que teràs a coragem de pedir perdāo ao povo de Sao Tome e Principe, pela mà politica implantado durante esses anos, de mà governaçāo e da destruiçāo desta terra.

    Tenha coragem e peça perdāo a esse povo.

  5. Semedo Guimaraes

    12 de Março de 2023 at 13:51

    Estamos intoxicados com licenciaturas, mestrados e doutorados em STP. A intoxicação e tanta que até vendedor de cabras se licenciou no Brasil e publicou o seu diploma na internet. E veja as borradas dos taís licenciados, mestrados e doutorados no dia a dia de STP. STP sempre a afundar-se de escândalos em escândalos. Uma das matérias que grande parte dos nossos licenciados, mestrados e doutores assimilaram bem, foi a de roubo do erário e dos bens públicos. Isso sim, estão no topo. Mas falando em terminar licenciaturas: o Bill Gates desistiu da licenciatura inicial e dedicou-se ao empreendedorismo informático. Hoje e dono da Multinational Microsoft, emprega milhares de técnicos, licenciados, mestrados e doutorados em ciências informáticas e contribui com doações de centenas de milhões de dólares (todos anos) para combate a várias endemias em todo mundo
    Temos o bem conhecido músico Anselmo Ralph que desistiu da licenciatura em engenharia nos Estados a
    Unidos, pregava nos metros e autocarros nos estados Unidos. Entretanto, hoje e um músico de renome com vários prêmios internacionais, ganhou discos de ouro e de platina em função da venda de milhões dos seus discos. Exemplos há aos milhares. O mais importante e fazer bem aquilo que sabes e gostas sem atropelar os outros e o país. Se licenciaturas, mestrados e doutoramentos salvassem STP, hoje o país estaria no Paraíso.
    Todos gatunos, desordeiros, gananciosos, indisciplinados, arruaceiros camuflados e acima de tudo só pensam no primeiro eu, segundo eu, terceiro eu, quarto eu, quinto eu e a minha família e nada para os outros.

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