Opinião

45 anos – a fonocinematografia de uma Pátria nova.

 

 Há um poema de Alda Espírito Santo que diz: “Silêncio na rua, silêncio nas almas/ Um minuto de silêncio angustiado/ Repicar de sinos na aurora dos tempos/ Um silêncio reverente/ Para a página do futuro”. É possível os são-tomenses terem sonhos? Ou terão de permanecer, sempre e agora,imovediços,nesse silêncio que receia, que teme, a página do futuro?

“Prometeram-nos liberdade e acabámos mais vigiados que nunca. Prometeram-nos igualdade e acabámos divididos em castas. Prometeram-nos paz e acabámos a viver em guerra connosco mesmo. O cerco fechou-se” – os são-tomenses sabem isso. Revisitemos a nossa história, depois do drible ao colonialismo. Em 12 de julho – o dia em que se iniciara, supostamente, a escrita para a nova página do futuro – do ano da graça de 1975, ouviu-se dizer, em tom independentista,que, capazes,construiríamos “uma pátria nova”, em que os seus homens seriam felizes.

Que homens felizes! É certo: erguemos um Estado-nação, embora acomodados e se contentando em comer ociosamente da mão daqueles que dizem “querer-nos sustentar”,desenhamos e pintamos as cores da sua bandeira compusemos em vozes, tonitruantes, um cântico de louvor, entoando solenemente a “independência total”; porém, quem são os homens felizes? Aqueles que, desde a euforia independentista, estão ligados aos antídotos para a sobrevivência? E, que souberam viver, porque os pobres aprendem a ser gestores de uma pequena empresa? Então, valerá a pena uma passeata, a pé, pelas ruas do nosso Estado-nação, desde pulmão da capital até às antigas Fazendas de cacau e café! E, se quisermos, mais além…

Quando dissemos aliás que queremos uma “pátria nova para todos os homens” e que, por conseguinte, estes fossem felizes, queríamos dizer: todas as pessoas, toda gente, todo mundo?Se sim, então, não podemos continuar a construir esta pátria a pensar como um talionato, seguindo a lógica do Talião. Porque“aqueles que nunca mudam de ideias nunca mudam nada” (Winston Churchill). Por isso, é urgente que saiamos deste dogma tradicional forense!É urgente que deixemos de justificar o nosso esforço com o mal alheio!É imperativo que arrebentemos bolha que nos encobre e sairmos dela! Pois, só saindo da lógica estreita da retribuição partidária, é possível conciliar uma pátria nova, para todos os homens, sem exceção,livres e felizes, e o seu almejado desenvolvimento.

Assim, e assim só, se construirá um Estado-nação, onde todo o seu povo, desde as crianças que nascem, passando pelos jovens e adultos que sonham o futuro, aos idosos que esperam por uma morte condigna, se sentirá inclusivo, como a sua pertença realmente. E, para que não fiquemos somente no simulacro de democracia, também, é preciso que icemos os nossos próprios recursos, quer humanos– apesar do fanatismo ideológico ou militância partidária de cada um – quer naturais. Os nossos recursos também são rentáveis, se se forem passados por uma refinaria!

A par disso, pensemos, como exemplo, num protótipo que nos possa alavancar do atoleiro económico em que nos encontramos, tendo em conta a configuração geoclimática que nos envolve. Que figurino de desenvolvimento económico temos para a nossa pátria? Isto, dito claramente: o que temos feito para a nossa autonomização – o que se tem feito para que a nossa liberdade não seja só, absolutamente só, quimérica? O problema candente será sempre o mesmo: se não fizermos coisa alguma para obstar esta realidade que nos asfixia, sem defesa hercúlea, sim, já sabemos, seremos in-dependentes, mas não livres, estaremos atados à esta escravatura da dependência e da ininterrupta derrapagem, decadência, que trazemos nas costas.

Na esteira das considerações até agora desenvolvidas é fácil chegamos a uma conclusão quase obrigatória, porque quase sempre é assim. “Quando se vive a ideologia da vingança, acaba-se por ter a mesma mente do assassino!”(Manuel dos Santos).O estratagema usado por W. Churchill, então primeiro-ministro britânico, para defender o seu país da invasão alemã, durante a segunda grande guerra, ou o testemunho de N. Mandela, após a sua saída do cárcere, enquanto líder sul-africano, por exemplo,será que não são estímulos que pudessem mudar a nossa maneira de pensar e de agir e de governar?

Todos temos que ajudar a nação a reerguer desta situação periclitante em que se encontra (“A bamu zûda Santomé”)! Porém, cada um deve oferecer aquilo que tem, no sítio certo, isto é, no âmbito da sua competência. Porque, passado o tempo, a fonocinematografia parece ser a mesma: ruidosa e recoberta de névoa. E, esta nuvem escura somente tem nos encobertado, porque “o amor pela família é maior do que o amor pela pátria e eles metem os seus parentes nos cargos” (Francisco PP), constituindo assim algumas corrupções no governo.

Por fim, no porém, passados os 45 anos, não podemos edificar uma pátria à luz deste habitual ensombramento. O desenvolvimento do Estado-novo não atingirá o seu ápice enquanto o nosso pensamento for antigo, velho e caduco,enquanto aqueles que reclamavam da opressão tornarem-se, eles próprios, opressores e oprimiremos outros deste árduo processo de erguimento do tão sonhado Estado!

Pensando assim, nunca passaremos para a página do futuro, agora e mais diante, sem este silêncio caliginoso, versejado pela nossa memorável poetisa.E, para que o nosso dia-a-dia não continue sendo,sempre,cinzento-escuro e friorento, temos que aprender a descodificar os tais pensamentos, antigos e demagógicos, tomando “cuidado com os políticos que fazem dos nossos sentimentos um instrumento de poder” (Z. Bauman), repensar o tipo de governação que queremos, elegendo um líder idóneo e comintelligentsia capaz de no futuro possibilitar o eficaz desenvolvimento da nossa“Terra sonâmbula”. Assim, sim,conseguiremos ser isso mesmo: Estado-nação, aliás Pátria nova, onde todos os homens serão livres e, até, felizes.É um sonho. “Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro” (Mia Couto).

Ass.: Francisco Salvador

(o homem descalço, mas de sorriso verde)

1 Comment

1 Comment

  1. 45 anos da independência

    7 de Julho de 2020 at 13:39

    Repensar e corrigir…

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