Cultura

37º aniversário de “Rosa do Riboque e outros contos”

Foi com rara emoção e movido por um sentimento ancorado no ambiente deletério, absolutamente enlameado e degradante do Riboque dos anos cinquenta, que um dia me veio à baila trazer a lume as provações, investidas da mais rara penúria, por que passavam as carentes populações do citado bairro.

Procurei então, porventura com algum sucesso, encadear um rol de acções ilustrativas da penosa situação que atormentava desse modo os santomenses, em particular os de baixos ou nulos rendimentos, que quase chafurdavam nas zonas mais interiores do popular lugarejo. O contexto era mais do que propício à contestação e à revolta, que surgiram traduzidas numa decidida greve dos carregadores do cais, que trouxe consigo, como figura de destaque, uma mulher, Rosa de seu nome, a mais popular das filhas do Riboque.

É assim que, em 28 de Fevereiro de 1985, ou seja, há precisamente 37 anos, foi lançada a obra “Rosa do Riboque e Outros Contos” que, na conceituada opinião do prefaciador da sua primeira edição, o meu grande amigo e reconhecido intelectual santomense Amadeu do Espírito Santo, infelizmente já desaparecido, este conjunto de contos traduz, sem dúvida, um esforço decidido, representa mais uma contribuição no sentido de tornar seguros os passos que recen­temente começou a ensaiar a nossa prosa, que se vinha convertendo numa espécie de parente débil e pobre da nossa literatura, fazendo uma comparação grosso modo com o grande número de poetas e poesias surgidos nos últimos tempos.

Mas esta obra, para além do seu papel pioneiril no campo da prosa, goza do mérito de, no marco da dicotomia do mundo colonial, nos conduzir ao nosso tempo de crianças e, ao fazer a reconstrução do Riboque de então e doutros lugares característicos dos nos­sos luchans, revela ao leitor tanto os anseios como as frustrações dos seus habitantes”…

Prosseguindo, afirma que “Rosa não era apenas festeira de fim-de-semana, e daí o autor fazer sobressair, num dos momentos culminantes da obra, a sua identidade de colonizada rebelde e decidida, que sonhava com um amanhã distinto, vivificador das ânsias dos companheiros do mesmo lado da trincheira…, os deserdados, os perseguidos mas jamais rendidos, sempre de ban­deiras desfraldadas em desafio ao poder estabeleci­do.”

Como nota final, afirma Amadeu do Espírito Santo que “Bragança, em eloquente ilustração da visão fanoniana do mundo colonial dicotómico e violen­to, conduz o leitor através das múltiplas contradições que opunham o subúrbio e o luchan, habil­mente representados por Rosa e tantos outros do Riboque, à acção vandálica, cega e cobarde do po­der imposto”.

A esta primeira edição, levada a efeito pela editora local “Gravana Nova”, propriedade de Frederico Gustavo dos Anjos, Armindo Aguiar e de mim próprio, que relembro com pertinaz saudade, seguiu-se, doze anos depois, a edição portuguesa da Editorial Caminho, cujo prefácio, de autoria do então Cônsul da Embaixada de Portugal, José Lopes Cardoso, exalta a qualidade da obra, lançada desta feita na Fundação Calouste Gulbenkian, referindo que “ o talento do escritor são-tomense mostra-se noutros contos, mas o que vem ao de cima, o que impressiona, o que o distingue, liga-se à maneira extraordinária como fixou a Rosa do Riboque – e essa maneira exibe as seguintes qualidades: com­preensão humana, intuição psicológica, invenção poética. Ao que se soma, no plano técnico, o estilo ágil, a linguagem viva e o sentido da economia novelística. O universo patente neste livro, cheio de implicações sociais e maravilhosamente neo­-romântico, é um universo de sentimentos. E o sen­timento protesta quando não o deixam sentir. Ora, quando um artista dá voz a esse protesto, alarga a própria intervenção”.

Para ele, “um artista intervém sempre. É, no fim e ao cabo, a natureza da arte. Intervém, expõe, interroga. Mas, também pela natureza da emoção estética, toca a sensibilidade, os sentimentos. Emociona. A inter­venção, a exposição, a interrogação fria reduzem a exposição artística – limitam-na. A arte é arte, não é outra coisa e, para o ser, passa pelos sentimentos, pelas emoções. As tragédias, os dramas, os confli­tos sociais, para serem apresentados, transmitidos através de um romance, de um conto ou de um poema, não podem prescindir da emoção estética.

Livre é a arte de Albertino Bragança. Sem liber­dade não há arte, nem se resolvem dificuldades e conflitos. É preciso coragem para assumir o risco de remar contra as correntes – o que não faltou ao escritor em questão. E, exactamente por isso, ergue­-se como alguém que canta a sua terra, a sua reali­dade, o seu povo…

As Rosas nunca mor­rem: voltam, graças à poesia de que os outros precisam. E são os poetas que lhes garantem a so­brevivência. Com o respeito e o amor que elas merecem”.

Apenas duas notas, como epílogo: o conto “Solidão”, onde prevalece a popular figura de Mento Muala, foi em 2021 adoptado como obra integrantedo sistema educativo do Brasil.

      Prosseguem, por outro lado, os contactos do realizador Afonso Januário com o Secretariado Executivo da CPLP, tendentes ao patrocínio da realização cinematográfica dedicada à novela “Rosa do Riboque”, cujo enredo, pela imaginação e arte postadas na sua produção, se perfila como algo de que se irão verdadeiramente orgulhar os eventuais espectadores. 

Envolto embora no silêncio chuvoso do tempo, eis que consigo viajar no entanto pelo passado e recordar, dentre outros, com ardente paixão, Rosa Adriana, Nilo Uê Viló, Pedreiro do Monte Grande, o saudoso Mento Muala, a escorregadia Delada, enfim, símbolos de uma época que me atormentou o espírito, mas que eles, com a sua valentia e nobreza de alma, foram capazes de apaziguar.

Albertino Bragança

1 Comment

1 Comment

  1. Olinda BEJA

    10 de Março de 2022 at 22:40

    Meu abraço imenso pela tua Rosa desse Riboque que eu gostaria de ter conhecido tão bem como tu. Conheci-o só a partir de 85, aquando do meu regresso! E que bairro…
    Felicidades!

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