O desejo pode ser considerado, em princípio, como sendo um estado de espírito que acompanha todo o ser humano. Revela, manifestamente, a vontade de atingir a concretização de um sonho que se projecta temporalmente dia após dia, mês após mês, ano após ano, séculos após séculos …
Um retardado sonho dos São-tomenses levou mais de cinco séculos a ser convertido em realidade palpável.
É, pois, no final de cinco prolongados séculos de Evangelização que São Tomé e Príncipe logrou atingir um sonho antigo dos cristãos, um desejo dos baptizados e um objectivo que os autóctones “perseguiam” desde que as ilhas passaram a gozar do privilégio pontifício de ter prelado, em recompensa dos serviços prestados por Portugal na época dos descobrimentos.
O sonho em causa é a concretização da escolha de um nativo, o padre João de Ceita Nazaré, para dirigir a Igreja Católica de São Tomé e Príncipe, após a criação da respectiva diocese. A diocese fora “criada por cédula consistorial de 31 de Janeiro de 1533, do papa Clemente VII, passando a fazer parte da província eclesiástica do Funchal. Posteriormente, passou a ser sufragânea de Lisboa, depois da Baía (Brasil), novamente de Lisboa, depois, e, finalmente, em 1940, de Luanda. Em 1816 deixou a diocese de S. Tomé de ter bispo residencial”. (in Pequena Monografia, Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1969, pág. 62).
O percurso eclesiástico de Dom João Nazaré
O primogénito Bispo São-tomense, Dom João de Ceita Nazaré,nasceu no dia 22 de Agosto do ano de 1971, no sítio de Piedade, freguesia da Trindade, diocese de São Tomé e Príncipe. É filho de Abel de Ceita Nazaré e de Maria Lázaro Quaresma Fernandes.
Foi baptizado na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no dia 7 de Agosto de 1977, e crismado no Seminário de São José de Caparide, na diocese de Lisboa, a 30 de Maio de 2000. Em 1997, após completar o 12.º ano de escolaridade, ingressa na Universidade Católica Portuguesa. Em 2005 conclui nessa instituição o Mestrado em Teologia.
O seu percurso eclesiástico começa, justamente, a partir de 28 de Novembro de 2005, quando foi ordenado diácono pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom José Policarpo, em cerimónia realizada no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa.
Regressado a São Tomé e Príncipe, é ordenado presbítero pelo Bispo Dom Abílio Rodas de Sousa Ribas, no dia 4 de Agosto de 2006, na Sé Catedral de São Tomé e Príncipe. Em 2016, é nomeado Pároco da Sé Catedral, exercendo igualmente o cargo de Presidente das Cáritas Diocesana de São Tomé e Príncipe e responsável do Seminário Menor de São Paulo em São Tomé.
Dom João de Ceita Nazaré foi nomeado Bispo de São Tomé e Príncipe, pelo Papa Francisco, no dia 9 de Janeiro de 2024, tendo recebido a ordem do episcopado no dia 17 de Março de 2014, numa grandiosa cerimónia realizada na Sé Catedral de São Tomé que contou com a presença maciça de fiéis católicos, cheios de entusiasmo, entidades públicas e privadas, representantes de outras congregações religiosas e ávidos curiosos.
A Vila da Trindade e os eclesiásticos
Pode-se dizer, sem correr o risco de excesso, que o nome João de Ceita Nazaré vê acrescentar-se assim à estirpe dos naturais da Vila da Trindade (cidade da Trindade, na actualidade) que se destacaram pelo seu mérito, em São Tomé e Príncipe.
O estatuto de cidade de Trindade ganhou forma a partir de uma nova roupagem adquirida a partir da ascensão do arquipélago à independência, em 1975. A zona passou a designar-se Mé-Zochi, por força da legislação denominada “Lei da Divisão Administrativa” de 21 de Dezembro de 1980.
A cidade da Trindade é, decisivamente, o “berço” da nossa nacionalidade, epíteto adquirido pelo contributo que os seus cidadãos mais destacados deram para o reforço da Identidade, para a defesa dos preceitos da Cultura e, também, pela resiliência dos seus habitantes em geral, que tentam a todo o custo preservar essa herança.
O primeiro pároco nativo do qual se tem memória, nascido na Trindade, foi o Deão Manuel do Rosário Pinto (1666-1734?) que escreveu a primeira História de São Tomé e Príncipe intitulada «Rellação do descobrimento de São Tomé», manuscrito publicado pelo Padre António Ambrósio, Studia n.º 30-31 (Agosto-Dezembro) de 1970. Nela vem descrita, a par de um outro documento que se presume, tenha sido da autoria de um padre italiano, as proezas do rei Amador, o destemido escravo que enfrentou as autoridades coloniais, em 1595.
Figuras de proa da Trindade foram: o músico e compositor Viana da Motta (1868-1948); o pintor, dramaturgo, romancista e poeta, José de Almada Negreiros (1893-1970); o “Mestre” da Dança Ússua, Manuel Fernandes Camblé, vulgo Sun Camblé (n.?-1956); a professora e pedagoga, D.ª Maria de Jesus Agostinho das Neves (1902-2001); o músico Domingos Fernandes do Espírito Santo, vulgo Sun Rangel (1909-2004); o proprietário Manuel de Assunção Vaz de Almeida, vulgo Almeida Vila Xico (1915-2004); o professor e pedagogo, Manuel da Trindade de Sousa Pontes Júnior (1915-1975); o comerciante Severino do Sacramento Capela (1920-1978); o médico e político João Guadalupe de Ceita (1929-2021); o engenheiro aeronáutico Nuno Xavier Daniel Dias (1940-1976), entre outros.
Contudo, destacam-se nesse listagem de personalidades, a família Graça do Espírito Santo, salientando-se o engenheiro agrónomo, Salustino da Graça do Espírito Santo (1892-1965), o professor e pedagogo, Januário da Graça do Espírito Santo (1896-1967) e a professora Andresa da Graça do Espírito Santo, vulgo Tia Andresa (1906-1989), que contribuíram significativamente para o combate à iliteracia no território e foram o bastião da defesa dos naturais das ilhas, aquando do trágico massacre ocorrido em Batepá, desencadeado pelo governador Carlos Gorgulho (1898-1972) em Fevereiro de 1953.
Contributo importante foi a possibilidade que a família Graça do Espírito Santo conferiu aos estudantes das antigas colónias portuguesas, nomeadamente Amílcar Cabral (1924-1937); Agostinho Neto (1922-1979); Mário Pinto de Andrade (1928-1990); Marcelino dos Santos (1929-2020), juntamente com estudantes São-tomenses como Tomás Medeiros (1931-2019); Alda do Espírito Santo (1926-2010) para a realização de reuniões clandestinas na sua residência em Lisboa (Rua Actor Vale, n.º 37, 1.º Esq.do). Foi, também, nessa residência onde se fundou o Centro de Estudos Africanos.
A Cultura de São Tomé e Príncipe teve um forte incremento contando com o desempenho dos naturais da Vila da Trindade.
As primeiras escolas primárias do arquipélago foram erguidas, justamente, nessa localidade; a primeira banda de música surgiu na zona, cerca de 1883, por intermédio de dois párocos, os padres Luís José da Silva e José Simões da Silva. Todos os elementos dessa Banda foram mais tarde integrados na Banda da Polícia Indígena em 1953, por indicação expressa do governador Carlos Gorgulho.
De igual modo, a Vila da Trindade foi pioneira na formação do primeiro agrupamento musical do território, designado, Conjunto Uémbé. A maior festividade religiosa de todo o território, a San Má Nazalé (Nossa Senhora da Nazaré) cuja solenidade é comemorada todos os anos, na Vila da Trindade.
O compromisso da Igreja Católica
Repensando esses nomes, feitos e percursos, da Igreja Católica e do recém-eleito Dispo, Dom João de Ceita Nazaré pode-se esperar que ajudem aos São-tomenses a dirimir conflitos que se agudizam cada vez mais na sociedade.
Passados que foram quase meio século de independência, nota-se que a crispação em cada semblante de cidadãos que lutam no dia-a-dia pela sobrevivência aparenta esconder inelutáveis discórdias que lhes vai na alma, tais como a preocupante violação sexual de menores, o silêncio aterrador da discriminação e a consequente violência doméstica sobre as mulheres, a extrema pobreza da população, a justiça que vive teimosamente num «deserto» sombrio de Leis fantasmagóricas, os hospitais e centros de saúde que buscam incessantemente pelo «paracetamol» para ajudar a atenuar as dores, a escola que exibe permanentemente uã kandjá (uma lamparina) para tentar combater o excesso de alunos por turma e uma qualidade problemática do ensino no seu todo.
A saída desequilibrada de uma franja significativa de indivíduos jovens à procura de uma vida por eles considerada digna, deve merecer uma reflexão de todos, governantes, políticos, famílias e outros cidadãos comuns.
Sendo certo que urge encontrar antídotos para essas preocupantes constatações que parecem resultar da exagerada partidarização da sociedade São-tomense que foi sendo assaltada furtivamente pelas organizações político-partidárias cujo discurso oficial aparenta ir no sentido de defender a democracia, mas que sentem relutância em pugnar pelo bem-estar dos cidadãos do arquipélago, não resta dúvida que também a Igreja Católica pode ser uma força congregadora para a manutenção da paz, da concórdia e da fraternidade.
E assim, pode-se desejar que o Senhor Dispo, Dom João de Ceita Nazaré, filho nativo desta Pátria, possa estender a sua contribuição, para além de propagação da fé e da crença, e também ajudar os seus conterrâneos a sair dessa encruzilhada.
Assim seja!
Lúcio Neto Amado
Nota: O autor do texto não subscreve o Acordo Ortográfico de 1990
ANCA
27 de Março de 2024 at 0:52
Sim que assim de facto seja,…e muito mais se pode congregar neste esforço de pacificação pela parte da fé.
Como foi dito acima e bem, as celebração religiosas podem ser um elo para esse apaziguamento social, da nossa sociedade,..mas pode se ir mais além.
Pois falta a nossa sociedade alento e confiança, derivados de esperanças sempre frustadas, ao longo dos séculos, anos anos e anos, aliás toda a África,…precisamos despertar deste sono.
Tomando uma vez essa consciência as celebrações, podem ser marcos de desenvolvimento e conjunção orgulho dos São Tomenses, de recordar irmãos Príncipe, desde que possamos, investir e reinventar os marcos religiosos no nosso solo,…
Em colaboração com outras paroquias, entidades nacionais, empresas, governos, sociedade civil organizada,..
Hoje fala se muito no turismo religioso, esta é a forma de congregação dos nossos filhos bem como daqueles, que nos queiram visitar e celebrar connosco,…
Vejam revejam a ultima jornada mundial da juventude em Portugal, a dimensão, congregação, organização, fraternizacão, onde também, participaram nossos jovens.
Venho defendende algum tempo esta parte, a oponencia e obras de colocação de cristo rei, nos picos, dos santos e parocos,nos ilheus, ilheus das cabras, nos monte como marcos da nossa cristiandade, como ha no brasil, rio de Janeiro, em Portugal. Como forma de unir a nossa sociedade internamente, contribuindo assim para a causa social de lazer e religião.
A importância destes marcos serão importantes na celebração da Eucaristia, onde poderemos juntar famílias, irmãos paus filhos
É possível desde que haja um plano da diocese nacional, apresentar as entidades, ou ao papado.
Pratiquemos o bem
Pois o bem
Fica nos bem
Deus abençoe São Tomé e Principe
Mepoçom
27 de Março de 2024 at 9:03
Parabéns pela investigação que merece a leitura de cidadãos santomenses para uma profunda reflexão,em vez de andarem em querelas de intrigas e mentiras.