E vai que num estalar de dedos, qual trovejar inusitado junto às escarpas do Pico Cão Grande e, eis São Tomé e Príncipe (STP) chovendo num rompante às bocas do mundo mais uma vez, entre uma manhã e outra.
A ater pelo que tem sido dito e escrito na imprensa “internacional”, o famigerado Acordo de Cooperação Militar com a Rússia, parece estar a gerar alguma polémica, dentro e fora do país.
Sobre o dito acordo em concreto, tenho pouco a acrescentar pois não conheço o teor. Em todo o caso, teria dificuldade em atrever-me a tecer comentários em matéria de programação estratégico-militar, pois não estou munido de bagagem técnica nem experiência pessoal, ou profissional que conferisse alguma utilidade a qualquer análise técnica sobre o assunto.
Diga-se, a bem da verdade jornalística, além do anúncio e confirmação da sua existência, muito pouco ou quase nada, foi revelado sobre o acordo. Questões como, que motivações estiveram na sua génese, o momento da sua concretização, a sua finalidade objetiva, o processo negocial bilateral, etc. É ainda tudo muito desconhecido.
Todavia, enquanto cidadão, fiquei atónito com o inusitado da notícia. Tenho andado com os pensamentos mais ou menos entretidos com o processo migratório santomense dos últimos anos e seus eventuais efeitos, a somar a pequena porção sobre reparações coloniais e suas repercussões por toda a CPLP (já escrevi aqui). Daí que quando dei pela notícia do acordo, inadvertidamente, procurei relacioná-lo com aqueles dois assuntos, mas tive dificuldade em encontrar correlação razoável. Fiquei baralhado.
Sem grandes pistas nem respostas, permiti-me então fazer um exercício breve e descomprometido de democracia e liberdade de expressão. Não pretendo criticar, acusar ou sequer “desejar” má sorte ao acordo e aos seus proponentes. Com esta nota prévia, manifesto o cuidado consciente de não ofender qualquer suscetibilidade nacional ou internacional envolvida neste processo. É uma área de enorme sensibilidade e requer um nível de responsabilidade adulta. Já a tenho. Estou lavados nas aguás tépidas de 76, lá para os lados do Rio Mé-Zochi.
Pretendo somente a emitir uma opinião. No essencial, são só três impressões.
Comecemos pela primeira impressão. Tenho imenso respeito patriótico pelo sistema militar e as estruturas de defesa nacional. Estou perfeitamente elucidado sobre seu papel como um dos pilares de defesa da integridade da Soberania, da Nação e do Povo.
As minhas memórias de infância transportam-me à presença quotidiana das rondas militares aos finais de tarde, lá para década de oitenta…vê-los passar em grupos de três pela Marginal no Bairro São João (na capital) para delícia de uma plateia de miúdos de 7 aos 10 anos, sentadinhos nos murros dos cercados- baixinhos, na altura-, entretidos a contar e expropriar “virtualmente” os carros que passavam aos seus legítimos donos. Quem não teve brincadeiras dessas, que levante o braço?
As rondas militares, eram quase sempre, em grupos de três, todos em passo milimetricamente cadenciado e a postura altiva e firme. Uma elegância que metia respeito ao mesmo tempo que dava gosto ver. Uma espécie de brio e honradez pela missão de serviço público. Era isso que encerrava aquela postura e conduta dos militares? O que sei é que todos tínhamos o sonho de ser militares por um dia.
Estas memórias são tão fortes que superam de longe, as outras que fui tendo já durante a vida adulta.
Do que me lembro, desde a saída das FAPLA (regimento das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola), no início dos anos noventa?, além da situação da “suposta” invasão do Grupo da Frente – anos mais tarde convertido em partido político-, não me recordo de sentir, ver ou ouvir falar de aumento do nível de risco externo de ataque ou invasão, por outra nação ou grupo organizado no nosso solo pátrio. A esse respeito, assumo atrevidamente, que todos nos sentimos confortáveis e, de certa forma, nos revemos na posição neutral e promotora de paz que tem sido apanágio da nossa política externa.
Entretanto, de há uns anos a esta parte, em STP, corrijam-me se tiver enganado, tem havido um consistente dinamismo no sector de defesa militar. Exemplo disso, temos i) a perene e contínua cooperação militar com Portugal (ao que sei, versa em aspectos como patrulha das águas territoriais, formação, etc; ii) tivemos ainda, a pouco esclarecida mas “presencial” cooperação militar com Ruanda há uns anos; iii) muito recentemente, tivemos outra pouco esclarecida cooperação militar com a República do Chade; e, agora, iv) o acordo de cooperação militar com a Rússia.
Note-se que em todos os quatro casos que me lembrei de apontar, contrariamente ao que poderia fazer supor, nenhum desses parceiros de cooperação militar tem proximidade geográfica com o nosso país. O que desde logo, deve colocar desafios muito exigentes de logística e quiçá de língua para operacionalização do fito da cooperação. Mais, do tanto que pude aperceber-me, não foi notório, o efeito prático de tais iniciativas.
Por outro lado, do ponto de vista “geo-estratégico”, vamos lá desenhar uma semi-circunferência com o centro nas ilhas de STP, a na outra ponta do compasso escolar, considerar o diâmetro que se estenda até a área continental. À medida que vamos desenhando a semi-curva, é quase certo, tocar em Gana, Togo, Benim, Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial, Gabão e Angola. Estamos aqui a falar de 8 países do continente africano, quase todos a mais ou menos 2 horas de avião a partir de STP e, com interesses comuns em matéria defesa marítima na Zona do Golfo da Guiné- que a todos serve. Aliás, alguns destes países, conjuntamente com STP, são fundadores da Comissão do Golfo da Guiné – entidade essa cujo paradeiro e relevância operacional pouco se sabe. Escafedeu-se? (gíria novelas brasileiras)
Qual é então a minha impressão a esse respeito?
Não descortinei ainda um indiscutível argumento que sustente esse animado dinamismo ao nível da programação militar, quando outros sectores mais civis, parecem “a olho unu tatali”, estar a precisar sim de ímpeto bilateral de maior vivacidade, clarividência e solidez. Bastaria mencionar uma programação de saúde pública, da educação e formação, ou da criação de emprego. A impressão deixada, é que a carreira ou serviço militar – outrora uma obrigação patriótica a partir dos 18 anos de idade por um período mínimo de 12 meses-, parece agora ser uma de duas – a outra é a Polícia Nacional-, “perigosa” saída profissionais – capazes de gerar rendimento-, para os poucos milhares de jovens que ainda não conseguiu sair do país.
A palavra perigosa relaciona a discrepância demográfica dedicada de modo desproporcional a uma saída profissional de grande sensibilidade combinada com a vulnerabilidade social e de formação dos seus agentes. E essa não é uma actividade qualquer.
Quem não reconhece a mocidade que transborda do semblante dos jovens militares que vemos pelo país, nas sentinelas em sedes de várias entidades do Estado, a abrir com grande expediente a porta das viaturas aos governantes, do executivo ao novel sistema de justiça. Uma verdadeiro exército de jovens, sedentos de oportunidade de formação e emprego, possuidores de talentos e vocação para tantas outras actividades civis (professores, engenheiros, carpinteiros, médicos, empresários, agricultores, etc , etc..), mas que se veem seguramente sem grande alternativas à possibilidade de fixar-se nas imediações do quartel, após o serviço militar “obrigatório”.
Eu não fiz a tropa. Hoje, se dependesse só da vontade, talvez fizesse.
Contudo, não é preciso ser “curandeiro” para perceber que é crítico apostar em outras saídas profissionais e de formação para além da área militar e de segurança.
Uma segunda impressão, reside na fraca utilidade que atribuo a experimentações que possam resultar na eventual alteração do posicionamento neutral que STP tem historicamente sustentado na esfera internacional. Ao fim cabo, não é segredo a qualquer recém nascido do Hospital Ayres Menezes, que o país, vive há décadas, simpaticamente “submetido” e de mão estendidas a “requisitar” ajuda financeira aos parceiros de desenvolvimento, doadores institucionais e privados, países vizinhos, países amigos e, aqui e acolá, amigos mais particulares também não faltam à mesa.
Ainda há pouco menos de 5 meses, tivemos a notícia da ajuda financeira de Portugal em cerca de 15 milhões de EUR, que serviriam para aliviar a situação das finanças públicas do país, imediatamente canalizada para um dos “pés” de Aquiles do país: as inconstantes reservas cambiais. Tenho ideia que essa situação ter-se-a deteriorado novamente. Ora, sem o acordo com FMI em vista, não se espera uma reviravolta milagrosa de recursos financeiros internos para fazer face a insegurança do acordo de ancoragem cambial com Portugal (euro). A riqueza que geramos sozinhos é marginal face às necessidades do país, a todos os níveis. “não passa nada”, é um credo muito actual.
A crise de divisas no país é um assunto muito sério. Não se ouve o Governo, a Assembleia nem entidades competentes com capacidade de freio, com vontade e disponibilidade para fazer este debate ou, ao menos, prestar o mínimo de esclarecimento público.
Seria muito útil, muito muito útil mesmo, termos sim, por exemplo, um verdadeiro acordo de programação de gestão de finanças públicas à luz da realidade económica, financeira e social do país.
A terceira e ultima impressão remete para dois temas sobre os quais já havia partilhado a minha opinião ( ver aqui).
Acabo de ler uma notícia dando conta que Cabo Verde acaba de criar o seu Observatório das Migrações. Refere a notícia que «o objetivo é poder contribuir para melhorar a compreensão do fenómeno das migrações. O observatório, lançado na cidade da Praia durante uma conferência internacional sobre a imigração em Cabo Verde, foi criado para colmatar a “falta de conhecimento” sobre a população migrante».
Pois bem, recomendaria as autoridades de STP a juntar-se, ou cooperar com esta estrutura de modo a estarmos, nós também, em condições de conhecer a realidade dos nossos fluxos migratórios e podermos informar melhor as nossas decisões políticas nesta área, tão relevante nos últimos tempos.
A lógica é simples. Temos território, mas sem pessoas, não temos comunidade; sem comunidades nao temos país. Portanto, um país com território mas sem pessoas, não há programação de soberania (militar, saúde, educação, infraestrutura, etc) que lhe valha.
E para terminar, ouvi há poucos dias, uma líder de grupo parlamentar de um partido português, dizer alto e bom som, que Portugal deve estar pronto para, com cuidado, responsabilidade e envolvimento da academia, da sociedade civil, entre outros actores sociais, fazer o debate transnacional sobre as reparações “coloniais” sugerida pelo Presidente Marcelo. Dizia ela mais ou menos o seguinte «…não foram só os artefactos de museus. Foram séculos de apropriação de recursos das “colónias”, foi a escravatura..etc etc, coisas que causaram muito sofrimento”. E acrescentou mais: «já – Portugal-, vamos atrasados pois outras antigas potências coloniais já vão bem avançadas no debate».
Eu revejo plenamente nesta asserção.
Há outros assuntos de agenda com prioridade superior e latente – a segunda impressão neste artigo é um deles-, não obstante, este tema das reparações é merecedor de uma AGENDA própria. Estou seguro, cedo ou tarde, juntamente com esta deputada e gente do seu calibre do lado de lá e os de “cás”, iremos tratar deste assunto.
Acho que devemos todos, optar por olhar a coisa de frente, ao invés de meter a cabeça na areia e, assim evitar confrontar o palmo desconfortável ante os nossos olhos. Com o sol intenso que se tem sentido no país, a avestruz quando pretendesse tirar a cabeça da areia, correria o risco sério de ter a penugem traseira queimada – LOL assustado das Alterações Climáticas e os seus programas cujo resultado tem sido crescente destruição das nossas florestas e do ambiente. Subam até a Pousada e vejam a cidade capital limpa limpa). Awó ê!!!
Deixo-vos com este desabafo final: quando vejo jovens de 15 e 16 anos, com as suas expressões de puberdade vindoura que precisa projectar um futuro adulto no seu país, andaram já de um lado para outro a tratar de documentos para sair de qualquer jeito, fico de coração amargurado. Dilacerado! Não sou o único. É para eles e tantos outros, que deveríamos estar a focar novos acordo de programação para o futuro, diferente destes, de esmolas e submissão externa que temo-nos proposto na mesa de negociação com o futuro.
Todos os dias há uma novidade mais sensacionalista que a anterior, e todas no seu conjunto, a cair pela grota do que não precisamos.
Definitivamente a política em São Tome e Príncipe, não está e, não tem estado à altura das circunstâncias da Nação que merecemos ser. Havemos de ser essa Nação.
Talvez devêssemos começar com um Acordo de Cooperação Multisectorial Nacional sobre as Grandes Questões do País.
Parece-vos bem? Eu tenho umas ideias. Estou seguro que vocês também.
Luisélio Salvaterra Pinto
Dalio Henriques
13 de Maio de 2024 at 0:03
O Trindadense
Olá, consanguinidade, pelo visto lhe conheço de perto faz longos anos menino moço ainda Luisélio Salvaterra Pinto. Li de forma tranquila os suporte da sua existência fi-lo com enorme gosto, aliás a leitura é e, será um amigo da escrita, na hora da solidão e, momento de análise. Uns ditos, outros documentos são “soias” uma vez que todos nós, os santomense almejando coisa boas para o nosso lindo são Tomé e Príncipe nunca foi nem será sonhos de poucas vezes.
Acredito piamente que são e foram trocas de camisolas e até de cadeira de indivíduo para pôr em marcha a nossa República Democrática em marcha.
Vimos vários partidos e inteiros políticos,cada um com suas siglas e, ideologia mesmo assim assunto, importante outro menos relevante, a macha rumo ao desenvolvimentodo do lindo nosso STP 🇸🇹 continua ainda nos gabinetes.
Permita a reputação de uma analogia forte aonde não devemos medir a fúria e ansiedade de cooperação com interesses individuais notório de cada parte.
Só espero que consigas acreditar que nem hoje, e nem amanhã encontremos nossa água, estrada, casa e paz social oriundos dos frutos vermelhos de tradição e gerações antigas que puderam deixar o ensinamento frutos de trabalho ardo das civilizações até o dia de hoje.
Achas que cada um de nós os Santola que acorda do seu leito não quero um pão com paz e amor para se alimentar e voltar a sonhar com um país aonde dá gosto de viver?
Uns que saem outros que regressam querem melhorar a suas maneira de viver… O que eu gostaria seria de ver nos olhos de cada um santomense, é de renovar as espectativas com gente que faça bem a nação e que consigamos muito mais muito cedo ver o frutos sadios para alimentar outras pessoas que vivem nas esquina dos sonhos que um dia o país teve líder bons . Agora cooperação que nos tire sono e que nos assustem não é boa coisa mas acordo com parceiros bilateral ou multilaterais que forem trabalho e valores para desenvolver o nosso país sem antes destruir uma árvore verde como é tudo bem. Digo mais estamos cansados queremos pão paz e amor.
SEMPRE AMIGO
13 de Maio de 2024 at 10:42
Luisélio Salvaterra Pinto,Dalio Henriques….o que é que os dois pretndem com o artigo e o comentário??????????