Opinião

Mama Tinga Tinga 

Tudo começou na minha infância, uma infância africana, nos Camarões. Durante as festas de Fim de Ano, esperava ansiosamente pela chegada do Papai Noel, com os seus maravilhosos presentes. Ainda me lembro da primeira vez que o vi, em carne e osso.

Ele era um homem alto, de pele escura, com uma barba postiça, mal ajustada. Eu o vejo sentado na poltrona preparada para a ocasião. Não muito longe dela, havia uma árvore de plástico, mal decorada. Lembro-me então de ter sentido um misto de medo e constrangimento: algo não estava bem com esse Papai Noel. Foi muito diferente daquele da TV.

Fiz então uma descoberta que mudou tudo: em muitos países do mundo existem personagens além do Papai Noel que também distribuem presentes para as crianças. Por exemplo, São Nicolau, em França, a bruxa Befana, na Itália ou Ded Moroz, na Rússia. Cada vez, esses são personagens, enraizados no seu ambiente cultural.

Então me perguntei: “Por que não criar um personagem que distribuísse presentes para crianças na África, na véspera de Natal e que fosse adequado ao seu ambiente cultural?

Por que não criar um personagem que para os filhos da África e do mundo, seria a encarnação de uma África radiante, generosa e maravilhosa?

Assim nasceu a ideia de Mama Tinga Tinga…

KAM L’Enchanteur, o criador de Mama Tinga Tinga

Os retalhos de Mama Tinga Tinga desprovidos de alegria e “bagunça” infantis doutras temporadas de São Tomé e Lisboa, assumiram, no espontâneo, a luz intermitente, na noite de sábado, 25 de Dezembro com a chuva que há mais de 24 horas, não silenciava de cair gelada. Num namoro à neve que não tardará a esmagar o calor, interior, mas que ao longe, já faz delícia das montanhas esbranquiçadas dos Alpes, deslizadas na noite anterior por Papai Noel, cheio de presentes e arrastado desde a Finlândia pela rena, dei-me então com o camaronês Kam, na entrevista ao canal televisivo Le Monde, realizada por um outro africano francófono.

A vida de cura espiritual, dita trégua natalícia, mas nada circunstancial de análise que rasure, politicamente bombardeados, os antigos Presidentes Pinto da Costa e Fradique Menezes, para 2021, não lhes fechar, em branco, antecederam a lavagem do Ano com duas merendas aos são-tomenses. O primeiro, num pé de “rumba”, replicou o Diálogo Nacional, enquanto o segundo, mestiçado na “puíta”, levantou poeiras no “bolo-de-arroz-de-Japão”.

Os são-tomenses, expostos às zangas de comadres, apesar da necessidade de Consenso Nacional para discutir e entender o país ao desenvolvimento, deveriam, nem que fosse no “cambalacho” enraizado, eleger a parábola de Fradique Menezes, a cantiga do Ano: “Ele ganhou, foi juízo. Vai fazer advogacia! Telefonei ao Primeiro-ministro e disse … Então, o arroz ganhou? Sinceramente!

A enxurrada prolongada e de dias com o registo de memória, mais de três décadas, em São Tomé, seguida de deslizamento de terras, inundação, destruição de pontes, estradas, bens comerciais e residenciais com vítimas humanas, a lamentar, demonstrou, hoje, a necessidade de convergência de ideias, num projeto único, entre as instituições, para melhor direcionar o rumo do país e seu povo. De pouco vale identificar os culpados, o Governo, as Câmaras Distritais, o Instituto Hidro-Meteorológico e a Proteção Civil, embora não previssem a pluviosidade, a limpeza de esgotos e circuito de correnteza de “água-mato”, bem aos olhos do palácio presidencial, deve ser de continuidade permanente. A ajuda da diáspora, neste momento de Calamidade, faz toda a diferença e, óbvio, aos mais atingidos, reergue-lhes das cinzas. Para tal, reclama-se a conta bancária.

O jogo do Homem e da mãe Natureza, tem exibido fenómenos estranhos, alguns evitáveis, outros nem tanto, mas com o denominador comum, as alterações climáticas, resultantes da intervenção humana, que por todo o mundo, o ano a se despedir, vai deixar um sabor amargo, em muitas garrafas de champanhe. Alemanha, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, a carga de água para meses de Inverno, em poucas horas de Verão, levou mais de cem vidas humanas. América, África e Ásia, não só os países dos trópicos, a chuva tem escrito páginas de aflição e mortes.

Não obstante mais esta desgraça, é urgente reclamar dos decisores públicos, régua, esquadra e cérebro na tomada de decisões perante uma outra ameaça. Ninguém deve ter em mente outra doutrina, senão almejar, ao Chefe do Estado, Vila Nova, que vai na carruagem bastante atrasada, logo após a lavagem da consciência na piscina privada, no Primeiro de Janeiro e receção de Boas-vindas do Ano, a vir liderar, com urgência e inteligência, a campanha Nacional de Vacinação anti-Covid para a imunidade dos são-tomenses, um povo habituado às vacinas.

O país no faz-de-contas e na impunidade política-cultural, institucionalizada, a assobiar quem usa máscaras, de fantasmas, após os afetos de diáspora, em férias, turistas e uns certificados, falsos, não sairá bem na fotografia, a vir jogar ao lixo de céu aberto, em Penha, as milhares de vacinas doadas pela cooperação internacional, que deveriam imunizar o país, tornando-se o mais bem protegido do mundo, com anti-corpos, como relance económico do turismo.

Já não resistem as dúvidas de que a vacina, não só evita as formas graves da doença, mas também evita a hospitalização, deixando aos médicos, enfermeiros e todo o corpo técnico, a livre estrada de salvar vidas para com as outras urgências em Saúde.

Para fazer a variedade, sem perder o rumo continental de Mama Tinga Tinga, mais em baixo, a água que dobrou e projetou o caminho e os conhecimentos de navegadores europeus, para lá do Indico, ao contrário da fanfarra da terra leve-leve, não vergada aos nacionalistas, recentemente, o país perdeu o médico Guadalupe de Ceita, sem honras, nem simbologia.

Ao jeito da época, os nacionalistas deram vida e libertaram a África portuguesa. Curvo-me ao presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, quem profundamente, no último domingo, 26.12.2021, condoído, partilhou ao mundo: “Em nome de todos os sul-africanos, lamento com profunda tristeza a morte de Desmond Tutu, uma figura essencial na história do país. A morte do arcebispo emérito Desmond Tutu, é um outro capítulo de luto no adeus de nossa nação a uma geração de sul-africanos excepcionais e que nos deixou um país liberto”. Memorável! Elegante! A morte, aos 90 anos, do Libertador com Nelson Mandela dos Negros, Inspirador da voz sem voz, Reconciliador multicultural e Prémio Nobel da Paz, espalhou-se e curvou as altas personalidades do mundo inteiro. Descanse em Paz, arcebispo anglicano Desmond Tutu!

Para atenuar o ódio, o ciúme e o complexo, não teria ficado bem à Nação de Amador, o mundo ouvir do Presidente da República, Vila Nova, Presidente do Parlamento, Delfim Neves ou Primeiro-ministro, Bom Jesus, os três políticos, sem culpas no cartório de 1974/75, o anúncio da morte de doutor Guadalupe? Os admiradores internacionais do prestígio científico do médico, apressariam em fila indiana, a apresentar aos são-tomenses e à família do malogrado, as profundas condolências.

Com a caneta no ritual, vale endereçar à família e aos familiares de Idalécio Trigueiros e Maria João Guadalupe, a Mamy, falecidos em Portugal, nos finais de Outubro e no início de Dezembro, respetivos, o profundo pesar de condolências. Por outro prisma, chegou-me da Trindade, a triste notícia do falecimento, ontem, da senhora Feliciana Neto Lima, conhecida por dona Eugénia, a viúva do professor Manuel da Trindade Sousa Pontes, o posterior patrono da minha escola primária, Berta Craveiro Lopes. Aos filhos, netos, bisnetos e demais familiares de dona Eugénia, quem eternamente prezo elevado respeito de estima, as sentidas condolências.

Com o holofote em São Tomé e Príncipe, nesta época de corta-fita anual e no pretexto ideal de dar voltas ao mundo de braços apertados à Mama Tinga Tinga, ninguém ousa queixar-se da falta de tempo, a não ser de barriga cheia, porque nenhum só compromisso, reclama dinheiro nas ilhas.

Do jeito dos patos que se atreviam, de fato de gala, a furar as faras dos salões do mítico e antigo hospital-maternidade, Associação de Socorros Mútuos, para a juventude riscar o chão com as músicas estrangeiras, as alterações climáticas fizeram-se convidar, antecipadamente, também com conjuntivite, provinda do vento de Saara, habitual só em Janeiro, a desfigurar os rostos e avermelhar os olhos das ilhas, sem qualquer freio médico. Já em “côbô d’awa”, os danos de Covid 19 “Positive”, não são de brincar, impuseram a Quarentena familiar africana, por Dez dias seguidos.

Até o Five, um “triguê” aprisionado no apartamento, aonde desfruta do campo desportivo e de laser, deu sinais de não ter escapado de coronavírus. Por dois dias consecutivos, sem traquinices, andou em vómito pela casa. Ainda assim, o felino de dois anos, reclamou dos seus presentes, destruiu a árvore de Natal, cortou o fio das luzes e rasgou os embrulhos. Ele não tinha razões para a maldade. Dois dos volumes que espalharam caixas, papeis, plásticos, fitas e etiquetas pela sala, escondiam a máquina de barbear-lhe e a coleira de dar graças ao ar de rua.

A oportunista prenda de Natal, identificada em físicos juvenis femininos, espancados de dores, tosse seca, nariz molhado e “nadica” de paladar, logo na semana gulosa e mais esperada do ano, a quadra natalícia, não obstante estar toda a família na lista de espera do início de Janeiro, o reforço com a 3a. dose de anti-corpos, permitiu a espiritual viagem sem custo de bilhete ao mundo, mais fantástico de Mama Tinga Tinga.

Já para salvar vidas, os cientistas franceses que andam em corrida desastrosa por detrás da pandemia, quase descontrolada, a obrigar o governo do Primeiro-ministro, Jean Castex, em clamor, a apertar o cerco aos negacionistas, impondo passe-vacina, em todo o beco de prestação pública, não terão qualquer dúvida, de que sendo Alfa, Delta, Ómicron ou qualquer outra variante de coronavírus, a responsável pela Quarentena familiar “santola”, sem lenga-lenga, o caminho de contágio, leva-lhes inevitavelmente à Espanha, a proveniência da amiga juvenil.

A Ómicron identificada pelos cientistas sul-africanos, ao contrário do isolamento imposto à África, os estudos aprofundados, já vergam de que a descoberta da mutação, mais contagiosa e menos mortífera, é uma bênção de Mama Tinga Tinga. Abate a variante Delta, a assassina e a responsável de milhões de perdas de vidas humanas. Parabéns Mama Tinga Tinga!

Sem a medicação científica, serviu-nos o chá quente, coquetel de um castanho pálido de gengibre, açafrão, alho e cebola roxa com palha, limão verde e “fiá sun Zon Mayá”, receita enviada desde São Tomé e Príncipe pela Mãe Natal, para abater o vírus, apesar do amargo que nem os comprimidos anti-palúdicos, os copos no amanhecer e anoitecer, desceram pela garganta venenosa. As pacientes, com a lição de Mama Tinga Tinga, libertaram-se do cativeiro e assumiram as panelas de Consoada.

Em folga doméstica e de água na boca pela altivez da miscelânea euro-África da dupla, nada de “plêgida mufuku”, o crachá preguiçoso da maioria “daskenas” modernas que viajam aos estudos no estrangeiro, apressadas no código da Net, não se divorciam um só segundo do telemóvel, eu não hesitaria a convidar meio mundo, não fosse a Quarentena, à brilhante e humilde Seia africana com uma coroa de luzes, enfeites e flores da Elizé, no centro da mesa.

Em zona vermelha de risco permanente de hospitalização caseira de cuidados especiais à visitante espanhola, por  vezes, dei-me com o “Negative” em susto e prudência, a introduzir o pitéu pela máscara cirúrgica, em que os colegas profissionais libertos do incómodo de coronavírus, não se cansam de aborrecer com o exagero ritual africano de achar-se que, mascarado no quotidiano, fica mais protegido o exterior para vencer as mazelas, quiçá, pingar as lágrimas escondidas no interior da alma amamentada pela África.

Nunca é tarde. Recupera o caminho de volta aos braços daquela Mãe Negra, escrava e serviçal, hoje acamada, que batalhava dia e noite para retirar, como os pássaros, a comida da boca para alimentar aos filhos, dentre os herdeiros genéticos de um fazendeiro do Porto, que deu prosseguimento à assimilação portuguesa.

Aquela infância ainda não era comercial de fama, daí a espera pelo Menino Jesus, não nos roubava o sono, depois da Missa do Galo, na noite de 24 de Dezembro. Aliás, como esperar, se pelas duras batalhas das guerreiras, muito pouca iguaria pintava, lá na Baixa, a noite de Consoada? Contrários, os seus netos na Europa, passaram ao lado da Seia que mantém a mesa recheada de tudo que o frigorífico vem acomodando para de volta requentar o Fim do Ano. Com tanta fartura, os condimentos de “calulu”, o especial prato de Natal, também transferiram-se para o Novo Ano.

Nenhuma criança vizinha, nem as que sobrevivem dos naufrágios do Mediterrâneo, o cemitério que deveria criminalizar o liberalismo mundial, o saqueador da Mama Tinga Tinga, para alegrar a mesa e degustar dos mil e um sabores africanos adaptados à quadra festiva.

O milagroso Menino do lindo presépio que pintávamos nas escolas e na igreja da Santíssima, representado pelas madrinhas e pelos padrinhos, mas poucos, muitos poucos, passavam pelos quintais, na maioria dos anos, simbolizados em zero para enganar os sonhos, em realidade. Diferente das tecnologias da modernidade, não havia a curiosidade de muitos pedidos de presentes ao Menino Jesus. Eram simples, mas mimados.

Apenas dois presentes. Era assim que se chamavam as prendas do Menino Jesus. Presentes de Natal. “Askenas”, as afilhadas, o sonho da boneca. Os afilhados, o da bola. A exibição no bairro, dava jeito ao negócio de ocasião, por uns dias, com o aluguer da bola e também de batalha, esta sempre no estrito respeito e mimo ao rei, presenteado de Natal. Os jovens, sem exagero no álcool, nem cigarro no pulmão, pior, odor de cocaína, canabis ou outra droga, apesar das montanhas a escalar o dia-a-dia, não havia um só viciado para amostra, perdiam-se dias e noites em presentes poéticos de postar Natal no coração das namoradas, as lindas filhas de Mama Tinga Tinga.

O Paço Fiá Glêza, o concorrente ao Património Mundial, que pintava de tochas a Baixa da vila, mobilizava todo-o-mundo, não obstante, a vitória antecipada, pertencer a mesma família, aos beijos o tempo todo com a loja “di sô” Cabral, o restaurante-residencial Bó d’Jau e o “fundon” Sun Gido, aonde os Leonenses, mais tarde exibida pelo Pepe Lima, abrilhantavam os corpos de casais nas noites festivas para o Plakyny, em guerra com a GNR, estragar a tuna.

Após a condecoração do mais aprimorado Paço, o Governador seguia o rumo ao Mouro. A criatividade em pormenores, a Torre da Catedral, a grande Cruz no Céu, o Altar e a Sacristia – bocas pecadoras, acusavam um ou outro padre português de por lá, no lugar Sagrado, ao invés de pedofilia, servir-se da carne e do peito em pé “daskenas” e de donas casadas – o chão de barro vermelho, o musgo, a folha-igreja, os frutos, a Estrela Polar, o presépio com os míticos, a Maria, o José, o Menino, os pastores, os animais e os Anjos, eram encantos de um arquiteto, em que os concorrentes corriam por detrás do Rita, o filho mais novo das habilidades da família vizinha.

A comitiva do “Presidente” das ilhas, integrada por duas orelhas provindas da Metrópole que exerciam a Ordem Geral, administrativa, financeira, sanitária, educacional, militar e policial, relegando a economia e o comércio ao mando dos fazendeiros e comerciantes, adoçavam os não premiados com rebuçados e chocolates de engolir em seco a saliva do tempo.

Vasculhado a Mama Tinga Tinga, obra do camaronês Jules Kamga, afinal vem desde 2014, mas sem qualquer contágio à África, para qual a criatividade se destina a adaptar a Mulher, a Mãe, a Rainha africana, a alimentar o Natal das crianças do continente, há mesmo a necessidade de tanta paródia?

A força matriarcal, ostentada pela mulher africana, simboliza os esforços de criação, reinvenção e sacrifícios de carregar as costas gerações inteiras. Qual o dispêndio em lhe homenagear na quadra Natalícia e de Família com a iniciativa de São Nicolau que espalhava pela Turquia, os presentes católicos de caridade e afinidade pelas crianças da época?

As ilhas de “rumba” adaptadas pela canção de Natal dos irmãos, Calema, gozam do privilégio do meio do mundo e de embarcar para lá os sonhos de partida, porque não, as escolas, a imprensa, o comércio, os hospitais, as ruas, as casas e o mundo todo, no proveito da revolução digital, a partir de 2022, não se apropriarem de Mama Tinga Tinga?

Mama Tinga Tinga, a Bantu, transporta o vermelho de luz, o amarelo no brilho e o verde na esperança da Mama Natal da África.

Festas Felizes e um Bom Ano!

José Maria Cardoso

29.12.2021

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