Sociedade

Massacre de 1953 : O primeiro jornalista a divulgar as imagens do crime

Jorge Trabulo Marques – O primeiro jornalista, depois do livro do escritor Sum Marky – 1911- 2003, a divulgar as imagens dos ignóbeis crimes, na revista de Luanda Semana Ilustrada, de que era correspondente, em STP, tendo sofrido fortes represálias por colonos: agressões físicas, ao ponto de ter que me escapar numa piroga para a Nigéria, travessia que andava a preparar desde algum tempo mas por outras razões.

São-Tomé e Príncipe comemora esta quinta-feira, 3 de Fevereiro, dia  dos heróis da liberdade do histórico massacre de 1953 – O Governo são-tomense prorrogou o estado de calamidade até ao dia 15 de fevereiro devido à pandemia –  Com a decisão, o Governo, declarou que não se realizará a tradicional marcha da juventude em alusão ao dia 3 de fevereiro, feriado nacional em memória dos mártires da liberdade do massacre de Batepá, de 1953, e restringirá o ato central deste dia para apenas 60 convidados, a que deverá presidir, o Presidente da República, Carlos Vila Nova,  na presença do PM, Jorge Bom Jesus e outras entidades representativas.

Foi precisamente há 69 anos mas a lembrança  dos ignóbeis acontecimentos, deverá  permanecer ainda bem viva na memória dos escassos sobreviventes, mas também não esquecida na memória coletiva de um Povo, que  não deixará de, neste dia, se lembrar  dos  que  foram barbaramente espancados ou tombaram para sempre no Campo de Concentração de Fernão Dias.

BAPETÁ – A PÁGINA MAIS NEGRA DO PERÍODO COLONIAL

Pode também consultar  http://canoasdomar.blogspot.com/2016/02/s-tome-e-principe-homenageou-hoje-os.html   ….http://canoasdomar.blogspot.com/2015/01/memorias-do-bate-pa-1-auschwitz-em-s.html  ….http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/s-tome-memorias-do-massacre-do-betepa-2.html   ….http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/massacres-dos-batepa-3-hoje-s-tome.html  ….http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/s-tome-e-as-memorias-do-batepa-4-ze.html …http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/s-tome-e-principe-memorias-do-batepa-5.html

Como a morte ceifou por completo uma pequena aldeia e se alastrou por quase toda a Ilha – Vinte anos depois,  tive oportunidade de registar as confissões do criminoso José Zé Mulato e do “Homem Cristo” que foi crivado de balas e logrou sobreviver, além de outros sobreviventes.

A DIVULGAÇÃO DOS ACONTECIMENTOS – Ia-me custando a vida  – Fui o primeiro jornalista a divulgar as imagens que estavam no arquivo do jornal  “A voz de S. Tomé” – Jornal oficial da colónia   –  O Redator e Chefe de Redação, deste jornal, que era também professor no Liceu, chegou junto de mim, no terraço da antiga Pensão Henriques, mostrando-me uma série de fotografias, ao mesmo tempo que me perguntava   se as queria divulgar, dizendo-me, que ele não as ia publicar e que, o mais certo, era deitá-las para o lixo. Aproveitei, então, par as fotografar, pedindo-lhe que não cometesse essa asneira, o que, pelos vistos veio acatar, visto terem passado a fazer parte do arquivo do Museu Nacional, instalado na antiga fortaleza S. Sebastião.

Entretanto, eu já havia começado a entrevistar vários dos sobreviventes para a revista Semana Ilustrada, de Luanda, de que era correspondente, uma das quais ainda  com feridas por sarar numa das pernas, com que fora acorrentada.

Trabalhos jornalísticos esses que me haveriam de custar graves dissabores, violentas reações por parte, de alguns colonos. que me furaram os pneus do meu carro à navalhada, penduraram uma forca na porta de minha casa, depois de arrombarem, sim, de um modesto apartamento no edificio do Lima & Gama e deixado tudo de pantanas  – Não satisfeitos, mesmo assim, à noite  saíram de um carro, que estacionaram junto ao edifício e fizeram-me uma espera, tendo-me pontapeado e agredido selvaticamente.

Vindas de indivíduos que ainda hoje se gabam no Facebook das sórdidas patifarias, que me fizeramvre e Pacífico .https://www.facebook.com/elvido.ricardodeviveiros?fref=ts…..https://www.facebook.com/manuel.sebastiao.75?fref=ts

Noutra ocasião,  quando umas centenas de colonos das roças invadem o Palácio do Governador  e insultam Pires Veloso,  ao saírem, mal me vendo sentado na esplanada do Palmar, vêm logo de lá atrás a correr como loucos atrás de mim armados de catanas na mão. Valeu-me ter-me refugiado num telhado, frente à farmácia Cabral,  após o que estive uma semana escondido no mato em casa de um santomense, o Constantino Bragança, meu companheiro da escalada ao pico Cão Grande, que, tendo-se apercebido, veio chamar à noite para me alojar na sua cubata.

 SE ME APANHASSEM,  TERIA SIDO DEGOLADO E DESFEITO!…  – Em toda a parte os jornalistas são sempre as primeiras vitimas da ira popular, da intolerância e do ódio – Em todos as  guerras e conflitos – Mas não só.

De  tal maneira, me senti inseguro e me moveram tão feroz perseguição, que me vi obrigado a abandonar a Ilha numa canoa para a Nigéria, travessia que  eu já andava a planear desde algum tempo para demonstrar que as ilhas poderiam ter sido ligadas por canoas, vindas da costa africana, antes da colonização.

BARTOLOMEU CRAVID  

– J.M._ Diz-se que o Sr. Cravid também foi uma das pessoas afectadas pelos acontecimentos do Batepá. Que se passou então em relação à sua pessoa?

– B. C. – Lembro-me que fui preso e que estive na cadeia 45 dias. ·-
 J.M. -Por que é que o prenderam?

– B. C. – Não sei explicar; o certo é que houve a ideia de arranjar mão-de-obra gratuita. E daí’ surgiram as prisões, mais prisões mas sem quaisquer razoes para isso. 

 Procurava-se emprego e não sé encontrava. No entanto, as rusgas sucediam-se e as pessoas que encontravam, eram presas. É, claro, ao fim ao cabo houve um ou outro que reagiu sobre esses atitudes. Mas a  verdade é que nem chegou a existir reaccão nenhuma.

– J.M – Na altura, trabalhava em quê?

– B.C – No Tribunal.

– J.M. – Portanto na altura em que foi preso. Mas em que suspeitas se basearam para o prenderem?

– B.C. – Naquela altura só se ‘tratava de boatos, mais boatos. O individuo era apontado de estar metido em reuniões. Mas a verdade é que nem sequer havia reuniões.

– J.M. – Durante o tempo em que esteve preso foi muito mal tratado?  

– B.C – Fui. Bateram-me. Puseram-me numa cela, incomunicável, durante 45 dias.

– J.M. – E a alimentação? De que constava?

– B. C – De fuba com feijões, sem um mínimo de higiene. Enfim, tratavam-nos piores que escravos.  – Excerto

Escasseava a  mão de obra barata..E o governador planeava construir grandes edifícios à custa do trabalho forçado nas ilhas e  mandou o ajudante de campo armado em soldado nazi a comandar um grupo de milícias para  ordenar o trabalho obrigatório.. Num verdadeiro retorno aos primórdios do ignóbil e duro esclavagismo, até que,  numa remota aldeia perdida no mato,  algures pela Vila da Trindade, alguém se encheu de coragem e reagiu sobre o fogoso e arrogante alferes, que teve a reação popular que merecia  e à altura da leviandade e do desprezo como olhava a  população  e impunha  a sua vontade .

Mais imagens, vídeos e pormenores em http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/massacres-dos-batepa-3-hoje-s-tome.html

Fonte – Jornalista Jorge Trabulo Marques 

6 Comments

6 Comments

  1. Guiducha

    3 de Fevereiro de 2022 at 21:31

    Excelente artigo sobre o sucedido massacre do Matepá…é bom lembrar esta parte da história.
    Agradecemos, Abel Veiga.
    Bem haja!

    • Jorge Trabulo Marques

      4 de Fevereiro de 2022 at 20:54

      Obrigado pelas amáveis palavras – A memória de um povo, faz parte da sua identidade – E eu tenho um grande amor pela sua terras, pelas suas lindas ilhas, a quem devo muito da minha vida

  2. Gerhard Seibert

    9 de Fevereiro de 2022 at 12:37

    Jorge Trabulo Marques está errado quando afirma que ele divulgou as suas imagens dos ignóbeis crimes cometidos em 1953, na revista de Luanda Semana Ilustrada, depois do livro do escritor Sum Marky, nome de autor do português José Ferreira Marques(1911- 2003).
    Em 1963, Sum Marky publicou um primeiro romance histórico sobre Batepá, intitulado “Vila Flogá”. Contudo este livro não contém nenhuma imagem.
    Apenas o segundo romance do Sum Marky desta temática “Crónica de uma Guerra Inventada”, publicado em 1999, tem uma única imagem das atrocidades cometidas na capa do livro, uma foto da cadeira elétrica onde os presos inocentes foram torturados pelos carrascos do governador Gorgulho.
    Na altura, fui eu que dei esta foto a editora Vega em Lisboa que publicou este livro. Tinha recebido esta e outras fotos do Massacre de 1953 de Filinto Costa Alegre, em S.Tomé, em 1993.
    Resumindo, de facto, Jorge Trabulo Marques foi provavelmente o primeiro que publicou imagens dos acontecimentos sangrentos de 1953.

    Gerhard Seibert

  3. Jorge Trabulo Marques

    27 de Outubro de 2022 at 20:32

    Só agora, quase no final do ano, me apercebi deste comentário de Gerard Seibert, com o qual trocámos vários emails a propósito desta questão, tendo reconhecido que fui realmenet eu a divulgar as primeiras imagens do massacre do Batepá na revista Semana Ilustrada – De facto, o livro Vila Flogá, de autoria de Sum Marky, de seu nome José Ferreira Marques, que me deu o prazer de me receber em sua casa, na zona de Algés, e também de me concer uma interessante entrevista, além da oferta de grande parte dos seus livros, apenas o fez de texto e não através de fotografias, foi um lapso de minha parte, que posteriromente vim a corregir na postagem onde editei o artigo – Tomo a liberdade de aqui postar um dos emails que trcoquei com ocadémico e distinto investigador Gerhard Seibert
    Caro Gerhad Seibert

    Diz que eu me refiro ao Livro de Sum Marky – Sim, apercebi-me desse lapso, que, entretanto, corregi quando me chamou atenção – Tenho comigo, também esse livro.

    Creio que foi justamente ao Filinto Costa Alegre, que acompanhei nas manifestações, que lhe entreguei na Associação Cívica, o envelope de fotografias que me tinha facultado o Prof. Curto, chefe de redação de A Voz de São Tomé

    Mas há um relatório, que devia estar nos arquivos da Policia Judiciária ou da PIDE, entregue pelo Comandante Salgueiro Rego – Se foi em S. Tomé, eclipsou-se, porque, um tenente pidesco, do CTISTP, teve o cuidado de ir buscar os arquivos às instalações da PIDE, presenciei eu esse transporte, com o pretexto de os proteger, mas para os limpar, assim fez também com o meu processo, visto também ter sido preso pela PIDE, quando fiz a viagem clandestina de canoa de S. Tomé ao Príncipe, tendo ficado ali com cadastro e passado a ser seguido, visto me considerarem “amigo dos pretos”

    Constatei esse facto, em Lisboa, quando consultei o meu registo, e só lá estavam as capas.

    Em meados de 1964, fui trabalhar para a Roça Rio do Oiro, onde fui encarregado da plantação de um palmar em Fernão Dias, de que tenho ainda duas fotografias, uma nas plantações e outra a regressar à sede da Roça, que lhe envio.

    O rapaz que me acompanhava, na marcação das estacas e abertura das covas, vivia em Guadalupe – Falava-me que não gostava de andar ali, e tínhamos que regressar antes do pôr-do-sol, pois aquele trabalho não era feito de empreitada – E era todo o dia.

    Confessava-me que os forros não gostavam de ali passar de noite por julgarem que apareciam por lá fantasmas das pessoas que ali haviam morrido naquele campo – Ainda lá vimos algumas correntes de ferro, que, mais tarde, ainda ali também fui encontrar quando lá fui entrevistar dois sobreviventes para a Semana Ilustrada, de que lhe envio os recortes

    Num daqueles dias, vi-o parado junto de uma estaca e a chorar – Perguntei-lhe o que tinha: respondeu-me que estava a lembrar-se do seu pai, que ali tinham matado à paulada. – No dia seguinte, não apareceu: a roça teve de arranjar um trabalhador cabo-verdiano, que desconhecia o que ali havia ocorrido.

    Mas quem sabia era o pai do coronel Victor Monteiro, o homem da leitaria, a que chamavam de filósofo, que tinha mais instrução que a maioria dos empregados de mato: ele nunca ali o contou esses episódios – Vim a sabê-lo pelo filho, em 2014, e por outro cabo-verdiano, que o conheceu http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/s-tome-memorias-do-massacre-do-betepa-2.html

    Sim, fui para a Roça Rio do Oiro, atual Agostinho Neto, depois ter abandonado a Roça Ribeira Peixe, como empregado de mato para onde havia sido enviado de castigo, pelo administrador da Roça Uba-Budo, Sr. Anselmo Pereira (onde chegara em Nov de 1963) a contar cacaueiros velhos, numa zona infestada de serpentes, por me ter recusado a tratar os trabalhadores por tu e ao estilo colonial.

  4. Cl de

    11 de Fevereiro de 2023 at 18:27

    boa noite fala se das fotografias do massacre ,quantas entao?

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