Repisando a modalidade de detenção fora de flagrante delito por ser uma situação excepcional e provisória, e, como já disse, diferente de detenção em flagrante delito, e, por se tratar de uma forma de privação de liberdade que tem gerado alguma controvérsia quanto à sua interpretação e aplicação no seio das Policias, e inclusive, das própriasmagistraturas, penso ser mesmo necessário transcrever na íntegra o artigo 152.º do Código de Processo Penal:
Artigo 152.º (Detenção fora de flagrante delito)
“1. A excepção dos magistrados e advogados, qualquer outro interveniente processual pode ser detido, por ordem do juiz como forma de assegurar a sua comparência imediata em acto processual a que tenha faltado injustificadamente”.
“2. No decurso da instrução preparatória o Ministério Público e o Director da Policia de Investigação Criminal podem ordenar a detenção fora de flagrante delito do arguido, quando:
a) O crime indiciado for punível com pena de prisão superior a três (3) anos.
b) Existirem fortes indícios de que o suspeito se prepara para fugir à acção da justiça e não for possível dada a situação de urgência esperar pela intervenção do juiz”.
Com esse artigo fica claro que a regra é que só a detenção em flagrante delito pode privar um cidadão da sua liberdade. E a detenção é uma medida precária que só pode durar máximo 48 horas, devendo o detido ser libertado ou apresentado às autoridades judiciárias.
Se alguém cometeu um crime duas ou mais horas depois, não pode um polícia prendê-lo, se ele não estiver a ser perseguido após o cometimento do crime, porque já não há flagrante delito. E fora disto, a detenção é ilegal e sendo ilegal quema procedeu deve libertar o suspeito imediatamente, porque não se pode, nem se deve, apresentar ao Ministério Público alguém que seja ilegalmente detido, muito menos ao Tribunal, devendo, neste caso, estas autoridades libertar o detido imediatamente (Artigo 155.º/1 al. b)
E não se esqueça que o cidadão detido ou preso ilegal ou injustamente pode pedir indemnização ao Estado, conforme já referi na primeira parte deste tema.
Como o procedimento normal é que as Policias enviam os detidos para o Ministério Público, este deve liberta-los imediatamente quando verificar que a detenção é ilegal.
Diz esse artigo 155.º (Libertação do arguido) no n.º 1 que “Qualquer entidade que tiver ordenado a detenção ou a quem o detido for presente procede à sua imediata libertação: b) Se tiver sido efectuada fora dos casos e das condições previstas na lei”, entenda-se, detenções em flagrante delito (artigo 151.º) ou fora dele e dentro das condições estabelecidas pelo no artigo 152.º acima transcrito. Isso aplica-se também, portanto, às próprias Polícias quando por lapso detenha alguém que venha a verificar que afinal foi detido fora da lei ou das condições que ela estabelece.
O Ministério Público só pode enviar os detidos( nestasituação já chamados de arguido por ter um estatuto próprio que lhes confere direitos e deveres) para o Tribunal, se a detecção for legal, com dois objectivos: primeiro, para que ele seja ouvido no primeiro interrogatório, se a sua detenção foi efectuada em flagrante delito e se ao crime corresponder uma pena de prisão superior a 5 anos; segundo para que seja julgado sumariamente se a pena não for superior a 5 anos (artigos 215.º e 359.º devidamente conjugados). Não sendo legal a detenção, repito, deve liberta-los imediatamente.
Esmiuçando o artigo 152.º, podemos ver que confrontando o n.º 1 com al. b) do n.º 2 segunda parte in fine, fora de flagrante delito sóo juiz pode ordenar a detenção, porque o Ministério Público e o Director da Policia de Investigação Criminal, só a podem fazer “se …não for possível dada a situação de urgência esperar pela intervenção do juiz”.
Portanto, excepcionalmente, o MP e o Director da PIC só podem deter pessoas fora de flagrante delito: 1º. Se estiver em curso um processo contra o suspeito que esteja na fase de instrução preparatória, sendo esta a primeira fase do processo penal em que se começa a reunir os indícios de prova e se faz as primeiras diligências para se apurar se justifica avançar com uma acusação contra o arguido ou não.
Não se pode deter ninguém fora de flagrante delito para se apresentar ao M.P. ou ao Juiz como se houvesse flagrante delito. E essa detenção é só para alguém estar presente numa diligência e não para ficar detido e apresentar-se ao judiciário, como tem acontecidomuitas vezes, para o primeiro interrogatório. Para este só vai o arguido detido legalmente.
Havendo denuncia ou queixa sobre crimes ocorridos fora de flagrante delito, a PIC ou mesmo a Polícia Nacional deve elaborar o respectivo auto e encaminha-lo para o Ministério Público, sem detenção alguma e minimamente instruído, com um mínimo de contraditório possível, para ser depois desencadeado a instrução preparatória que é dirigida por este órgão judiciário.
Aberta a instrução preparatória, pode o Ministério Público, como tem sido habito e está previsto no C.P.P. (artigo 269.º), delegar à PIC a prática de actos instrutório, dentro de certo prazo, para depois devolvê-lo a procedência a fim de ajuizar se há ou não elementos para acusar ou arquivar o processo.
Como já referi noutros lugares, a justiça penal não se desencadeia, necessariamente, com arguido detido ou preso. Pelo contrário, a regra é: primeiro investigar e só depois é que se prende e a detenção só ocorre em situações previstas na lei.
O mesmo se passa com a prisão preventiva. Esta medida de coacção – a mais grave de todas – não é indispensável para que se prossiga com o processo criminal, porque tudo o que se apurar como elementos de prova ainda é considerado indícios (indícios de prova ou prova indiciária), o que significa provas com consistência relativa apenas para levar até ao julgamento, porque só no julgamento é que se apura com todo o rigor possível, a verdadeira prova para se condenar alguém à prisão efectiva ou, condenar, e a pena aplicada ficar suspensa, caso em que de facto o arguido (réu) não vai para a Cadeia.
E para se proceder a detenção fora de flagrante delito, há que se emitir um mandado que só pode ser assinado pelas autoridades descritas nesse artigo 152.º ( Juiz, magistrado do M.P. e Director da PIC ). E tratando-se de uma competência funcional que incide sobre o direito fundamental dos cidadãos, não como pode ser delegada para outras entidades. Nessa matéria o juiz não delega a ninguém, nem o M.P., nem muito menos o Director de PIC.
Diz o artigo 153.º/1 (Mandados de detenção) que “A detenção fora de flagrante delito só pode ser efectuada mediante mandado cujo duplicado será entregue ao detido”. Isso quer significar que se não houver mandados assinadospelo Juiz, Magistrado do MP ou Director da PIC, nenhum cidadão pode ser detido fora de flagrante delito, podendo agir em defesa do seu direito sem que isso implique crime de desobediência.
A propósito de detenção fora de flagrante delito ocorre-me falar um pouco de situaçõesque têm ocorrido com frequência com os cidadãos nas nossas Polícia. Normalmente quando há um crime de ofensa corporal que é muito frequente no nosso país, só no dia seguinte ou mais dias é que a pessoa ofendida vai se queixar à Policia. Esta o que faz, é mandar um aviso, contrafé ou coisa parecida para o agressor que são muitas vezes levados pelo próprio ofendido para que aquele compareça na Polícia.
Aqui chegado, abordado ou não, é detido para depois se encaminhar para o MP. Às vezes é deixado em liberdade para ir no dia seguinte ou outro para ir ao MP, muitas vezes, com o TIR (Termo de Identidade e Residência) que é uma quase não-medida de coacção porque é até aplicada pelas Policias. Com essa medida a pessoa está em liberdade, mas mandam-na regressar a Policia. Quando regressar é conduzida ao M.P. com o auto de notícia, ainda como detido. Pior de tudo, é recebido pelo MP e remetido para o Tribunal para ser julgado sumariamente.
Grande aberração corroborado inclusive pelo Tribunal! E chega mesmo a ser julgado!
Ora, nestas situações de ofensas corporais, não havendo flagrante delito, quando é apresentada uma queixa, o importante e em termos práticos, antes de verificar se há ou não flagrante delito, a Policia deve procurar saber se o ofendido quer ou não manter a queixa. Se quer, morre o caso, o que pode até, a meu ver, envolver negociação entre o ofendido e o agressor, eventualmente, para que este pague algo compensatório por algum prejuízo gerado com a agressão. Não querendo, e havendo flagrante delito, só neste caso pode seguir com o detido para o MP que normalmente, podendo ainda saber se o ofendido quer desistir da queixa, como permite a lei (artigo 141.º/2 do Código Penal), remete o caso para o julgamento sumário (artigo 359.º do Código de Processo Penal). Lembre-se que só em caso de detido em flagrante delito.
Todo o resto, desde a Policia deve-se elaborar o auto de notícia, não sendo mesmo indispensável a presença do agressor e remeter os autos ao M.P. que por sua vez não pode mandar para o Tribunal para julgamento sumário (por não haver detenção em flagrante delito), devendo instruir o processo como qualquer outro e seguir os trâmites seguintes.
Ora, entendo que deve-se alterar a lei para que os processos de pequenas causa (a chamada “baga tela penal”) devem ser resolvidos em pouco espaço de tempo, desde logo, podendo-se criar um tribunal de polícia que pode funcionar mesmo alí, em que os casos são de imediatos resolvidos ou criar-se um tribunal de policia correccional que se ocuparia dessas causa e as tratasse de forma muito célere, com ou sem detido.
Hilário Garrido
jacinto fragoso
24 de Junho de 2014 at 13:00
Sempre muito pedagógico e assertivo nos teus textos. Isso é serviço publico. Forte abraço Jacinto Fragoso (alentejano)