Caso não haja deriva pretensiosa, por mais voltas que se dê à consciência nacional, na perspetiva de harmonia social, colide-se com a essência do Novo Homem São-tomense, assustadora e sustentada em cada pormenor, alarmante, da entrevista do Lucas, o único sobrevivente civil da brutalidade militar de 25 de novembro de 2022.
«Quando jogaram-me no carro, o sangue (humano) está no carro. Eles levaram-me… Assim que chegou no quartel, estão a levar-me para ir buscar Delfim (presidente cessante do parlamento).»
Os detalhes da recente entrevista com provas de factos, recusadas na audiência de julgamento pelo juiz Edmar Teixeira, perante a crueldade militar que se distanciou, por completo, da razoabilidade familiar, deixaram evidências suficientes de que a justiça perdeu a grande oportunidade de fazer frente ao sentimento de impunidade, há décadas, perpetrada no sistema judicial.
«Tenente Blô quando Arlécio tenta sair – porque ele estava de boxe – para ir pôr roupa, eu só sei que o tenente Blô correu, passou Arlécio, rebentou a porta. Quando rebenta a porta, entra. Mulher do Arlécio (angolana) tentou sair pá falar com ele.
Ele disse: “Não! Aqui não tem nada. Senhora pode parar aqui! Aqui é homem, homem só. Senhora, é a esposa dele, não tem nada a ver. Troca roupa aqui, à nossa frente!”
Que humilhação!?
A lista era extensa, segundo o próprio 1º ministro na declaração matinal à nação, contrariada horas depois por fotografias e vídeos da execução sumária e pelo vice-brigadeiro, Armindo Rodrigues.
«Eles é que abriram coisa, nem sei quê lá, eu estou parado, a porta está aberta. Estou parado a ver. É o Stoy Miller tirou-me de joelho, eu estou parado a ver, tiraram-lhe a roupa… Ele pôs uma calça de ganga… Puseram uma calça de ganga, uma sapatilha, uma camisola, não tenho decore. Mas é preta!»
Na tentativa de reviver aquele teatro de sacrifício da própria vida e a dos assassinados no corredor de morte, ato bastante perturbador ao espírito humano, é necessário muito esforço emocional de Bruno Afonso, o Lucas, para que a mente permaneça no discurso coerente. Meu Deus!
Sou anestesiado pela notícia de passamento físico, ocorrido ontem, dia de mentira, em Lisboa, de um amigo, Arlindo Carvalho, médico, religioso por excelência e antigo presidente do Partido de Convergência Democrática. Apresento as sentidas condolências à família e aos familiares enlutados, muito em especial à Deolinda, esposa, ao Gil Vicente e à Rosa, irmãos do malogrado. Doutor Arlindo, descanse em Paz!
Deste jornal, sou informado da trágica notícia derivada da queda de uma árvore, também ontem, que vitimou mortalmente um casal que seguia de viatura, ao dia laboral, em Mé-Zóchi. Pêsames à família e aos familiares do malogrado, engenheiro Buginho e da sua acompanhante. Descansem em Paz!
Regresso às palavras retiradas da difícil cruz de Lucas: «Pôs-me no chão. Tomaram Arlécio, puseram Arlécio no carro, subiu. Segurou Arlécio na mão para subir no carro, depois de subir carro, mandou Arlécio pá Arlécio sentar. Puseram Arlécio essa algema de plástico que é a braçadeira que, a gente põe coisa de mota. Vende aqui em São Tomé, buê. Pôs essa algema branca, de plástico (mãos atadas atrás).»
Depara-se com o governo por esclarecer as mãos sujas de sangue humano, mas que se sujeita à aparência de padrinho dos concorrentes ficados pelo trajeto e não contestatários, a surgir na praça pública com a finalidade de distrair o país com o desnecessário alarme para com o Conselho Superior da Magistratura Judicial. Pediu a “anulação” do concurso de admissão de novos magistrados, por três razões: – Irregularidade na composição do júri; – Falta de transparência do concurso; – Ausência de aptidão dos aprovados.
Os oito classificados pelo júri que, no direito de concorrentes, reclamaram a integração na carreira de juízes, não satisfizeram o desejo de excelência governativa de 20 pontos, tendo ficado o melhor dos aprovados, por 12, a nota positiva.
Nessa barafunda, no meio, há a queixa do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, na recente Abertura do Ano Judicial – marcada pelo silêncio reivindicativo do novo Bastonário da Ordem dos Advogados, Hérman Costa, o representante da instituição oradora habitual da cerimónia – pela gritante falta de magistrados. Como o país se solidariza com a ministra da Justiça, Ilza Amado Vaz, no concernente à deficiente faculdade dos “novos juízes” quando a mensagem também do Conselho de Ministros, anteriormente reportada pelo seu colega da Defesa, aponta na direção oposta?
O ministro Jorge Amado pescou nos serviços do seu pelouro, um grupo de funcionários, na maioria, de “4ª classe” – nenhum entende do direito – sem a noção de esquerda ou direita de uma simples ata, para dizerem da justiça no reinventado Tribunal Militar que decidirá sobre o assassinato de civis na parada militar. Os elementos recrutados às Forças Armadas estiveram implicados ou, no mínimo, são cúmplices de chacina humana, embora sem distinção, vão ser juízes em causa própria?
«Gente chegou no quartel, assim que nós entramos quartel só, gente entrou daqui de enfermaria mesmo. Entramos de enfermaria, abriram o portão, assim a gente entrou no quartel. Gente entrou quartel só, os homens fizeram volta outra vez pá levar-me. Quando fez volta pá sair, os homens disseram: “Eh pá! Delfim já está a caminho. Já está a caminho para quartel (justiceiro).”»
Ainda assim, a tentativa de moção de censura avançada pela oposição e arbitrariamente, recusada pela presidente parlamentar, após os insistentes jogos anti-democráticos levados a cabo pelo poder, apenas em Abril, cinco meses depois da “inventona”, o 1º ministro compareceu aos deputados, inventou viagem à Guiné Equatorial e fugiu do parlamento. Não debateu, nem prestou esclarecimento político do Massacre de Matapá e da consequente gravidade de quatro civis, desarmados, na sua versão distorcida e desautorizada por vídeos e fotografias da crueldade, terem conseguido assaltar o quartel das Forças Armadas, sem que fossem deliberadas, as imediatas consequências militares e políticas.
«E então pararam meu carro. Fizeram retaguarda, puseram-me no chão. Esse tempo que carro foi pá frente, depois vem retaguarda para pôr-me no chão… Meu irmão!
Mais uma dosagem de porrada que eu não sei como a gente escreve. Porque a porrada começou. É Arlécio, tropa (soldados, sem graduação, feitos prisioneiros pelas chefias militares), tudo. É quer dizer, uma porrada agora que estava sem controlo.»
Qual o mistério do governo de Ação Democrática Independente, beneficiado da folgada maioria absoluta, subsidiada com a solidariedade parlamentar de cinco deputados do Movimento de Cidadãos Independentes/PUN, de somente se ocupar na melhoria da vida dos militares e do apetrecho dos quartéis? Os militares acabaram de beneficiar de carregamento ofertado pelo presidente gabonês que o 1º ministro fez-se de motorista, quando o amigo visitou São Tomé e Príncipe, na qualidade de chefe do Estado golpista. O sequestro de civis, massacrados e assassinados, um deles retirado à força de casa, não se enquadram no crime público?
«Havia um dos militares, tirando a alma que não merece. Porque o quartel agora está dividido. Eles podem estar lá unido, mas está dividido. Tem militar lá que não aguentou, tirou arma e fez um tiro ao ar. «Têjo!» Toda gente atrapalhou. Quando atrapalhou: “Eh pá! Quê que está a acontecer? Vocês estão a bater. Não é assim!”»
A rotineira profecia dos Direitos Humanos e discursos de compromisso para com as Convenções Internacionais normalizam alguns conflitos internacionais, através de testes de armamento militar e exibições de novos modelos na guerra, atualmente, entre Rússia e Ucrânia, ou seja, oriente e ocidente, com o objetivo, macabro, em pleno século XXI, de ceifar as vidas humanas e aumentar os orçamentos bélicos.
Num outro ângulo, não distante, os israelitas na visível limpeza étnica dos palestinos, assustam aos números, os mais de 32 000 mortos, não poupando vida de crianças, mulheres, velhos indefesos e funcionários de apoio humanitário, apanhados pelos fuzilamentos e bombardeamentos aos campos de refugiados, às viaturas e infraestruturas civis, incluindo hospitais, continuamente e após ao ataque de Hamas – pediu desculpas ao seu povo – a sul de Israel, no passado dia 7 de Outubro, que na altura, resultou no assassinato de 1 400 pessoas e cerca de 250 reféns conduzidos para Gaza.
Toda vida conta e qualquer mente faz o desequilíbrio da equação estampada nessa crise humanitária com 1 milhão de pessoas a passar fome e crianças, muitas cadavéricas no colo de mães, devido à má nutrição e dos 36 hospitais de Gaza, não mais de 10, ainda prestam a assistência de saúde deficitária e debaixo de fogo.
O ciclo de violência que atiça as crises pelo continente africano com dramas humanitários esquecidos – Sudão, é apenas mais um exemplo de guerra – não deveria ser reflexão das elites militares e judiciais que no contexto da “inventona” golpista são-tomense, claramente, beneficiam aos obscuros interesses do XVIII Governo constitucional?
«Virgílio começou a tomar atitude. Aí… Virgílio quer defender esse, quer defender esse, quer defender esse. Então, a porrada era demais. Virgílio mandou Wilker (guarda-costas do 1º ministro, oficial de Marinha caído de paraquedas na hedionda madrugada de quartel do exército) levar-me pá cima, escritório, gabinete dele. Gabinete de Virgílio, lá no quartel. Wilker tomou-me pá subir comigo para o gabinete… Depois tem mais um também, eu não sei o nome dele, eles são dois. Tomaram-me, um está segurado na mão, outro está quê. Estão a subir. Estão a subir escada comigo.»
Há que dar um olho nas centenas de trabalhadores de AGRIPALMA, que passados quase dois meses de greve e paralisação na maior unidade produtora e de exportação, juntaram governo e patrões à mesa de diálogo e, a exigência salarial dos 38%, descida até 15% – assim é que está correta – foi alcançada com a promessa de melhoria do ambiente de trabalho.
Quanto à reivindicação central dos professores e educadores, os 400%, a percentagem de aumento salarial para fazer face à cesta básica e distanciarem-se, um pouco, de vida miserável, óbvio, é difícil de ser satisfeita na totalidade. Todavia, as centenas de viagens do 1º ministro no jato privado, num ano, é contraste à «vaca que já não dá leite» e distribui muito a alguns, demonstrando ser um gestor que, por muito esperto, negligencia o país.
«Virgílio tomou posição. “Tiram! Tiram!” Mandou tirar todas as pessoas armas. “Não é assim que se bate pessoa!”»
Após sentir-se vencido pela busca de clareza e informação por parte dos jornalistas do Téla Nón, Abel Veiga e da RSTP, Josimar Afonso, na anterior entrevista do chefe do executivo, a primeira em que abriu portas, no país, à imprensa livre, o 1º ministro voltou a fechar-se no habitual romance com dois jornalistas do governo para atacar a classe educativa, usar terminologias deselegantes, comentar em baixa o sucesso da grande manifestação – com presença de militantes de todos partidos, incluindo os de ADI – decifrar “mãos feiticeiras” da oposição sonolenta e, sobretudo, oferecer bolo envenenado à intersindical.
No Estado de Direito democrático, nenhuma dependência económica ou política, deveria justificar a solidariedade dos comissários políticos no país e na diáspora que, sem argumentos válidos, se comprometem com o equívoco do 1º ministro. O chefe da política económica e social são-tomense, na intimidação à classe educativa, promete ele mesmo ir dar as aulas, quiçá, a de ciências humanas, aproveitando-se da transição do Tradicional Homem São-tomense para o sanguinário Novo Homem São-tomense e, eventualmente, auferir a atual remuneração dos grevistas, sem mordomias dos fundos públicos, para enfrentar o altíssimo e insuportável custo de vida.
Enquanto anda no faz-de-contas para com o país, os negociantes, pais e, em especial, estudantes, um mês contado, inacreditável, sem escola no presente para serem homens de amanhã, aguardam pela solução governativa, até então, em prosas de colisão e até invenção de mentira num eventual acordo inexistente com a classe docente, na desnecessária intranquilidade de fraquejar, muito mais, a ministra de Educação, a professora Isabel Abreu.
O Lucas, na sua última entrevista que encontra sustento no país real da justiça, defesa, segurança, educação, saúde e de outras incertezas governativas, tem muito a informar e formatar a consciência política-militar-judicial dos são-tomenses.
«Quando mandou tirar todas as pessoas armas, lá é que Virgílio veio dizer: “Eh pá! Vocês estão a bater filho de gente demais assim, porquê?»
José Maria Cardoso
02.04.2024
José Pedro
3 de Abril de 2024 at 23:48
Gosto do que escreve mas relativamente ao caso “Lucas”, é aconselhável não se envolver e deixar que justiça faça o seu trabalho sem interferências. Não veja a piada que há em escrever tanto para um assunto que já foi mais do que rebatido e todos sabemos o que a casa gasta. Escreva sobre assuntos que nos fazem crescer e prosperar.