Opinião

Figuras e lugares de preito

A nossa grande ambição na vida é a de um dia poder galgar o elevado Pico d’Antónia. Estando ali no cume de sua crista, num esteio claro e prodigioso, cheio de fulgor e de fascínio. Assim, no sobranceiro de solar do mais altino sítio enlevo e sobrepujando os reluzentes candelabros de Rui Vaz, o fecundo vale de São Jorge e seu virente alfobre em barda, Covoada dos Teclados, lugares de eleição de um nosso amigo advogado, um outro estroso politólogo, mais um insigne docente. A partir dali, visualizar Santiago em peso, desde a mítica baia do formoso por do sol, dos nossos magnos amigos e vizinhos, Virgílio irrebatível e Cícero moderno, tal que mágico Barbosa de outro tempo. É certo que de fora fica sempre a masmorra de má memória, a extenuosa catacumba dos vários egrégios nacionalistas. Passando de seguida pela virtuosa Embocadura dos Navios, malgrado um seu nefando palhabote, a Treva dos Oceanos, que se amuara no maciço pesadelo, em pleno mar de encrenca, do jeito de uma mula refilona, para trair e conspirar contra os intrépidos valentes da resistência antifascista.

Ribeira dos Navios que seria mais tarde lugar de preito indefetível e donde sairia uma suprema magistratura da nação, e ainda músicos radiantes desta insula de berço. Depois, deitar a vista a escorrer pelo Ribeiro Montanhês de Nhô Nené, Enseada de Horizonte, em frente ao Maio, a concha de dois coevos compatrícios da palavra e um malogrado jurista amigo da nossa escola. Dali em diante é encarar a sumidade em todo o seu esplendor, desde a serra de picante e de graciosa, baia de cruz de nome e do esbelto cavaleiro até a outra do genuíno tocador de concertina. Depois, da praia da ourela de marisco ao epicentro de singela velha urbe, a base tumular do nosso umbigo, partindo para ribeiras de Rincão e de Sam João, ladeiras de Belém e de Cumbém, a Praia de Maria e de Vitória, do palácio de concordia e do divã de heroicidade, cutelos de Rebelo e de Serelho, barragens de Faveta e Boaventura, as vargens de Santana, Jaracunda e Rocha Lama, o despontado cesto a vir do nédio Nunes, nosso perene dador de mão na Academia. E após tudo isso, respirar com lividez de coração e devotado apego à ilha, para dizer: – até que enfim, o suado cosmo da minha visão está dentro de uma gesta, todo ele -.

E isto sem esquecer as imensas referências às outras ilhas e a toda uma vasta lusofonia dos nossos dias: de paisagens fabulosas e de nomes emblemáticos, de músicos, pintores, escultores, profetas e videntes, poetas, editores, prosadores e eminentes pensadores de mil áreas do saber, que serão sempre uma constante da nossa inteira literatura. Mas o ideal da refulgência seria enorme ter acesso ao topo de vulcão, na esguia e diletante ilha do Fogo, do então e do hodierno polemista, da leda e pulcra voz de cisne, da nossa antiga prestigiada excelsa mestre e de um prezado nosso amigo economista. Dali divisar a mimosa e mui querida ilha franzina, a do patriarca da cultura do país, lustroso punho. De seguida, apanhar o nosso veleiro e rumar em direção ao norte da aventura, mas antes, passando pela ilha de Aeronave e pela serena bela vista de um lídimo escritor e do saudoso presidente inaugural desta república. A partir dali, seguir caminho adentro e assentar arraias na ancora do porto mais moderno. E sem perda de tempo, trepar o topo de Coroa, na ilha de acentuado declive mesmo, enxergar a estância toda, a do mentor do nome Hespéria, do físico primevo desta terra, dum poeta obsessivamente apaixonado, de um nosso elã antepassado, de uma consagrada criadora da atualidade e de um reputado velho amigo.

E de volta à procedência, escalando o amplo porto, de permeio, empurrando o peito para de cimo do monte espelho, mirando a face do planeta na baia, de cima para baixo, tendo o justo meio-tom, o luzente neuro- cientista, o pão e solfejo no palato e na retina, a inspirar e a dar-nos mote para o resto da jornada, que terá a próxima paragem na ingente ilha bonita do jurista-professor e do maestro de harmonia. Estando ali, subir afoitamente o Monte Gordo, divisar ribeira anciã do dileto e sacrossanto seminário, a dianteira do estalajadeiro e a umbrosa retaguarda da choça de recuada outra senhora e aclamar, alto e bom som: – agora, sim, toda a minha terra cabe dentro desta lente de aguerrido peregrino -. Contudo, já sabemos que isto jamais será possível. Então, contentemo-nos com as pequenas pinceladas e as vagas referências a lugares, aqui e ali, que nunca faltarão à nossa lide.

Domingos L. Miranda Furtado de Barros

 

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