Opinião

Um amor que não definha

Ficou na cabeça de muitos o adjectivo para este capítulo (quase) sombrio da nossa história: “atípico”, ou seja, aquilo que se afasta do normal. Para ser fiel a realidade, com a aparição desta doença da moda, e com toda a sua mutação e, por conseguinte, resistência as vacinas, o mundo teve que se (re)adaptar a nova forma de convivência. Porque a perspectiva de um regresso a normalidade a médio prazo permanece ainda adiada. Parece que temos que dar nova orquestração, novo arranjo aos nossos festejos familiares… E ainda bem. Não obstante as ginásticas que se têm feito para congregar pessoas próximas, este tempo parece assumir, cada vez mais, aquilo que se vai reflectindo entre nós: afastamento.

Por isso seria justo também reafirmarmos que vivemos um tempo de afastamento. Todavia, o tempo de afastamento aparece transformado em tempo de uma presença durável. A presença de Jesus na história(“E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós”, assim diz o apóstolo João: cf. Jo 1, 14). Uma presença com mais de dois mil anos de garantia. É verdade. Digam o que quiserem dizer, mas a verdade está à vista: sem a luz desse amor, a humanidade seria uma autêntica escuridão. Apenas isso. Creio que o evento da “Humanidade de Deus ou Divindade do Homem “continua a ser o motor da nossa história. O facto, não propriamente a data. Trata-se, antes de mais, do mistério de um amor divino. Pelo menos assim o afirma o crente à maneira dos discípulos de Cristo.

Se reparamos bem, os textos evangélicos insistem muito nisso: o amor de Deus pelo homem foi de tal modo que Ele quis entregar o seu Filho único gerado – cf. Jo 3, 16. Excesso de amor. Neste sentido, ocorrem-nos as palavras de um poeta (William Shakespeare, creio eu): “Amor quando é amor não definha/ E até o final das eras há de aumentar”. Porque o verdadeiro amor, sem dúvida que assim é: sem limites. “E por dentro do amor, até somente ser possível amar tudo, e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor”, como escreveu o poeta Herberto Helder.

Talvez o amor seja a coisa mais simples que precisamos reaprender. A partir daí, sim, seremos capazes de retornar o sentido do Natal. No poema onde Tolentino Mendonça explica as coisas tão simples que talvez seja preciso aprendemos, ele escreve o seguinte: “Para haver Natal este Natal/ Talvez seja preciso recordar/ Que as vidas começam e recomeçam/ E tudo isso é nascimento (logo, Natal) /Que as esperanças ganham sentido/ Quando se tornam caminhos e passos. /Que para lá das janelas cerradas/ Há estrelas que luzem/ E há a imensidão do Céu”. E, no final, ele afirma:

“Talvez nos bastem coisas/ Afinal tão simples:/ O alento dos reencontros autênticos;/ A oração como confiança soletrada;/ A certeza de que Jesus nasce em cada ano/ Para que o nosso Natal, alguma vez, esta vez, seja Natal!”. Por isso o nosso Natal não pode ser adiado nem tampouco proibido. Santo e feliz Natal e um novo ano cheio de possibilidades de realizações!

Francisco Salvador

2 Comments

2 Comments

  1. Natal é amor

    26 de Dezembro de 2021 at 22:49

    Como sempre, um artigo muito bem elaborado. Parabéns, meu caro!

  2. Salma Guadalupe

    7 de Abril de 2022 at 11:44

    Escolhi dizer que admiro a sua autoconfiança, o seu talento, a sua capacidade de criar outras realidades. Meus parabéns!

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