Opinião

Resolvam o vosso problema!

Semelhante expressão recorda-me uma narração cinematográfica, a qual se deu o título de“Adú”(publicada em 2020 e encontra-se disponível na plataforma digital da netflix). O filme é longo, tão longo quanto aquilo que tem de profundo, e suscita um debate político e social impossível de se negar. A história, mais e ao menos, gravita em torno de Adú, uma personagem central, interpretada pelo autor beninense Moustapha Oumarou.

Trata-se de um miúdo, com o tom de pele genuinamente africano, porventura dos seus sete anos, que perdera a sua mãe à mando de contrabandistas de elefantes, e que vê, de seguida, e numa tentativa de fuga, a morte da Alika (ou, então, Ali como ele prefere chamá-la), a irmã que lhe sobrava. Embora tenha perdido tudo, que é precisamente a sua família, a vida lhe oferece um novo laço familiar.

Mais tarde, estando numa esquadra policial, e por motivos distintos, ele encontra o Massar, um jovem desconhecido que lhe estende à mão, e dali fogem levando o sonho de qualquer migrante: a procura de melhores condições de vida. Neste contexto, abre-se a paisagem de um outro cenário fílmico, e igualmente dramático.

Recordemo-lo brevemente: um grupo de polícias, fortemente armados, tentam impedir alguns migrantes africanos que procuram ultrapassar um enclave numa região espanhola. O clima é de tensão entre o desejo daqueles que querem veros seus sonhos se tornarem reais e a afirmação de uma lei que mata, de uma lei aliás da negação e indiferença.

Nesta demanda, um dos migrantes cai da cerca para o chão e morre. E mais repugnante ainda, não propriamente pelo realismo da expressão, mas pela falta de empatia para com o outro que necessita de ajuda, talvez seja o que se disse depois disso. Uma antipática expressão: “Resolvam o vosso problema!”(Dito que ressoa-nos  sobre modo aquele gesto de indiferença de Pôncio Pilatos, o conhecido juiz romano, que durante os capítulos finais da vida de Jesus histórico, simplesmente lavou às suas mãos).É só uma expressão inserida pelo cineasta espanhol Salvador Calvo, dir-me-iam. E é verdade. Uma coisa, porém, agora é clara: é um filme que renarra aquilo que, sistematicamente, nos tem acontecido no real da vida, tanto ontem como hoje.

Recorda-me o vídeo que uma jovem amiga e conterrânea partilhou comigo na sexta-feira passada. A violência é extrema e as imagens pasmaram-me. – Um asqueroso testemunho da maneira como a polícia espanhola recebia, curiosamente, os jovens migrantes africanos nos últimos dias, na cerca fronteiriça de Melilla. Pareceu-me revelador dum sentimento total de indiferença pelo direito humano. Pelo serPareceu-me, aliás, um desrespeito absoluto para com o ser que partilha da mesma espécie.

Na verdade, estas imagens não deixaram sem som algumas vozes dos apologistas de direitos humanos. Oiçamos, a este propósito, o que Virginia Álvarez, uma especialista em refugiados e migração da Amnistia Internacional de Espanha, advoga: “Enquanto acontece a guerra na Ucrânia, os migrantes dentro das nossas fronteiras estão a ser punidos com extrema brutalidade”. E daí pergunta-se: é deste modo que queremos acolher as pessoas que também estariam a fugir de possíveis conflitos, de guerras ou de perseguições? E nós, africanos, já nos perguntamos o que podemos fazer internamente?

Independentemente da resposta que se dê a estas perguntas, que não nos esqueçamos disto: Resolvam o vosso problema! Boa reflexão.

Francisco Salvador

1 Comment

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  1. Célio Afonso

    25 de Abril de 2022 at 7:24

    O título encaixa que nem uma luva na mente e ação dos políticos de STP

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