Eis que vou abordar agora, em concreto, um tema que é intrínseco ou é o âmago dos “ Direitos Fundamentais e Direitos do Homem” já publicado em duas tranches I e II.
Como então referi, Direitos Fundamentais/Direitos do Homem são inerentes ao binómio Estado/Cidadão, porque é ao Estado que se exige o cumprimento desses direitos, embora isso obrigue a todos, porque no essencial todos devemos respeitar os direitos dos outros. Neste caso de detenção, estamos a lidar com o direito fundamental superior, para além da vida, que é a LIBERDADE.
Ou seja, está em causa como o Estado, com o seu poderio de “jure imperii” e “jus puniendi”, pode e deve, em defesa de outros valores e direitos colectivos ou individuais, privar um cidadão da sua liberdade, o que opera a priori com a detenção.
E só há ou pode haver detecção que é a forma primária de privação de liberdade, nos termos e dentro dos limites legais. Não se pode prender pessoas sem, primeiro, que haja competência para tal, segundo, sem que elas tenham cometido um crime. Todo o resto é marginal, ilegal, abuso de poder, etc. E se houver situações destas de detenção ilegal (ou prisão ilegal), o cidadão pode processar o Estado e/ou seu agente, civil ou criminalmente.
Aliás, o Código de Processo Penal prevê na SECÇÃO IV (Da indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada) a possibilidade de o Estado ter que indemnizar alguém que seja vítima de privação da sua liberdade ilegalmente.
Detenção é um acto praticado por autoridades policiais (P.N. – Policia Nacional ou P.I.C. – Policia de Investigação Criminal) ou autoridades judiarias (Tribunal ou MP) e consiste em privar qualquer cidadão da sua liberdade, quando este esteja a cometer ou acabou de cometer um crime e esteja a ser perseguido por autoridades competentes, neste caso, pelos agentes policiais, geralmente em primeira mão, ou noutras situações por autoridades judiciárias, como veremos a seguir.
Excepcionalmente, qualquer pessoa pode deter alguém que esteja a cometer um crime (em flagrante delito), ficando com obrigação de apresenta-la às autoridades policiais mais próximo, conforme o artigo 151/2 do Código de Processo Penal.
A lei define a detenção como “toda a privação de liberdade por período de tempo não superior a 48 horas em que o detido não pode ser colocado em estabelecimento prisional destinado a execução de pena privativa da liberdade nem ao cumprimento da prisão preventiva” (artigo 149.º), significando com isso que, quando alguém é detido, essa detenção só pode durar 48 horas, devendo o detido, que não for libertado nesse prazo, ser presente as autoridades judiciárias, sob pena de o detido ou qualquer pessoa requerer habeas corpus ao juiz de primeira instância para a sua libertação imediata (artigo 157.º) seja qual for o crime; mesmo o homicídio.
Lembre-se que o habeas corpus por detenção ilegal é o instrumento através do qual o detido ou qualquer pessoa pode pedir ao Tribunal de Primeira Instância a sua libertação por detenção superior a 48 horas.
Em termos de tramitação, o Juiz a quem for requerido habeas corpus deve ordenar apresentação imediata do detido, sob pena de crime de desobediência qualificada. E o Juiz, ouvido o Ministério Público, o defensor do detido e este, decide em 48 horas (artigo 158.º). É um processo mais célere que o de habeas corpus por prisão ilegal, que atinge a decisão do Juiz de 1ª. Instância que tenha ordenado prisão preventiva de arguido ouvido em primeiro interrogatório, cujo pedido é dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça que tem sete (7) dias para decidir.
Importa precisar que habeas corpus por prisão ilegal (artigo 181.º) tem requisitos muito apertados, diferentemente de habeas corpus por detenção ilegal que por natureza é simples e mais célere (48 horas), como bem se compreende, não tanto por um ser contra a decisão de Policia e o outro do Tribunal (vidé meu tema “HABEAS CORPUS”. Os dois mecanismos têm beneplácito ou cobertura constitucional nº. artigo 39.º.
As nossas Policias têm invocado dificuldades em cumprir esse prazo, com alegação de que, por vezes necessitam de mais tempo. Isso para mim não colhe; não, porque detenção não implica instrução nenhuma; não se tem que fazer sequer interrogatório. Basta que o polícia tenha elementos que indiquem que há fortes indícios de crime contra alguém em flagrante delito. Mas é preciso que haja indícios consistentes, porque não se pode deter pessoas gratuita e levianamente, porque está em causa a liberdade que é um direito fundamental. E já ouvi pessoas de alto nível e vários quadrantes a desprezar a valorização e o respeito que se deve a esse direito que, além de constitucional, considero ser de direito natural, primando por banalidades diversas em seu desprezo.
O que é facto efectivamente gritante, é a banalização de que as nossas Policias estão (e sempre estiveram) votadas por parte do poder político, sem condições para cumprir as suas obrigações profissionais. Há uma autêntica miséria institucional.
Temos o exemplo do caso de droga; não vá uma dessas entidades levar alguém detido sem que comprove por exame laboratorial (Laboratório de Policia Científica!), que o produto encontrado na posse de detido é efectivamente droga. Porque, sem essa prova indiciária, à porta do Ministério Público não devia passar muito menos do Tribunal. Lembrem-se do caso de dezenas de pessoas terem sido detidas por uso e consumo de droga, sem nada de prova, passou pelo M.P. e o Juiz acabou por libertar todas! E as autoridades políticas não estavam inocentes nisso!
E que tal houvesse uma Inspecção Policial como há noutras paragem, em que o cidadão violentado no seu direito faz queixa ao inspector e isso poder culminar com responsabilização do agente!
Ninguém é digno e prestigiado, se despreza os direitos fundamentais, sobretudo as autoridades públicas. E diga-se que esse desprezo decorre essencialmente de espírito desumano e maligno, porque não se compreende que, estando alguém em funções do Estado, com regras próprias e proibitivas para tal, possa ter interesse em castigar o seu próximo. Ao menos que haja algum interesse de cariz patrimonial que não do próprio Estado, ou vingança pessoal ou de terceiros.
Vê-se o que se passa com países onde não se cumprem os direitos fundamentais, máxime, LIBERDADE. É uma autêntica vergonha internacional e mancha a imagem do país; temos variadíssimos casos que ocorrem no país irmão da Guiné Bissau, para não falar de outros, por razões de alguma timidez minha, confesso. Porque cá na terra, o Povo sabedor diz “a na cá xá ba uê monxi fa ê”!
O Código de Processo Penal distingue duas situações de detenção. A primeira que é a mais comum, consistente e típica com relevância para a prova, é a detenção em flagrante delito (artigo 150.º), que como já disse algures, é apanhar alguém com a “boca na botija”; é ser visto em flagrante a cometer um crime. Diz o n.º 1 desse artigo “É flagrante delito todo o crime que se está a cometer.”Só que no n.º2 vem estender esse conceito para o crime que se acabou de cometer, o que já não é o mesmo que “boca na botija”. O n.º3 também alarga o conceito de flagrante delito para situações em que alguém cometeu um crime e está a ser perseguido “por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou de nele participar”.
Repare-se que o que está em causa é a prova, ou necessidade dela, para se imputar responsabilidade criminal a uma pessoa e ela poder ser detida. Eis porque, a essência desse conceito de flagrante delito é não se correr o risco de prender alguém sem que haja certeza, pelo menos relativa, de que houve cometimento de um crime. E isso ainda na linha da defesa do sagrado princípio da presunção da inocência.
Vê-se com isso que é proibido prender (deter) um cidadão seja ele nacional ou estrangeiro, se não houve flagrante delito. Não pode haver, como se passa amiúde na nossa sociedade, a cegueira ou paranóia de prender pessoas que tenham praticado um crime passado algum tempo (um, dois, três, quinze ou mais dias, mês …), porque é ilegal. É a chamada detenção ilegal que deve levar qualquer autoridade judiciária a libertar imediatamente alguém que seja detido nessas condições, devendo, entretanto fazer seguir os autos para o M.P. E seja qual for o crime!
A ilação que tiro disse procedimento legal é de que o processo penal consiste ou exige que se prive a liberdade dos cidadãos, com toda a propriedade, dignidade, rigor e também vigor da lei no julgamento. O julgamento é a sede suprema para se privar uma pessoa da sua liberdade, porque aí faz-se a produção da prova para se apurar a veracidade dos factos que são imputados ao agente do crime (arguido).
Ora defendo, muito pessoalmente, pelo meu sentido de justiça, que se alguém cometeu um crime de homicídio, nem que seja há dois meses, essa pessoa deve ser detida, porque este crime como outros ainda (violação de criança e menores, furto qualificado, roubo e alguns como o terrorismo e outros ligados ao atentado contra o Estado e o Estado de Direito etc.) que, pelo alarme social que pode gerar, se quem cometer esses crimes estiver em liberdade. A sociedade, a opinião pública não toleram isso. Mas lei é lei, e ela assim estabelece, pelo que tem de ser cumprida. “Dura lex sed lex”. A justiça não se faz na rua, nem muito menos é permitida a justiça pela própria mão. É a chamada proibição da vindicta privada”.
Há uma outra possibilidade de se deter um cidadão delinquente que a lei chama de “Detenção fora de flagrante delito” (artigo 152.º).
Tenho para mim que essa detenção não tem igual natureza, nem objectivo como a do flagrante delito que visa deter para ser ouvido em primeiro interrogatório ou ser julgado em processo sumário (de imediato ou rapidamente), consoante o caso, conforme se pode concluir dos artigos 215.º e 359.º devidamente conjugados.
A detenção fora de flagrante delito, como diz o referido artigo 152.º, só se aplica aos crimes passíveis de pena de prisão superior a três (3) anos, desde logo (n.º 2 al. a), quanto ao MP e PIC.
E é preciso reter isso: só se aplica essa detenção se já houver algum processo contra uma pessoa e só pode ser ordenada pelo Juiz para obrigar a comparência da pessoa em qualquer acto que tenha faltado injustificadamente, pelo M.P. e Director da PIC (só ele, e nada de inspectores ou agentes!) se houver em curso um processo contra alguém na fase de instrução preparatória.
Para o Ministério Público e para a PIC, só pode haver detenção em flagrante delito, se “Existirem fortes indícios de que o suspeito se prepara para fugir à acção da justiça e não for possível dada a situação de urgência esperar pela intervenção do Juiz” (n.º2 b). Mas esta situação de tentativa de fuga tem de ser fundamentada em despacho que ordena a detenção; não basta alegar simplesmente como tem sido prática.
Hilário Garrido – juiz de Direito
costa
21 de Maio de 2014 at 9:18
verdadeira aula de direito penal
António da Conceição Almeida
21 de Maio de 2014 at 15:05
Muito me agradou o seu esclarecimento e é pena que em tempos passados, muitos sofreram nas prisões em S.Tomé, sem terem alguma culpa. É o meu caso. Fui detido durante nove meses e sete dias ( 5 de Outubro de 1980 a 12 de Julho de 1981 ) Não fui julgado nem condenado. Saí de S.Tomé e resido em Portugal.
manuel soares
29 de Maio de 2014 at 11:03
Bem dito, explicado e explicitado mas meu caro Dr Juíz na prática nada, nem próprio o senhor cumpre o que escreve e escreve bem, das práticas vejamos quantas mulheres o sr tem, o senhor é muçulmano, então? Isto não é crime, outra, quanto ganha? para tanto gasto com p e vinho verde, cigarro! Não cai do céu, o sr declara ao fisco quanto ganha? o sr fez a declaração dos seus bens? olha meu caro o dinheiro tem caido de qualquer lado, o sr ainda recorda do caso de autorizar o seu cunhado Delfim e possibilita-lo a candidatar-se a presidente da república em 2012, porquê que o sr não pediu suspeição???????? Oh!!!!!!!!!! estás muito manchado meu caro, escreves mas não convences ninguém porque a sua prática é contrária. Bom dia
Nicolau Cautingo
19 de Novembro de 2015 at 15:20
Uma explicação sem sombras de duvidas.
Espero que muitos cidadãos tenham acesso a esta lição tão clara e penetrante.