Os cabo-verdianos para São Tomé «ver e crer» no proveito da conferência internacional de Sal e ao que aprecia a democracia, deveriam encostar o primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva à parede, questionando-lhe dentre os 20 oradores publicitados no interessante cardápio, «Liberdade, Democracia e Boa Governação», qual o enquadramento do discurso do seu homólogo são-tomense.
Na realidade, os conferencistas não perderam o valioso tempo com a nutrição dos discursos do secretário-geral das Nações Unidas, dos representantes da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, da União Europeia e, como não podia deixar de ser, o do anfitrião, o primeiro-ministro de Cabo Verde.
Os temperos de António Guterres, Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia e, não só, no proveito das novas tecnologias, ecoaram na conferência, mas a sensação é de patinagem no alcance turístico pretendido pelo governo de Cabo Verde. Quem cobriu o eventual deslize e não haveria de estar ausente, agraciado nas redes sociais pela feliz companhia do seu gabinete e com o “cacau de ouro” de São Tomé e Príncipe na mala para oferecer ao turismo cabo-verdiano, foi o 1º ministro das ilhas do meio do mundo.
Os são-tomenses, ao que determina a lógica, não são peças inexistentes no xadrez da globalização, mas ficou no ar a sensatez de António Costa, nos últimos oito anos na liderança da governação portuguesa, quem perante a apertada derrota eleitoral do Partido Socialista, no escrutínio de há um mês, 10 de Março, conseguiu dar lição de democracia, sem poeiras aos olhos europeus e do mundo, à vista nua, colide com o desplante do orador são-tomense, protegido por Lisboa socialista.
Na manhã, a seguir a certificação do novo primeiro-ministro pelo presidente Marcelo, o cessante chefe do executivo português, na despedida de Bruxelas, aproveitou a estada do seu sucessor na sede da União Europeia para juntos tomarem café e adiantarem os pontos nos “is”. Na normalidade democrática, as tentativas de eleição do presidente da Assembleia da República, a segunda figura do Estado, que apesar de “casos e casinhos” conotados ao poder cessante, no escrutínio, os deputados com os votos não suficientes, inicialmente optaram pela vitória de Francisco Assis, do Partido Socialista, invés do candidato natural da coligação governativa, José Pedro Correia de Aguiar-Branco, do Partido Social Democrata – o que necessitou do entendimento entre os líderes do poder e da oposição, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, ao novo formato do poder legislativo, em duas sessões legislativas, iniciais para PSD, até setembro de 2026 e outras duas para PS – Lisboa exibiu os encontros de transição elegante entre os dois políticos, tendo os compromissos do Estado e até a residência oficial do chefe do governo, tudo, pessoalmente confiado ao novo governante.
Quarta vez na chefia dos governos de São Tomé e Príncipe, 2008, 2010/2012, 2014/2018 e a atual, a partir de 2022, ao contrário do orador português, alguma vez o chefe do executivo são-tomense, fez passagem de pasta, a normativa de Estado do Direito e da Democracia, aos seus sucessores?
Os cabo-verdianos e a assistência do auditório de Sal, sujeitaram-se à hipocrisia internacional ou extravagância da «Liberdade, Democracia e Boa Governação» para escutarem um governante, ao que tudo indicia, tem as mãos manchadas de sangue de quatro vidas humanas, aprisionadas, torturadas e assassinadas pelas chefias militares. Na qualidade de chefe da administração política, económica e social, o 1º ministro são-tomense voluntariou-se, desde a manhã do Massacre de Matapá, 25 de novembro de 2022, onze dias de governo, na auto confissão – por interesse inconfesso – seguida de exagerada proteção, promoção e alteração da máquina judicial para que ele próprio, testemunha, e as chefias militares acusadas pelo Ministério Público, inocentes até provas contrárias e com o direito de mentir perante a audiência de julgamento, não sejam presentes à justiça civil.
Para apreciação da conferência, Luís Carlos Silva, o secretário-geral do MpD, o partido no poder em Cabo Verde, na resposta à oposição parlamentar, PAICV de Rui Semedo e UCID de João Luís, que teceram críticas ao tempero de Sal e, óbvio, ausentes ou convidados sem direito a subir ao palco de esbanjo do fundo público cabo-verdiano, defendeu-se de que os adversários não aderiram à cultura democrática do evento, expetante em duas à três centenas de convidados ao turismo político com a diversificação de ofertas turísticas para o alavancar do desenvolvimento das ilhas. Isso não se faz!
Não obstante, o ministro dos Negócios Estrangeiros cabo-verdiano, Rui Figueiredo Soares, na semana que antecedeu o colóquio internacional, ter avançado de que os avultados gastos públicos dos dois dias, 8 e 9 de abril, segunda e terça-feira, últimas, revelariam em ganhos da democracia do arquipélago, os são-tomenses, só devem concluir que a intenção e realização com o excessivo tempero de Sal na digestão da oposição parlamentar cabo-verdiana, enquadram-se na concorrência desleal. Sim! Deslealdade democrática.
Pela história comum e relação familiar entre os dois povos, são-tomense e cabo-verdiano, os primeiros apesar de chuva, terra agrícola, sol, praia e sorriso humano, atualmente demonstram muito mais a necessidade de amealhar pão para matar fome do que os da «morabeza» que, não obstante, terem apanhado boleia dos das ilhas do «leve-leve» na transição de autocracia à democracia, nos finais de oitenta do século passado e, nem tudo, segundo a narrativa da oposição, ser mar de rosas em Cabo Verde, ainda assim, aproveitaram-se da maior riqueza humana, a caixa cinzenta. Os cabo-verdianos assentam-se nos pilares da democracia e, perante o vento da história, passaram à frente nos índices de desenvolvimento e são bem classificados na «Liberdade, Democracia e Boa Governação» africana.
O 1º ministro de São Tomé e Príncipe, na contramão da «Liberdade, Democracia e Boa Governação», testemunhada pela musculação do Estado, asfixia do adversário parlamentar, execução sumária, assinatura (fantasma?) do presidente da república no nefasto contrato internacional, justiça condicionada, pelos gastos supérfluos e pelas viagens sem conta e feitas em jatos privados – a atual para Cabo Verde, Grécia e Quénia – perdidos de rasto da oposição sonolenta, num contraste de luxo, diplomacia de desespero e busca de investimento pelas portas bloqueadas, nem com as máscaras e o tempero de Sal, vai muito longe, a vestir pele ao lobo.
Ainda assim, na perspetiva de ganhos turísticos para o governo de Ulisses Correia e Silva, após pastéis de nata de Portugal e agora, Sal de Cabo Verde, no direito à reciprocidade, seria de bons amigos, realizarem a próxima conferência internacional de Santola para oferta de uns trocos ao turismo de São Tomé e Príncipe e, quiçá, na caça de investimento para acalmar o desespero da diplomacia, mesmo por fora do radar, o convidado venha a ser o presidente russo, Vladimir Putin.
José Maria Cardoso
11.04.2024