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Ali Bongo e a política da nacionalidade no Gabão

Liesl Louw-Vaudran*

Tradução de São de Deus Lima

A nacionalidade   e a parentalidade de chefes de Estado é uma questão sensível em todo o mundo e, especialmente, em África. Por exemplo, durante anos, os então detentores do poder na Costa do Marfim sustentaram que o Presidente Alassane Ouattara não era marfinense, mas sim do Burkina Faso e, consequentemente, que não poderia participar em eleições presidenciais. O actual presidente da Zâmbia, Guy Scott, está impedido pela Constituição de se recandidatar às eleições do próximo ano porque os seus pais são escoceses.

Na semana passada, eclodiram confrontos em Libreville, Gabão, entre a polícia e manifestantes, durante uma marcha contra o Presidente Ali Bongo Ondimba, filho do falecido presidente Omar Bongo.

A manifestação, declarada ilegal pela polícia, avançou em direcção ao Supremo Tribunal, onde a oposição interpusera uma queixa contra Ondimba por falsificação do seu certificado de nascimento pouco antes das eleições de 2009. O antigo Presidente da Comissão Africana, Jean Ping, que se juntou à oposição, esteve entre os manifestantes. Trata-se agora de saber se a oposição gabonesa está simplesmente a brandir a questão da nacionalidade de Bongo – tema de um recente livro publicado em França – por saber que ‘’a política da identidade’’ tem fortes ressonâncias no seio da população.

Desde as contestadas eleições de 2009, Ali Bongo implementou várias medidas para modernizar as infra-estruturas e melhorar a governação política e económica do país que se tornara sinónimo de pilhagem dos recursos pela elite, ligada por laços neo – coloniais à França. Acredita-se que a ausência de um plano claro da oposição possa ser a razão que leva alguns dos seus líderes a usar as alegações do novo livro para enfraquecer a imagem do presidente.

No livro intitulado ‘’Novos Escândalos Africanos’’, o autor francês, Pierre Péan, alega que Ali Bongo foi adoptado do Biafra, Nigéria, pelo seu pai e pela primeira mulher deste, Patiente Dabany. Durante a guerra do Biafra na década de 60 do século XX, vários órfãos de guerra foram levados para o Gabão e tem-se presumido que o actual presidente gabonês tenha sido um deles. Péan, um jornalista de investigação, baseia as suas alegações em testemunhos de elementos do círculo íntimo de Ali Bongo. Segundo o jornalista, a questão da nacionalidade de Ali Bongo tem sido, já de há muito, um segredo escancarado.

Péan explora igualmente,como prova da adopção, inconsistências no certificado de nascimento do presidente, extraído apenas dois meses antes da morte do seu pai em Junho de 2009. O certificado diz que o nome completo do chefe do Estado gabonês é Ali Bongo Ondimba. Acontece que o sobrenome Ondimba foi apenas agregado ao nome da família poucos anos antes, pelo que não poderia figurar no certificado de nascimento.

Paul-Simon Handy, um investigador veterano do Instituto para Estudos de Segurança (Institute for Security Studies), afirma que os rumores sobre a parentalidade de Ali Bongo não são recentes, mas que ninguém, no seio da oposição gabonesa, tivera a coragem de abordar o assunto.

À semelhança do que sucedia com o regime do seu pai, o governo de Ali Bongo é conhecido pelo seu formidável poder de petrificar qualquer dissidência. O livro de Péan chega em boa altura para a oposição que irá capitalizar os ataques pessoais ao presidente para ganhar votos nas eleições previstas para 2016.

‘’O problema da identidade em África é muito importante. As pessoas tendem a votar em alguém porque é oriundo da sua aldeia’’, diz Handy.

‘’A oposição sabe que vai ser difícil bater Bongo nas urnas, parcialmente porque o seu desempenho sócio – económico não tem sido mau.’’

Handy acrescenta ser importante notar que este tipo de ‘’jogos baixos’’ não se restringem à política africana. Mesmo nos Estados Unidos, Barack Obama foi acusado de não ser americano. Os republicanos sabiam que não podiam derrotar Obama em outras questões, logo, recorreram a ataques pessoais para substituir um programa político alternativo. O mesmo acontecera antes da chegada de Ouattara ao poder na Costa do Marfim. O antigo presidente Laurent Gbagbo sabia que Ouattara era popular e socorreu-se de alegações sobre a nacionalidade para manter o rival o mais afastado possível da corrida presidencial.

Contudo, a oposição gabonesa parece dividida quanto a fazer das alegações de um jornalista francês o cerne da sua campanha eleitoral. Afinal, o livro não foi publicado no Gabão. Deveriam tais alegações ter semelhante repercussão? E o que dirá isso sobre a influência da França sobre um pequeno país da África Central que, no passado, foi acusado de ser um dos pilares da chamada ‘Francafrique’ – uma referência aos estreitos laços entre políticos e homens de negócios franceses e a África francófona?

O facto de Péan ter instado publicamente Ali Bongo e sua mãe a submeterem-se  a testes de ADN representou, para alguns, um choque. O assunto foi amplamente coberto pela imprensa francesa, a qual transformou o que poderia ter sido uma tempestade em copo de água num facto político de grande envergadura.

A morte da Francafrique  tem sido anunciada por todos os presidentes franceses desde que Jacques Chirac deu o pontapé de saída em meados da década de 1990, proclamando o fim de práticas corruptas como o financiamento por Estados africanos das campanhas eleitorais da direita francesa, ‘comprando’, consequentemente, o apoio desta.

Contudo, os laços neo-coloniais parecem ser fortes. Por exemplo, a França foi acusada de ter ajudado Ali Bongo a chegar ao poder em 2009, preferindo a ‘estabilidade’ a uma mudança de poder no país produtor de petróleo. O mesmo se diz em relação ao Togo, onde o actual Presidente Faure Gnassingbé sucedeu ao pai após a morte deste em 2005, sem grandes protestos da França.

Têm-se feito perguntas sobre a ajuda francesa ao desenvolvimento a um país como o Gabão que, estritamente falando, não deveria necessitar dela tendo em conta a abundância dos recursos naturais e a fraca densidade populacional. As críticas à ajuda desproporcional ao Gabão datam de 2010, após a chegada de Ali Bongo ao poder.

Em finais do mês passado*, outra figura importante da Francafrique, o ex-presidente Blaise Campaoré do Burkina Fasso, foi derrubado após 27 anos no poder. A França admitiu ter ajudado Campaoré a escapar para a Costa do Marfim quando multidões enfurecidas incendiaram o edifício da Assembleia Nacional, exigindo a renúncia do presidente. Caso venha a ocorrer uma completa mudança do poder no Gabão, isso poderá representar o último prego no caixão da Francafrique.

Porém, Handy manifesta dúvidas, dizendo que isso irá depender da capacidade da oposição gabonesa de se unir e mobilizar apoio suficiente para derrotar a poderosa ‘máquina governamental’ à volta da família Bongo. A família vai processar Péan em França por outras alegações no livro, que implicam Ali Bongo em tentativas de assassinato de líderes da oposição. Todos os membros da família Bongo, incluindo a sua irmã e arqui-rival Pascaline, se uniram em torno do presidente, assegurando que ele é realmente da sua carne e do seu sangue.

Em política, o sangue parece ser mais forte que a água.

*Liesl Louw-Vaudran é consultor do Instituto de Estudos de Segurança

* O artigo foi escrito em Novembro de 2014.

 

 

3 Comments

3 Comments

  1. Fernando Castanheira

    23 de Dezembro de 2014 at 10:21

    Sao Tome e Principe nao esta longe disto

  2. Juka Valentim

    23 de Dezembro de 2014 at 18:06

    Se se confirmar que o homem é filho de pais nigerianos e nascido na Nigéria, há matéria para se discutir a sua elegibilidade ao cargo de Presidente da República do Gabão. Nem na liberal América seria possível um filho de estrangeiros nascido no estrangeiro ser Presidente da República. Enfim, mas já lá chegou e,pelos vistos, muitos que agora o atacam já, alegadamente, sabiam. Ah! Ça ira, ça ira!

  3. Jordao

    25 de Dezembro de 2014 at 2:53

    “….mensonges et pillages au Gabon!” Alain Bongo, mais tarde Ali, é muito conhecido no círculo dos dirigentes africanos, como um usurpador, que aliás, a própria irmã adoptiva Pascaline, sabe, sendo ela a mãe dos 2 filhos de um dos líderes da oposição, Jean Ping. Ali, é corrupto , larapio, incompetente etc.
    Tarde ou cedo, fará parte dos africanos políticos julgados na CPI….seguido de outros vadios, seus colegas e amigos. A coisa está ruim!

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