Banco Central à deriva: a dança das cadeiras e o colapso do mérito
O Banco Central de São Tomé e Príncipe (BCSTP) devia ser um pilar de estabilidade nacional. Um bastião técnico e ético, independente do poder político, a garantir que o sistema financeiro se rege por regras, não por arranjos. Mas está longe disso.
Nos últimos anos, o prestígio da instituição tem sido minado por dentro. Práticas de concessão de crédito interno, com acesso exclusivo para trabalhadores e com condições impensáveis para o comum cidadão, tornam evidente o privilégio institucionalizado. Ora, os recursos são do Estado — e, portanto, de todos nós. Essa desigualdade de acesso não é só duvidosa: é ilegítima, injusta e eticamente errada.
A cultura interna do Banco já não espelha a excelência que devia caracterizar uma casa com tamanha responsabilidade. Entre casos e casinhos, disputas salariais de moralidade duvidosa, e silêncios cúmplices perante suspeitas públicas, a imagem do BCSTP vai-se diluindo no caldo geral de um Estado que deixou de ser exemplar.
A mudança de edifício não estabilizou a percepção externa — nem a interna. A sensação dominante é a de uma instituição capturada pela política, onde os perfis técnicos foram sendo banalizados e os méritos profissionais desprezados. A reverência institucional de outrora foi substituída pelo descrédito manso — aquele que se impõe quando a rotina do poder vence a expectativa da competência.
E agora, a nova dança recomeça. O Governo prepara mais uma nomeação. E, infelizmente, tudo indica que o próximo Governador voltará a vir de fora do Banco. Será mais um suplente do sistema partidário a sentar-se na cadeira maior.
Tantos anos de formação de quadros, de cursos, de estágios, de missões técnicas, de regulamentos aprimorados — e o Estado continua a tratar os trabalhadores do BCSTP como indignos de liderar a casa que ajudam a manter de pé. Somos exclusivos até nisso: como é exclusivo o nosso subdesenvolvimento, que se reproduz mesmo sob as vestes de leis e regulamentos modernos. As decisões continuam a ser tomadas com mentalidade arcaica. O verniz europeu da lei não consegue esconder a alma feudal de quem manda.
A nova Lei Orgânica do BCSTP, aprovada em Março de 2025, tentou mudar o paradigma: introduziu critérios de nomeação mais exigentes, reforçou a autonomia técnica e a prestação de contas dos membros do Conselho de Administração. Mas a lei só será útil se for levada a sério. Se for respeitada.
O FVV vai estar atento. Vai acompanhar os nomes, os critérios e o respeito pelo espírito da nova legislação. E, desde já, exorta os meios de comunicação social a não deixarem passar este momento em branco.
E ao sindicato dos trabalhadores do BCSTP, deixamos uma interpelação directa: onde estão? que voz têm? o que fizeram nos últimos anos para defender a dignidade do vosso colectivo? Se é para continuar neste estado letárgico, talvez valesse a pena estagiarem com os sindicatos da Educação ou da Saúde — para reaprenderem o que é defender os vossos.
O país precisa de um Banco Central que nos inspire confiança — não de um teatro institucional onde todos dançam conforme a música do poder.
O FVV cá estará. E não vai calar-se.
Este artigo integra a edição completa do Flá Vón Vón deste domingo, que inclui ainda:
Marginal de Ana Chaves: obra em curso, silêncio em alta – uma análise crítica à ausência de transparência na requalificação da principal frente marítima da cidade capital.
Festa com gosto nosso! – um apelo à valorização das expressões culturais santomenses, perante a crescente importação de formatos que não reflectem a nossa identidade.
Leitura completa e arquivo de edições anteriores em: https://flavonvon.substack.com/p/copy-fla-von-von-o-pais-em-voz-alta
Crónica de Luíselio Salvaterra Pinto
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