Cultura

Meu eterno afã pela Pasárgada

Por : Domingos Landim

Os países colossais ampliam o horizonte e cintilam a visão do ser humano. Pelo contrário, os istmos e vaus de ambíguos e esguios territórios carcomem, atrofiam e apequenam a dimensão de humanas criaturas.

Ainda que patriotas e nimbados pensadores. Por isso, volto a implorar ao celestial Dom de Ubiquidade, o sapientíssimo estelar, aqui na pele do Arquétipo dos Anjos da minha imbele freguesia – Oh cabrestante potestade, passai-me o Brasil, Argélia, RDC, Sudão, Angola e Moçambique, por exemplo.  E quiçá Rússia, Canadá, Estados Unidos, China, Austrália e Índia. E todos juntos, se for essa a vossa magnânima vontade, para projetar no firmamento de horizonte e no pergaminho de experiência imaginária um ideal de enorme feito, ou seja, de vindouro e polido lar da humanidade. Adoraria, mui sincera e plenamente.

Como sabeis, sou diminuto ser andante neste planeta. No exílio, ainda que seja limbo verdejante e sossegado, precisarei sempre do fervilhante passado aziago, quer para recordar, quer para mimosear ou repulsar. Ah ingente escravatura de ruim passagem!

Agora importa absorver, ainda que imperfeitamente expresso, a síntese da tira do genial pintor português, Amadeo de Souza-Cordoso, para soprar: aqui abafa-se. Lá longe, na Pasárgada de sonho e de miragem, respira-se.  Por isso, me inquieto hoje e dou guinadas de rebeldia, para sair da casca de bacoco e sufocante provincianismo. Pulo por imensas achadas de cultivo, para o plantio da minha arte, o meu viveiro de enzimático esplendor. Sem trilhas e barreiras impossíveis, sem atalhos intransponíveis de derrubar e sem qualquer constrangimento. Senhor, de mim, deixai cair a espada, o cetro e o busto. Pois, só cobiço a vossa cinzenta craveira de Demiurgo, erguida, ungida e rebuscada.

E toda a gente em meu redor já sabe disso: a única coisa que existe e conta, para mim, é o ofício de Dom Apolo, de Minerva e de morfema. Dai-me também, oh vossa portentosa majestade, auxílio da destra mão de Dodona, com pressinto, de Juno Sóspita e Sibila.

E nesta sede não haverá cedências e concessões, nunca jamais. Nem para um suposto ilustre advogado, nem para um putativo e estroso docente universal. Ambiciono um auspicioso instante de inspiração para poesia e clamo por espaço de ação na prosa. Sou entusiasta sonhador e continuo me batendo com a fúria dum incontente tritão aluado, na senda de virtuosas benfeitorias, com relação às apetências da minha inteira predileção. Sou ingente contumaz a tudo quanto não cheire a acrílica e grudada tinta no papel ou sangue fresco nas narinas, vertendo também de enlevo pulso de guerreiro. E no dia em que o menino for dormir, a lembrança há de ficar, para não mais acabar, em tempo algum.

Afinal, da vida do ser ereto, apenas sobra o edifício das memórias. Ainda que sem ameias e matacões no frontispício do meu castelo, ainda que mal pagas e destituídas de valor e de prestígio, nesta minha herdade de dupla relação de bastardia, com adornos falaciosos de duas incompreensíveis e inglórias cidadanias. Ainda que sem trombetas e salvas de canhão, ainda que sem palmas no rebordo de caixão ou ataúde, na hora de acenar para empreender o fulminante voo etéreo, alando em direção à deslumbrada infinitude. Não obstante à áspera envolvência, com todos esses entraves, onde se não vê como um total inadimplente do entourage possa sacudir a capa de enfraquecido, para se livrar do esbirro da enroscada e das peias e amarras, insistindo, apesar disso, em dar provento à sua indústria, na perspetiva de suculenta desenvoltura. Tenho sete filhos debilitados e com a ânsia de mascar. É caso para entoar com Luiz Pacheco – Dêem-me trabalho ou dêem-me mais trabalho –  

Ou então, plantem-nos na boca a vontade de não comer. Sinto que me estou a despedir de toda a lama e toda a trama. Contudo, não tenho tempo para rancores e dissabores. Só aspiro ao alamento e benfazeja elevação. Deixai-me subir, então. Depois, dizem por aí, que as deidades não se juntam, de cabeça feita e em sublime comunhão de esforço, para tudo dar errado na esfera de um tristonho adventício e deitar por terra o intento do peregrino. Porém, a culpa não é minha ou, pelo menos, tão só minha, mas sim de cerradas e atrozes circunstâncias. Tomai isto do lado de um despojado conterrâneo e francamente confessional, oh meus indiferentes contempladores!

Então aí vai esta catarse:

Sou da coutada dos intocáveis,

esconso e pachorrento aventureiro,

um eflúvio de viandante e descentrado,

a quem se não deve dar a mão,

nem para descer e menos para subir,

sob pena de inexistir a perceção.

Pois o não importunar já muito basta,

nos vis tratos de polé de mil sevícias,

vai nu o desastrado em seu ofício.

Faço parte da horda dos invisíveis,

os párias e ralés do principado,

por nunca ter estofo-envergadura.

Nasci morto e disso já ninguém duvida,

nem da parte do diabo ou de vidente,

nem da banda dum esdrúxulo zarolho.

Oh cristalino esbirro de desventura!

Na era dos fluídos e voláteis,

a força de expressão pouco seduz.

Oh sombra de esmero do passado!

Impulsa a minha voz pela palavra,

canta, exulta e anda minha perna,

empolga e voa alto a minha sina,

leve tal que Sousa de Zebedeu,

em saltos de pulga pela cidade.

Sou banal em boa verdade,

entoo suado hino nos jornais

e grátis, por amor, a minha prosa.

Só mentecaptos ao cubo

não divisam o sufoco de agonia.

A leste de qualquer premonição,

não me sabem ler na carne e fina alma

e pior um pouco me escrutinar,

uns perenes agarrados à fútil repelência,

andam sempre os ferozes manigantes.

Sabem viver e procriar os sicofantas,

pois propalam muito bem a delação.

Aqui, justo os briosos Catchás e Valdemar,

sou sofrido a resmungar – Kuribota, Kuribota…

Ou ainda – É duedu, é duedu, é duedo,

na mundu n ka pode más -.

Em minha eira de fulgurante transmutação,

impa e corre para benzer uma pia de lavar,  

cobre com unção o desalmado visitante,

blinda a face de um possesso demandante

e cinge a sua fronte com o pano da região.

Este, por acesso repentino à redenção,

desata a regurgitar o mal e fel da tripa,

ganha a fibra de grafeno na estrutura,

uma nova carapaça e rosto nédio,

por assomo de invulgar anastasia,

uma aura divinal no cru do arraial,

para crentes iniciados na minha fé.

Ou seja, ficam lívidos e livres,

voltam puros para urbe do país.

Ah Cutelo de Eutimia da minha sina!

Ah Ribeira de Candura da minha sede!

Se o bicho tiver o lodo no coração,

estresse na medula e ânsia de se matar,

não se aflija ao rubro o ensimesmado.

Abeire-se da Enseada de Horizonte,

no âmago da ilha, meta a pelica de mão

na água, passe pela cútis o combalido

e veja o que sucede à tez premiada.

Oh meu ponteiro de firmamento!

Bem, eu sou de lá e santo de casa,

na sábia voz do povo, não faz milagre,

nem se move pela toada de inquilino,

então árdua continua a minha vida.

O aedo da triste lide assaz comove,

dentro como fora de ente turbado,

muito degenerado, também se diz,

acenando com a asma de contraste,

girando com pimenta, sal e coentro,

como numa roda de alcatruzes.

Ao vulnerável, na fibra dói demais,

no imo perfurado, no fígado pulsante.

Para o desterro é que não vou.

Pudera! Sou um cúpido guerreiro,

arraçado de heroísmo disseminado,

nas veias e na franja do meu ser.

Oh raiz de gene adulterado!

Domingos Landim de Barros*

*Sob a toga de Sísifo Ali Jó

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