Opinião

Quinta da Ellyzé – Fôlego da tradição

Kidalê ô! Kidalê ô! Ellyzé morreu mesmo!? Como vocês estão en, minha gente? Kidalê ô!  Criaturas de Deus! Kêi ôôô!

Três disparos originais da sirene são-tomense em contraste à gestão europeia persuadiram silêncio ensurdecedor à trágica madrugada inglesa. Maré da mãe, a subir e descer com gemer de ondas insuficientes de quebrar e atravessar parede de betão francês, de surpresa, viu-se abastecida de profundez da terra sagrada.

Sem previsão climática, corrente fluvial de Água Grande transbordou-se da Trindade à capital com provas evidentes de tradição, costume e cultura do povo a escapulir-se do Atlântico para beijar Mediterrâneo, o mar grande e maior cemitério da Humanidade em estúpida, louca e moderna fuga de riqueza da África ao encontro da morte mesmo aqui aos olhos da civilização.

Qualé monstro com brutalidade foi capaz de matar vossa filha, nossa Ellyzé? Kidalê ô! Kidalê ô! Kidalê ô!

Até chegada do primeiro socorro aos gemidos da aurora francesa, longos minutos deixaram-me escutar profundo silêncio da casa. Encontrávamos os três, pai, mãe e filho sem palavras e na leitura calada às primeiras páginas do livro sagrado da tragédia vinda da meia-noite, aquando quase luzir de sábado abandonei prisão de perca da filha-mulher. Saltei um, dois metros.

Deixe-me contar, um, dois, três, quatro. Na infância, aí de mim se fizesse contagem nos dedos. Minha mãe-analfabeta daria serviço à colher de madeira em perseguição aos dedos de mãos. Ela jamais permitiu acerto com sala das mãos. Acreditava de que por lá se lia destino o qual não havia alguém a rasgar com colher de madeira ou outra arma doméstica. Bastava-lhe chicote-de-mulher a arder pele e coração ao mínimo desvio ou ensaio de rebeldia adolescente.

Cabeça é que conta tabuada! Recomendava ela, quem do tempo das mulheres sem acesso à  “abcidade” para interpretar português e sem noção de democracia, política, partidos e contraditório democrático, sentia a mesma dor de vizinhos com que mantinha relação recomendada de família. Quase dez metros, os passos de prisioneira cadeira da sala de jantar atravessarem-me sala de visita para alcançar porta de entrada no “hall” do apartamento de “Blackiére”.

A informante londrina apenas foi aos confins de que peritos da ciência forense inglesa conversaram com cadáver juvenil feminino-mestiço e decidiram que autópsia, demorados seis meses, haveria de decifrar-nos sinais de morte dos órgãos internos longes de atingirem idade de gestão adulta, trânsito e desgaste à velhice.

Ainda de madrugada, médica forense libertou corpo à morgue da prateleira frigorífica sem que um só vizinho britânico metesse cara ou coscuvilhasse boa vizinhança e o mais pertinente, desse alguma pista ou suspeita de investigação à polícia criminal.

Nisto, por mais aborrecida leitura à tradição, seria péssimo deixar escapar à mim controlo emocional do luto. No embate com profundo clamor da terra, abafei lábios da minha cunhada francesa, visivelmente diferentes da personalidade e rotina de algazarra embelezada de afeto transportando colunas sonoras de sentimento real pela bomba que ceifou vida juvenil à Ellyzé, a finalista britânica.

Na Europa vizinhos não ouvem e nem se apercebem gemido ou grito da dor de morte do vizinho da porta vis-a-vis ou paredes de muro. Então! Porquê fazer novidade explosiva na madrugada de choro africano ao ponto de despertar vizinhos em sono de fim-de-semana?

Ainda assim, anúncio de pedido de compreensão com foto da jovem defunta muda e calada que publicitamos à porta de entrada do prédio e no acesso ao corredor, na previsão de que a qualquer momento invasão são-tomense de orelha de indivíduos à região mediterrânica, respondesse tempestade a correr com notícia em todos pontos cardeais, encontrou estranha receção franco-árabe. Há peripécias a resistir partilha no momento fúnebre.

Para nosso espanto no decorrer de sábado, ao invés de atrapalhar cérebros, algumas mensagens de pêsames colaram ao anúncio e envelopes, na nossa caixa de correios, expressaram vocábulos de solidariedade à treva são-tomense. Expostos à corrente de povos do “cartiê” francês inovamos de que morte escrita em letra e sombra solene, exerce efeito de luz idêntica entre povos com lucidez e amor. Havia mais de aprendizagem.

Há respeito universal pelos defuntos ao que viemos compaginar desde o dia do caixão atravessar Londres até confiarmos o corpo juvenil ao calor para cima de 1000º graus do crematório. Nas ruas mais vagarosas, autocarros ingleses guiados por pretos e mulheres, estas de lenço árabe e viaturas permitindo-nos prioridade, associaram-se aos peões londrinos a parar e exibir cruz ao peito e uns citadinos levantaram-nos chapéus de respetivas cabeças, algumas carecas.

Ainda que léguas e léguas de Equador, caiu-nos queixo outra nobreza inglesa dedicada à Ellyzé. Pássaros e plantas deixaram de cantar e dançar com vento em pausa no Polo Norte. Nuvens de cara bruxada a esconder sorriso ao Sol também não pingaram chuva britânica de molhar lágrima africana.

Sem destilar que minhoca venenosa possa transtornar mente humana, imbecilmente transfigurada por razões banais, envelope obscuro, degraus a escalar, suspeitas passionais, diversão ou até valioso contraditório de ideias, em que faço peito à bala, pé atrás de pé a ensaiar sentimento percetível de acidez, predispus-me ao banco de réu da aurora.

A carregar culpas todas por arquivar no coração arma do crime, fraqueza humana induziu-me em erro sem juízo para com a diretiva social, “homem não chora”. No disseminar de horas, depois semanas, meses e tempo inteiro, por coisas menos acessíveis ao coração cerebral, traidoras lágrimas bastante soberbas fazem-me de figura triste, por vezes perante público a enrugar sobrancelhas.

Caiem copiosas dos olhos de barão para minha esposa, submissa ao repentino e soberbo quilo, esbofetear-me com energia de esconder dor da filha. “Pare! Mundo não vai sentir nossas lágrimas!

Mas há criaturas pré-destinadas por Deus para traçarem propósitos por mais que passagem seja curta. Ellyzé luzidia parece ter deixado tudo escrito num canto qualquer de emoção humana. Agência britânica após ultrapassarmos embargos financeiros, administrativos e fronteiriços, próprios da família que inaugurava e quebrava dentes com duro caroço da segunda aventura migratória europeia, não muitos anos estreada, mexeu com calendário das ilhas.

Havia decidido funeral são-tomense para dia ao que viemos mais serenos desparafusar dúvidas da coincidência, dizia, Dia Grande das Mulheres São-tomenses, 19 de Setembro.

Sem mais corrida contra-tempo, evitamos comunicar London Metropolitan University que prometeu assumir estudante exótica como propriedade eterna e de notabilizada presença de mestres ingleses e colegas da defunta no cemitério. Todos privilegiando elegante memorial e narrativa à personalidade contagiante cedida pela antiga universitária, não lhes anunciámos de que chegou hora de regresso da Ellyzé à África deveras vezes acarinhada por ela e almejando sonhos radiantes.

Boca-entrega-boca, delegação e mais delegação de laço humanitário são-tomense, cabo-verdiano, guineense, angolano, nigeriano, brasileiro, boliviano, português, francês, espanhol, alemão, inglês, árabe e fisionomias à quem lágrimas não leram identidade, distinta e tatuada ao nosso coração para eternidade por comparência à dor dos pais da Ellyzé quer em Inglaterra, quer em França como na “finta” e nas mensagens digitais ou nos telefonemas longínquos, cremos que fresca ventania de “gravana” há-de banhar-lhes notícia do encerramento de luto físico na terra natal.

Após desvios e curvas perigosas nos vários imbróglios incluindo insólito atrevimento de Covid 19 exercendo efeitos, não só de prisão compulsiva dos humanos por um mês, mas com castigos severos e desastrosos na agenda financeira mundial, eis nossa presença em Lisboa viva.

Ver para crer ao São Tomé. No quintal de morte, não somente havíamos lavado mãos de cemitério londrino com pratos da terra, copos, café e cheirinho, mas conversa estica aos pormenores. Cidade e periferias lisboetas completamente extravagantes propositada pelo divino e pela fé católica deixam passar urna da jovem Ellyzé com cantiga dos povos.

Patinhos de amarelo vivo em maioria e também símbolos de países em grupos da juventude e todas faixas, línguas e idades cruzam e pintam cada esquina, semáforo, estação, comboio, metro, autocarro, táxis, restaurantes, lojas, hotéis, escolas, rádios, jornais, TV, cada fado de Lisboa.

Uma alfacinha mais velha colada aos meus ouvidos cantou: “Para quê trouxeram essa gente e confusão à Lisboa?” Fui-lhe afável. Ponte entre povos de fé católica e movimentação de economia portuguesa. Embora tempo ameno e de vento a abrandar calor, não descongelei descontentamento da interlocutora perdida na avenida de acesso ao Marquês Pombal, radicalmente deserta de viaturas.

Sem anunciar nossa especial missão enlutada que não haveria de acontecer num outro momento decidido pelo divino que não fosse cruzamento dos povos do mundo com insígnia JMJ 2023 Lisboa nas t-shirts, nos bonés e olhares até dos sacerdotes, fomos jogando olá aos quatro cantos do mundo com que recolhíamos dentes e sintomas da felicidade.

Mexicanos, colombianos, italianos, espanhóis e franceses aos milhares e milhares, assaltaram Lisboa com oração, alegria, batuque e danças contagiantes. Ameixoeira viu passar da nossa janela peregrinos alemães a carregar grande bandeira.

Os sul-coreanos em todos cantos lisboetas, minhas meninas abriram-lhes sorriso e diálogo com língua de K-Pop. Vesti-me de ciúmes. Para quando músicos elevarem à juventude mundial crioulo de “rumba” das ilhas? Após João Seria e África Negra, Calema ajusta-se ao itinerário. 

Embora agenda bastante remexida à cidade ao meio gás administrativo para encerramento, por completo, a partir de hoje até segunda-feira, tudo apostamos para pegar manchas das quase setecentas ovelhas enviadas por São Tomé e Príncipe ao encontro com Papa Francisco, mas nada.

Notícias buscam paradeiro de 195 ovelhas em que não tivemos sorte de cruzar um só angolano ou cabo-verdiano, eventualmente perdidos e em peregrinação de fé ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima.

Ansiedade não permitiu viagem de regresso da Ellyzé ao solo pátrio oferecer em uníssono à delegação são-tomense “Bon d’ja ô!” de Lisboa. Calhou-nos delegação perto do Parque de Marquês de Pombal (sem crachá, foi-nos barrada entrada) à qual dirigimos rendidos aos detalhes físicos, sorriso e passos todos são-tomenses. “Somos de Santa Lúcia.

Tranquilizou-nos gentileza da madre em branco de cabeça ao chão de Fontes Pereira de Melo para meninas percorrerem Google à busca do paradeiro de um pedaço de nós, viajado no contrabando de navios negreiros e ido parar outro mundo, melhor, ao inglês lá de lá do Atlântico.

Desde tempos, vila tatuava diferença aos devotos para enfrentarem martírio de embalar harmónica à difícil aritmética da vida. Depois de aprendemos convivência insólita, mas possível com nossa filha muda, cega, surda e morta a dividir paredes do apartamento francês, está na rua decisão por unanimidade de não lhe deixar no país de adoção, Inglaterra, nem França ou Portugal, mas transladar urna ao rico chão das ilhas do meio do mundo.

São Tomé e Príncipe pintadas de políticos, conferências e encontros espera-nos para passagem de testemunho. Ellyzé no propósito de tudo acertar no relógio estaria a questionar, porquê desse encontro similar ao de Lisboa, não espalhar mundo de povos, culturas e juventude na troca de experiências tecnológicas e solidariedade nas capitais de realização política? Encolhi ombros.

Seria oportunidade à São Tomé banhar-se de povos lusófonos e, não só. Lá estão, pela estreia, três dezenas de equato-guineenses a aproximar-se pela primeira vez de língua portuguesa.

Ao certo para proveito à receção da urna da jovem, principais artérias das ilhas lavaram rosto à Conferência dos líderes da CPLP. É neste preciso momento que Ellyzé, de volta à casa, com “gravana” a levantar poeiras à elegância diplomática, incumbiu-me uma vez mais clamar ao mundo. Silêncio!

Pais e irmãos da malograda Ellyzé D’Alva Teixeira Cardoso, jovem de 26 anos, antiga finalista de London Metropolitan University falecida em Londres-Inglaterra, levam ao conhecimento público de familiares, amigos e ademais de que cerimónia fúnebre terá lugar na igreja da Trindade às 7 horas de quinta-feira do próximo dia 17 de Agosto.

Pelas 8 horas, urna seguirá ao cemitério local para fecho do luto físico aonde jazigo foi edificado com letras de eternas saudades: “RIP Ellyzé!

José Maria Cardoso

03.08.2023

1 Comment

1 Comment

  1. Gato das Botas

    7 de Agosto de 2023 at 8:01

    Mas este homem, este frustrado da língua portuguesa, vai continuar a publicar estes textos imensos, pretensiosos e sem qualquer sentido????? Até quando? Duvido que alguém o leia porque mesmo ele não entende o que escreve mas há limites.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

To Top