Parece-me que entardeceu: aproximou-se de nós aquela nuvem sombria que, um pouco ou mais, por todos os cantos tem pairado. Mais cedo ou mais tarde, essa nuvem teria de nos cobrir, dessa vida ficcionada, alicerçada na nossa auto-suficiência. A palavra «coronavírus» encarnou, pela primeira vez, entre nós – são quatro os casos confirmados, para já, embora com manchas de incertezas.
A conta disto, tenho vindo a assistir algumas discussões – aliás, diria eu, defesa apaixonada de pontos de vista contrários – nas redes sociais, socialmente infrutíferas, pois tem-se procurado mais um Cireneu que possa levar com a cruz, ou a melhor pessoa que se ajuste a veste do culpado, do que as soluções para o problema. Como é óbvio, o traje de culpado fica sempre elegante naqueles que são os nossos oponentes (partindo da lógica de que, sempre ou quase sempre, o outro é que é o culpado por aquilo que nos acontece a nós ou à todos).
Seria bom se percebêssemos de uma vez por todas, que, quanto a isto, ninguém é mais culpado do que o outro: ou todos somos igualmente culpados ou ninguém o é. Ou, talvez, os verdadeiros culpados são os que julgamos serem inocentes.
O livro de Albert Camus, «La Peste», é um maravilhoso romance arrebatador sobre o horror, a sobrevivência e a resiliência do ser humano.
O que se diz é: tanto as guerras como as pestes (a pandemia do coronavírus neste contexto) encontram-nos, igualmente, sempre de mãos ao ar, atadas ou desprevenidas. E o escritor explica, e bem, que poderíamos chegar a compreensão da estupidez se o nosso olhar fosse para além do umbigo: «A estupidez existe sempre e compreendê-la-íamos se não pensássemos sempre em nós. Os nossos concidadãos, a esse respeito, eram como toda gente: pensavam em si próprios. Por outras palavras, eram humanistas: não acreditavam nos flagelos.
O flagelo não está à medida do Homem; diz-se então que o flagelo é irreal, que é um mau sonho que vai passar. Ele, porém, não passa, e de mau sonho em mau sonho, são os homens que passam e os humanistas em primeiro lugar, pois não tomaram as suas precauções».
Por isso, é preciso que olhemos para a nossa realidade sem disfarces, colocando a mão no peito, e reconheçamos que nós não criamos condições, desde sempre e agora, que fossem capazes de dar resposta às questões, talvez mais básicas como esta, que se prendem com a saúde pública. Só teremos a consciência disso, se formos capazes de engatar ao ré, para perguntamo-nos sobre quantos hospitais tínhamos e, agora, quantos temos?
Certo é que todos nós, desde os que estão no topo da pirâmide hierárquica aos que pelejam quotidianamente para sobreviver, não soubemos ser bons gestores daquilo que é nosso: uns ordenaram que fossem fechados os hospitais das antigas roças e outros vandalizaram-nos. Esta é, diga-se o que se disser, a nossa realidade desmascarada. Por isso, somos todos réus confessos por este desleixo. Se agora é preciso medidas coercivas para que este mal de contaminação patológica não se propague, que assim seja; pois, certamente, será para o bem comum.
Por isso, julgo eu, que este momento é, antes de mais, para nos unirmos na luta contra este inimigo irreconhecível ao olho nu, mas vencível, que quer nos dilacerar sem exceção, independentemente do assento que temos na pirâmide social. É bem verdade que já fizemos o que se podia ser feito para que fosse adiada a sua aterragem, pois, embora um pouco ingénuo, sabíamos que se tratava de uma realidade inevitável.
Agora, mais do que nunca, precisamos é de sentido de união, ostentado no brasão das Forças Armadas, para lutarmos contra a sua invasão, sem amedrontamento e sem fobia: vamos entrelaçar as nossas mãos! Pois, é bom que imitemos Pilatos lavando as mãos, como um gesto sanitário que se recomenda, porém, não para andarmos por aí a dizer: «é lá convosco»; isto tem tudo a ver connosco. Ninguém é uma ilha: a ilha é o somatório de todos nós.
Ass.: Francisco Salvador
SEABRA
13 de Abril de 2020 at 8:26
É para isso que nós queremos. Chamar atenção a união entre nós, para juntos vencermos está pandemia. Um abraço.
Estado de Emergência
13 de Abril de 2020 at 21:19
O país teve tempo para precaver! Não é estar agora a criar alaridos como se existisse pessoas infectadas, mas sem sintomas. Vamos ser sérios!
Carlos de Trindade
13 de Abril de 2020 at 23:02
A ilha é o somatório de todos nós! Esta frase é profunda e chama cada um de nós a comprometimento. Coragem jovem, abraço.
Observador
14 de Abril de 2020 at 15:49
Esta citação é muito pertinente: « é preciso que olhemos para a nossa realidade sem disfarces, colocando a mão no peito, e reconheçamos que nós não criamos condições»
Mais além STP
14 de Abril de 2020 at 16:40
Esses homens de MLSTP são bancos de gananciosos….eles estão a inventar doença para comer dinheiro destinado a pandemia. Estamos atentos!
Quarentena
15 de Abril de 2020 at 8:52
Saibamos ouvir e principalmente os responsáveis da nação, esta reflexão tão verdadeira.. Necessário e urgente unirem forças e olharem para o mesmo lado.. A saúde, e o bem de todos é prioridade… Bem haja