A celebração do quinquagésimo sexto aniversário (56º) da existência da OUA, que foi criada a 25 de maio de 1963 em Addis Abeba, Etiópia, por iniciativa do imperador etíope Haile Selassie, leva-nos a fazer uma leitura teológica desta Organização da Unidade Africana que passou a chamar-se oficialmente União Africana a 9 de julho de 2002.
Esta análise ou leitura de ordem religiosa procura estimular um reexame atento e eventuais correções que poderiam ser feitas nesta Organização (União Africana). É certo que a Igreja não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende “de modo algum imiscuir-se na política dos Estados”; mas tem uma missão de verdade a cumprir, em todo o tempo e contingência, por uma sociedade à medida do Homem, da sua dignidade, da sua vocação.[1] Assim sendo, é nessa perspetiva que pretendemos conduzir a nossa reflexão.
Certamente, como todos sabemos a Organização da Unidade Africana tem como única razão de ser o bem comum, que também é um dos princípios que está na base da Doutrina Social da Igreja. Ora, sendo o bem comum a razão de ser da UA, pressupõe a superação das rivalidades políticas e a renúncia a toda a pretensão de instrumentalização dessa mesma Organização. Por outro lado, é importante que as próprias nações que são membros permanentes da União Africana favoreçam a reforma de algumas estruturas injustas e, em particular, das próprias instituições políticas, para substituir regimes corruptos, ditatoriais ou autoritários por autênticos regimes democráticos, que favoreçam a participação de todos. O desenvolvimento humano integral supõe a liberdade responsável da pessoa e dos povos: nenhuma estrutura pode garantir esse desenvolvimento prescindindo e sobrepondo-se à responsabilidade humana.[2]
Não existe desenvolvimento integral sem reconhecimento da dignidade da pessoa humana, da sua liberdade e da sua responsabilidade. A chave do desenvolvimento é uma inteligência capaz de pensar a técnica e de compreender o sentido plenamente humano do agir do Homem, no horizonte de sentido da pessoa tomada na globalidade do seu ser.[3] A saúde de uma comunidade política é expressa mediante a livre participação e responsabilidade de todos os cidadãos na coisa pública: a firmeza do direito e o respeito e a promoção dos direitos humanos são condição necessária e garantia segura de desenvolvimento do «homem e de todos os homens».[4] Nesta lógica podemos compreender que o Bem-comum, antes de mais nada, contempla o Bem supremo das comunidades, o fim mais elevado para o qual tendem as ações sociais do Homem, tornando-se assim o único critério de elaboração de leis justas.
Todavia, no quadro das tristes experiências dos últimos anos e do panorama predominantemente negativo do momento atual que África tem vivido, nos inúmeros conflitos, nos diferentes ataques terroristas que têm provocado milhões de refugiados e consequente pobreza dos mesmos, a Igreja sente-se no dever de desafiar todos os líderes africanos a superar os mecanismos perversos, já recordados, e substituí-los por outros novos, mais justos e mais conformes ao Bem comum da humanidade. É necessária uma vontade política eficaz.[5] Hoje não se trata de promover os direitos fundamentais do Homem, trata-se sim de salvá-los. «A pessoa é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais».[6]
Entre os sinais do tempo presente, a melhor forma de celebrar o dia da África, assim conhecido por todos nós, requer perguntarmo-nos: o que é que a União Africana tem feito para combater o terrorismo que tem assolado o continente? Quais são os desafios concretos que UA deve levar a cabo para colmatar a emigração em massa para a Europa, uma vez que este problema da emigração é profundamente de África? Como é que UA tem tratado o flagelo da corrupção o qual tem promovido e favorecido a pobreza social e intelectual dos homens e mulheres africanos(as)? Que esperança oferece a UA à juventude africana, uma vez que é um continente maioritariamente jovem? Como é que a UA tem advertido os líderes africanos a comprometerem-se, individual e comunitariamente, a participar mais ativamente num esforço educativo de promoção da cultura da honestidade?
A nossa reflexão e as diferentes sugestões levam-nos a dizer que a Igreja vê a UA como uma Organização que está a caminho, que precisa urgentemente de renovar o modus operandi como está e estamos a construir o futuro do continente africano. Precisamos de um debate que nos una a todos e de Homens que se comprometam verdadeiramente com África, porque os desafios de tipo económico, social, antropológico, político e ambiental, que vivemos dizem respeito e têm impacto sobre todos nós. Todos somos responsáveis e a erradicação da corrupção é possível. Se quisermos verdadeiramente que as realizações humanas sejam sólidas, não só as pessoais “privadas” (família, amigos, etc.), mas também as “públicas” (políticas, económicas, sociais etc.) devemos fundá-las sobre a rocha firme de uma fraternidade entre os Homens e entre os povos. Portanto, usando a expressão de São Paulo VI na sua carta Encíclica Populorum progressio, diríamos que o verdeiro mal de África reside na falta de fraternidade que existe entre os Homens africanos e entre os povos Africanos.
[1] Papa Bento XVI, Caritas in veritate, nº 9.
[2] Papa Bento XVI, Caritas in veritate, nº17.
[3] Papa Bento XVI, Caritas in veritate, nº 70.
[4]João Paulo II, A Solicitude Social da Igreja, p 99.
[5] João Paulo II, A Solicitude social da Igreja, p.75.
[6]CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 25
Vicente Coelho
Lourenço
27 de Maio de 2019 at 20:42
Ao ler este artigo, pude ver que a cada dia que passa a África vai tendo filhos que pensam nos seus irmãos. Artigo é interessante e provocador .
Pindo
27 de Maio de 2019 at 20:54
Concordo contigo, quando falas que o verdadeiro mal da África reside na falta da fraternidade. É isso, que vemos todos os dias quando os nossos políticos não são capazes de defender a justiça, o bem-comum( a saúde, a educação, o trabalho para jovens, ). Quando não são capazes de pensar no povo .
BUASSÔ
27 de Maio de 2019 at 21:20
É verdade celebrar UA não é só festa, é também fazer reflexões sobre esta entidade. Gostei.
Azeite
28 de Maio de 2019 at 5:21
Bom trabalho jovem.
Verdade verdadeiro
28 de Maio de 2019 at 20:54
O artigo está muito bem escrito, o autor salienta uma coisa que eu gostaria de citar” a pessoa é e deve ser o princípio e o fim de todas as instituições sociais ” . Se os nossos governantes tivessem levado a sério esta frase a África teria um rosto novo, humano, fraterno e amigo.
Verdade verdadeiro
30 de Maio de 2019 at 7:45
Muito bem
SANTOMÊ
3 de Junho de 2019 at 17:13
Meu caro, África está neste estado que ela se encontra hoje porque nós queremos. Eu digo isso porque quando o homem africano tomar a consciência que o desenvolvimento da África e do povo africano depende de uma cultura de honestidade, de transparência. Toda guerra e miséria que vemos na África é criada por nós. Vê o estado da Republica democrática do Congo e da Republica Centro Africana . Como dizes e muito bem o verdadeiro mal de África reside na falta de fraternidade que existe entre os Homens africanos e entre os povos Africanos.