Cultura

CALEMA, o chocolate de ouro dos Angolares, encantou Marselha

O anoitecer de sábado, o último, 18 de Novembro, quando são passados onze anos – tempo corre veloz – desde que neurónios permitiram aos olhos, conhecer e oferecer simpatia, aos dois miúdos, aventureiros, um de viola rudimentar, o António, mais alto e, o outro, de exótico tambor, o Fradique, após claridade à emigração, permitir-lhes abandonar ilhas escuras, tudo me prometia acreditar na noite de estrelas.  

A dupla do sul, Angolares, com aposta na ousadia e crença, no horizonte, ensaiava passos, um aqui e outro acolá, sem que, paralelismo ou estudo de investigação cultural, incumbido à qualquer doutrina, atrevesse em adivinhar o mundo, a vir render-se às vozes de ouro dos dois irmãos.

Com “Mama ê” – dor e saudades da distância – a pôr, em pé, o Salão de Chocolates de São Tomé e Príncipe, propositadamente, instalado no Palácio de Congressos de Cannes, na época, não me fazia companhia, uma calculadora de medir tempo, tão promissor de antecipar velozes pés de chão, na consagração de CALEMA.

Não só à mim, mas os franceses e as mil caras, visitantes e curiosos, no petiscar do sabor de chocolate das ilhas, já tinham deixado sinais românticos e expetantes, devido procura, no final da exposição, de autógrafos, atrás de simplicidade e originalidade de dois diamantes, em bruto, originários das antigas e minúsculas terras portuguesas de São Tomé e Príncipe, lá na linha do Equador atlântico e africano.  

Numa viagem, relaxada, de pouco mais de duas horas, entre olhares atentos, à beleza da Natureza, sem neve – escondida pelas montanhas – com o Sol, durante o dia, apetecível nos Alpes do Mediterrâneo, tive de arrastar pneus, em duzentos quilómetros de auto-estrada, A8 e A7, orientados pelo GPS da viatura, até sentir, outra vez, as brisas de beira-mar mediterrânico, receber-nos, em Marselha.

Não é cantiga para digestão rápida, transmitir invasão à cidade francesa, quando uns minutos, a atravessar 17h00, embora São Tomé, os populares têm crença por lá, possuir poder de «Ver e Crer», nem quis acreditar, no aperitivo de viaturas estacionadas, em local proibitivo, circundante ao LE CEPAC SILO, o palácio do concerto, no número 35, Quai du Lazaret – 13002, MARSEILLE.

A bicha com centenas de jovens, na maioria, que se alongava à espera das 20h30, horário marcado para o início do espetáculo, anunciava rendição da cidade, aos dois artistas, santo-portugueses. Não só. Com dedo no gatilho das metralhadoras, ao peito, os militares patrulhavam e davam segurança à multidão.

Os jovens, rapazes e meninas, fardados e armados, em força, regressaram às ruas francesas, devido explosão de ameaças e vandalismo, atos anti-semitas, em França, consequência da guerra no Médio Oriente, travada desde 7 de Outubro, entre Israel e Hamas, o grupo armado de defesa da Faixa de Gaza e do povo palestino.

Para que no final, não visse azedada, a noite festiva, com o chato papelinho da polícia camarária e multa, correspondente à infração, colada ao limpa-para-brisas, tive de aceder à garagem para estacionamento na cave, vis-a-vis, ao prédio do concerto, mas do outro lado de Quai du Lazaret. O rosto, convidado à viagem, aproveitou com necessária insistência, o vermelho do semáforo para “descer ao chão” e assegurar lugar, na fila da multidão, paciente, mais de três horas, a espera da noite musical.

Assegurada a viatura, para localizar coração, algures, após meia-hora, gasta na meia-volta de ruas para estacionamento no PARKING EUROMED – INDIGO, difícil de fazer fé. Vi traseira, já enchente de outras centenas de pessoas, exaltadas, a pintar alegria. Não me preocupei, porque as mais próximas – apesar de fumaça de cigarro, expelida por uma fumadora, vizinha, sem estima aos não fumadores – eram do mesmo sexo ou pelo menos, assim exibiam vestuários que lhes cobriam corpos, na longa fila que se perdia aos olhos.

Às 19h00, houve folga de centenas e centenas de holofotes, ao relógio, com os seguranças, a abrir o acesso, revistando cada uma e cada um – fora da idade de mulher que engravida, consegui despistar duas tabletes de chocolates, não os de Diogo Vaz, nos bolsos do casaco, mesmo por cima dos seios – e, fomos subindo escadas rolantes, até ao 3º andar. Vigilantes, em cada piso, confirmavam os bilhetes e orientavam admissão, à respetiva sala. Os outros espetadores, na boleia, continuaram a subir pelas escadas rolantes. Pés no salão, tivemos de descer, até às primeiras cadeiras, em que apenas o público, em pé, já largas dezenas, nos separava do palco.

Os três andares sobrepostos, cada vez que eu dava olho na retaguarda, nas bancadas, por cima e todo salão, que se compunha de moldura humana de várias línguas, mais próximas de nós, em maioria, o português, o francês – embora palmas, queixou-se da ausência de músicas de audiências que nas rádios, são cantadas, nesse idioma – o crioulo cabo-verdiano e uma, um pouco confusa, mas soava qualquer coisa que, pela melodia, dava perceção de saírem de jovens luso-descendentes, a inventar um português adoçado, mas atrofiado, aos ouvidos de Camões.

Busquei viva alma com aquele sotaque do meio do mundo para medir-lhe pulsação do coração, eventualmente, percorrido quilómetros, atrás de Calema. Para confundir curiosidade circundante, quando em vez, levantávamos voz, num crioulo, gravado desde criança, completamente aldrabado. Qualquer são-tomense, aos ouvidos, esbofeteava ousadia, em enrascar crioulo forro, o comunicativo e interventivo nas canções daquela terra.

Para espreguiçar ansiedade, convidei meia-cara, a vasculharmos no telemóvel, marcação de território de Calema, em 2014, quase uma década, com sucesso, a tirar lugar ao sucesso. O ano de 2022, como receita definitiva para humanidade esquecer efeitos, desastrosos, de Covid 19, foi de explosão total.

Presença dos irmãos no Youth Connekt São Tomé e Príncipe, tornou o programa, no ano passado, na maior plataforma da juventude Pan-Africana. Sem desistir da carruagem de esforço, dedicação e imaginação, foram os primeiros artistas, em Portugal e nos PALOP, a conquistar um milhão de ouvintes no Spotify, a maior plataforma de Streaming do mundo. Explodiram milhares de corações na estreia, no Meo Sudoeste, em Portugal.

O comboio, a dar volta nos concertos pelo mundo, com um total de 400 milhões de visualizações no YouTube, permitiu que os carris ficassem mais ligeiros, no mesmo ano, com 1 milhão de ouvintes mensais. As carruagens repletas de seguidores, cinco milhões, nas redes sociais, a canção “A nossa vez”, ainda no ano passado, chegou e tornou-se nas crónicas, na primeira música cantada, em português, a quebrar barreira de 100 milhões de visualizações no YouTube.

Após 20h00, mínimo sinal humano ou ruído, no palco, todo escuro, era assédio aos gritos “Calema, Calema” com palmas ensurdecedoras. Recordei-me do voo, há anos, quando voltei, a aterrar aquele chão de leve-leve. Nos voos, europeu e africano, em que “subo para cima e desço para baixo” – como romanticamente, reforçam o português, por lá – já não me recordava da alegria de pisar terra segura. O avião logo que pôs rodas no chão, os passageiros como que, anteriormente, tivessem ensaiado alguma rumba, ússua ou samba-socopé, os ritmos locais, me contagiaram, a bater palmas, vibrantes palmas, à toda comitiva técnica e de apoio do voo. Foi, sim, espetacular de registo!  

Às 20h40, após pausa de que, as últimas cadeiras dos três andares de bancadas, fossem repletas de público, eventualmente atrasado, os artistas de som e imagem, deram luz ao palco e explodiram ouvidos dos espetadores. Logo de relâmpago, os irmãos António e Fradique, entraram em cena, para êxtase total do salão.

À nossa frente, os saltos e as passadas de tirar reumatismo ao frio que, lá fora, furava os casacos, envolveram-se em bebedeira ao Calema, elegantemente, trajados de fato, dispensando gravatas. Alguns dançarinos, logo de seguida, namoraram o pessoal da bancada, a guardar-lhes inutilidade do casaco, devido o calor que lhes aquecia pés de dança.

Nossa! Meu Deus! As moças incendiadas, em frente ao palco, de fogo no coração, que nem eu, tentavam trepar muro, na tentativa de beijos, sem fim, às estrelas que lhes coravam, ainda mais, em cada canção de pétalas carinhosas, concorridas de direita à esquerda das mãos. Como é de excelência, ver com olhos tingidos de saudades de que aquelas ilhas, oferecem estrelas, sem maldade, ao mundo!?

As melodias com pujança africana e poesia romântica, foram-me embebedando e, não resisti sacar o Samsung, pelo aspeto, com bons pares de anos de utilidade, a reclamar atualização. Não trazia o iPhone, é mais recente, pedido emprestado às filhas – última hora, compromissos e interesses académicos, azedaram-lhes presença para que nos enviassem à Marselha – nem previa partilhar com São Tomé e Príncipe, a bebedeira da noite.

CALEMA, por amor à São Tomé e Príncipe, perdoe a emergência da qualidade técnica das imagens! Sou assim. Mesmo na cozinha, não me conformo na intenção.

Quem sabe, eu pegue mania feia de gente grande! Com quadra natalícia à esquina, ruas e comércio, já brilham de luzes e vendas de Natal, eu aldrabe idade para que Pai Natal, me ofereça um iPhone, mesmo não sendo, a última, da última geração. Qual a inconveniência, em aproveitar “Black Friday”, em moda, a baixa maluca de preços de Dezembro?

Os nomes sonantes de gerações, mais velhas, de África à América e Europa – Manecas Costa com trepidante guitarra da Guiné-Bissau, a saudosa voz são-tomense de João Seria, a coladeira do cabo-verdiano Gil Semedo, o sertanejo de Zezé di Camargo e Luciano, Simone e Simara, outra brasileira, a Kataleya e, bem recente, o fado condimentado da Mariza – que vão partilhando momentos altos de Calema, nenhum só, nem os da geração, a cabo-verdiana Soraia Ramos, a angolana Pérola ou os cabo-verdianos 100 Juízo, desajustaram agendas para tempero, à acalorada noite de Marselha.

A magia foi batucando com mestria de cinco enérgicos artistas de marcas produtoras Dyam e Klasszik. De esquerda para direita das duas estrelas, mudadas de noite para dia – nada a ver com miúdos de Cannes – o guitarrista Scandin, o percussionista Chérif, o teclista Elton, o baterista André Silva e o baixista Christophe, tudo exibiam como que fossem sons produzidos por dezenas de artistas de uma banda musical. Não. Apenas cinco peritos, mais o António e o Fradique.

Para efetiva explosão noturna, havia o Tiago, técnico de som, no palco, o Marcos Dias, técnico iluminador e de imagem e, o Rodrigo, técnico de som de frente, este garantidamente, brasileiro, quem agradeço pela gentileza e predisposição de completar alegria, à noite festiva, quando Calema com imagem de Zé Filipe, no painel, ao fundo, exibiu e procurou por “onde anda essa mulher”. Ainda assim, a “Maria Joana apanha o primeiro autocarro”, foi a sensação do coro.

Logo que “Bulawê chegou”, ninguém mais sentia o frio, de lá fora, no jogo de empurra-empurra de Outono, com o amarelo de confundir verde às plantas. A tempestade faz estrago no norte, com enxurrada, inundação, destruição urbana, agrícola e industrial e, o governo de Paris, na prontidão,  vai enviar milhões de euros, em subsídios de salvação, à economia e aos cidadãos franceses.

Aqui no sul, com o Sol, benevolente, a manter um calor apreciável, ao dia, os irmãos Mendes Ferreira, foram oportunos. Aproveitaram homenagear Jean-Pierre BENSAID, o francês, segundo eles, cônsul honorário de São Tomé e Príncipe, em Marselha. Depois das portas que Portugal oferece, aos são-tomenses e, não só, o francês, no sítio certo, descobriu e abriu-lhes portas francesas, lá atrás, à exposição de chocolate, em Paris, com “Mama ê”, na época, já a enamorar ouvidos dançantes. Mas, para felicidade, genuína felicidade, cantaram eles, de que é, ao lado de São Tomé e Príncipe, onde o coração de orgulho, se “Sente diferente”.

O diplomata acompanhado de esposa e um produtor de um grandioso galardão – não consegui agarrar-lhe o nome – todo arquitetado, em chocolate, por retribuição e, em nome de Marselha, subiram ao palco das estrelas. O “missiê” Jean-Pierre, recordou de que, duas semanas antes, o CHOCOLATE DE DIOGO VAZ, uma roça de cacau – bem conhecida, o meu pai exerceu na vizinha, Ponta Figo – no norte das ilhas tropicais, já tinha corrido a Terra, conseguindo vitória defronte de duzentos e trinta expositores, provenientes de trinta e oito países.

Sabor tropical, trabalho abnegado e encanto fértil e, abençoado, das pequenas ilhas, perante quinze países produtores, de cacau, expostos no Festival de chocolate de Paris, ergueu PRÉMIO DE OURO, pelo melhor chocolate do mundo. Era, sem dúvidas, a vez de Marselha, sua famosa e acolhedora cidade, render-se à CALEMA, as ondas de Ouro de São Tomé e Príncipe.

Contas feitas, desde o início da viagem, enchi o depósito por setenta euros, que regressou à uns 60% do nível. Desembolsei trinta euros, na portagem e, óbvio, tive de oferecer à alma gémea, no italiano RESTAURANT BOCCASCENA, um jantar de duas pizzas – maioria transportada para casa, devido exagero para dois estômagos – acompanhadas de copo com cerveja, a pressão e, uma coca-cola, de enganar estômago. Dei de costas à conta, a rondar quarenta e cinco euros, fechando assim, olhos à bolsa, ao propósito, deixada na viatura, permitindo que seu cartão multibanco, fizesse delicadeza.

O valor, não esteve em causa, porque com os dois bilhetes, de cento e vinte quatro euros, oferta das filhas, ainda no salão, partilhando-lhes imagens da noite, quisemos saber para quando do regresso dos rapazes, à Cannes ou estreia, em Nice, a capital sul francesa. Em mais de 70 tournées pelo mundo e, a correr França, ponta a ponta, ainda não havia passagem pelas duas cidades, também do Mediterrâneo francês. As meninas prometeram, em uns minutos, vasculhar bilhetes de concerto, agendado para o dia 24 de Fevereiro, próximo, no regresso de Calema, à Paris, a cidade de luz e perfume.

Perfumei nos ouvidos da cara metade, bem ao lado dos meus, de que, aproveitaremos próxima viagem ao amor de Paris, para por lá, fazer algo comemorativo. Nem com invenção, de última hora, de rosas-de-porcelanas, daquelas ilhas e jantar especial, à luz de velas, que nem noite de lua-de-mel, festejarei num hotel, no final do concerto de Calema, o aniversário da alma gémea, o meu cobertor, bons pares de anos.

Com o sábado profissional livre, não havia como perder palco internacional daquelas ilhas. Nas traseiras do tempo, umas décadas, guardo noites envelhecidas de saudades dos pés dançarinos, nos salões de África Negra, Sangazuza, Leonenses e Os Untués – piso risco, em não deturpar nomes às bandas musicais da época – a incendiar corações, abraçados em bailes, das 21h00 de sábado, às 04h00, da madrugada de domingo. Ao contrário, poucos minutos, passados das 22h00, foi fecho do espetáculo.

As músicas dançadas e cantadas pela multidão, em disputa, europeia e africana, num misto de pluralidade, foram silenciadas, por inteiro. Em imitação, as coloridas luzes, desapareceram com claridade, ao palco, tal e qual, quando olhares ávidos de festa, aguardavam pelo início do concerto.

Batucada, a soar ouvidos, de regresso ao gelado sono dos Alpes, mais ao sul, nos outros duzentos quilómetros das mesmas auto-estradas, em viagem contrária, A7 e A8, sentimo-nos impávidos perante mensagem enviada, pelas meninas, desaconselhável aos dois corações, minutos antes, iluminados pelas estrelas do santo-luso, show de Marselha.

«Já se esgotaram os bilhetes de CALEMA, para Paris!»

Côte d’Azur – France, 22.11.2023

Santo Cardoso

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