Opinião

A verdadeira e-democracia

Em rigor, o que temos encontrado, ultimamente, nas redes sociais? Ana Canavarro resumia, com razão, o óbvio: “falta-lhe a humanidade…”. Numa opinião recente, no Observador, intitulada “Cidadania, redes sociais e e-democracia”, a autora situa a importância das redes sociais no desenvolvimento da cidadania, no envolvimento dos jovens na política e na e-democracia.

E constata esta importância: “novas formas de democratização de governos e de participação política através da tecnologia e da internet são necessárias, no seguimento da implementação de uma verdadeira e-democracia. Não apenas de uma forma incremental, mas numa perspectiva fundamental de estrutura”.

Os exemplos que aventa mostram que a implementação dessa “verdadeira e-democracia” tem-se deteriorado de dia para dia, também concordo. Nessa linha, a autora aponta alguns sentimentos expressos nos comentários que, hodiernamente, deparar-se nas redes sociais: “Comentários plenos de emoção, muitas vezes perpassados pelo ódio, sem aprofundamento gerado pela reflexão ou qualquer moderação”. Confesso, preocupado, que tudo isto me tem deixado siderado: o afloramento de comentários ou publicações sobre a vida política e/ou social, que incitam violência ou caluniosa, no nosso país.

Creio que todos nós somos mestres desta profissão, voluntária ou involuntariamente, acabando assim por ser comentaristas (ou elos da transmissão) dos acontecimentos envolventes, sobretudo quando se trata dos de pendor sócio-político – especificamente, no Facebook. O que não deixa de ser um belíssimo exercício para a retórica.

Porém, devo dizer que o que mais me impressiona é o encadeamento, a facilidade com que tais publicações (e comentários) têm sido apregoados, anexados a tamanhas desonestidades – não só na difusão das informações, mas também nos crescentes perfis falsos, os rostos ocultos, que têm surgido.

Por isso, todos recordamos coisas insignificantes que, contudo, têm vindo a semear divergências entre nós: os jogos de interesses, a luta pelo poder, a falta de bom senso, as divisões institucionais e/ou partidárias, o malabarismo de algumas individualidades, o ódio imperial, as injúrias infindáveis, e mais. Por exemplo, noutro dia li a opinião do Adelino Cardoso, “O Teatro pode acabar!”, e fiquei estarrecido com o cenário de divergências partidárias, apresentado ali como o reflexo das crises institucionais partidárias ou estatais reinantes no nosso microcosmo.

Durante a leitura de retrato do teatro pelo autor só me recordava das longínquas passeatas realizadas nas redes sociais, pelos infindáveis grupos e fóruns digitais, que, julgo eu, parecem autênticas rebeliões da facções. A pergunta que, necessariamente, se coloca é a subsequente: até quando tudo isto? Que lembranças são feitas da juventude de amanhã?

A verdade é que, enquanto homens que somos, a natureza, por si só, instala-nos numa e-polis (somos todos, socialmente, seres políticos, na medida em que nos preocupa a arrumação da nossa sociedade), mas o teto democrático, a liberdade de expressão (ou mais: as injúrias e violências), não aliena a nossa responsabilidade ou o nosso sentimento diante das ações consentidas.

Por isso, não podemos continuar a contribuir para a fomentação da paralisia democrática: temos que tomar a consciência, antes de mais, da verdadeira e-democracia, no reconhecimento da dignidade do outrem, tanto humana como religiosa. Quando uma ação maléfica é justiçada por uma outra, também má, deixa de ter razão: nenhum mal anula o próprio, só o bem.

F. V. Salvador

13 Comments

13 Comments

  1. Vera Marquês Cardoso

    18 de Outubro de 2019 at 22:17

    Tudo verdade! Hoje, em dia, as pessoas acham que podem dizer tudo nas redes sociais ou fazer o que lhes apetecem, instigando os outros também a fazerem, porque o país é democrático. Não pode ser assim! É preciso contrariar este tipo de pensamento que tem-se criado na nossa sociedade. Deus abençoe STP!

  2. Têla dóxi

    18 de Outubro de 2019 at 22:22

    Agora é assim: falhou comeu…país está novo.

  3. Povo pequeno

    18 de Outubro de 2019 at 22:26

    Tanto informar com verdade como anda pligu são duas facções, cada um tem defendido o seu partido. E o povo é fica no barulho…

  4. Pascoal Carvalho

    18 de Outubro de 2019 at 22:33

    Belíssima observação. Entretanto, é de salientar que o conceito e-democracia, é um fenómeno novo, tanto quanto o fenómeno redes sociais também o são. Cabe aos académicos estuda-los e direcioná-los em prol do bem caso contrário ambos proliferaram o mal generalizado.

  5. Quá télá

    19 de Outubro de 2019 at 23:26

    Muito boa opinião. Quando uma ação maléfica é justiçada por uma outra, também má, deixa de ter razão: nenhum mal anula o próprio, só o bem. Só que o povo está deixar ser teleguiado e não tem percebido isso. Abraço e continuação.

  6. Valter Nascimento

    20 de Outubro de 2019 at 21:05

    Acho que o governo devia criar leis, juntamente com a AN, que punem os crimes cibernético! Um belo artigo

  7. Pedro Araújo

    21 de Outubro de 2019 at 7:45

    Muito bom artigo. Concordo quando afirmas que o mal não deve ser pagado com o mal. A nível da política, é isso que acontece, cada partido que entra tira todos que não são do seu partido, independentemente, de qualidade que a pessoa tenha ou possa dar para o crescimento do país. Em cada eleição, o país volta ao princípio de tudo, porque trocam as pessoas dos cargos. Tenho dito.

  8. Liberdade do povo

    21 de Outubro de 2019 at 10:25

    O país é democrático, todos têm direito de expressão, seja no Facebook como na manifestação. Se o governo não dá condições aos cidadãos de desenvolvimento, empregos, médica e medicamentosas, ou mesmo quando a vida dum cidadão se encontra em risco, temos que fazer barulho, temos de nos manifestar, quer seja com este atual governo quer noutro, que estiver. Cidadão podem, muito bem, manifestar-se. Ou voltamos ao regime ditatorial que estava o país a caminhar ou viveremos a democracia que prometeram na campanha.

  9. Rircardo Pereira Mendes

    21 de Outubro de 2019 at 11:09

    Povo de São Tomé já não está mais de olhos tapados, quem não trabalha bem, vai de onde veio. Nós vamos continuar a fazer manifestação sempre que alguma coisa tiver mal. Se quando o então governo foi assim, com este também será o mesmo. Povo põe povo tira, quem não aguenta que se afasta.

    • Carlos Fernandes

      21 de Outubro de 2019 at 14:23

      Povo tem direito de se manifestar, desde que seja legal e forma ordeira. Porque incitação à violência não nos levará a lugar nenhum, antes pelo contrário, só irá manchar está nossa bela ilha. Bom artigo

  10. Eduardo Maquengo

    21 de Outubro de 2019 at 14:27

    Bem apelado. Continue assim que o país agradece. Precisamos de pessoas que despertam os jovens das ações maléficas…

  11. Felisberto

    21 de Outubro de 2019 at 17:50

    País está dele male, male, male.

  12. Aquilino da Costa

    21 de Outubro de 2019 at 22:50

    O artigo está muito bem feito. Mas, para nossa realidade, isso não conta. Aqui todos têm o rabo na estrada e por isso não cada um aproveita o seu tempo. Essa coisa de luta contra corrupção é coisa que tem prazo. Safa quem puder e espera as eleições. Pronto falei.

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