Opinião

A Brincadeira ainda continua

Por razões pessoais e profissionais momentâneas, deixei de ler, ver e ouvir, com regularidade desejável, através de diversos meios de comunicação disponíveis, as notícias relacionadas com a nossa terra. Hoje, um pouco exausto com a rotina profissional exigente, que me tem deixado sem tempo para quase nada, resolvi, após uma pequena pausa, ir espreitar o nosso “Téla Non” e outros meios de divulgação de notícias do país.

Decorrente deste exercício, soube, por exemplo, que:

  1. no dia 25 de fevereiro, o ministro das Finanças, depois de fazer um balanço sobre os constrangimentos financeiros que afetam o país, declarou que o estado das nossas finanças públicas, aparentemente insustentável, na sua opinião, apresentava uma arrecadação de receitas mensais equivalente a 3 milhões e 200 mil euros e, no entanto, o gasto com despesas de funcionamento, deste gigantesco Estado, tendo em conta a nossa realidade, era de cerca de 5 milhões de euros;
  2. no dia 4 de março, o mau tempo afetou o país, um pouco por toda a parte, e fez com que, no distrito de Lembá, uma pequena ponte, desabasse e, decorrente deste facto, o país tivesse ficasse privado, por largos dias, de fornecimento geral de energia tendo em conta que esta era uma via por onde o combustível tinha de passar, através de transporte adequado, rumo à cidade capital;
  3. no dia 7 de março, as autoridades nacionais, sob a coordenação do senhor primeiro-ministro, reuniram-se com o corpo diplomático acreditado no país com o objetivo de mobilizar meios financeiros para fazer face aos problemas provocados pelo mau tempo que afetou o país, referenciado anteriormente, tendo, todavia, em resposta ao referido pedido, o embaixador da Guiné Equatorial, em representação dos seus pares, declarado que os referidos parceiros não têm condições, neste momento, de ajudar o país, tendo em conta a situação económica e financeira internacional prevalecente;
  4. no dia 2 de março o Japão disponibilizou cerca de 76.570 Euros para reabilitação da Escola Primária de Porto Alegre; 71.000 euros para construção/reabilitação do Jardim de Infância de Bombom e 74.940 euros para o projecto de reabilitação da Escola Primária de Caldeiras;
  5. no dia 8 de março, após negociações entre o governo e os principais sindicatos da função pública, ficou acordado que o salário mínimo passaria a ser, já no próximo mês de maio, fruto do entendimento alcançado nestas negociações, 2500 dobras (cerca de 100 euros) sendo que o valor em causa passaria, em 2023, para 3500 dobras (cerca de 142 euros) e em 2024 chegaria a 4500 dobras (cerca de 180 euros). Torna-se relevante salientar que o salário mínimo era de 1100 dobras (cerca de 44 euros) e em 2024, fruto das negociações e entendimento atualalcançado, será cerca de quatro vezes superior;
  6. no dia 10 de março, o senhor primeiro-ministro, confrontado com a pergunta relacionada com o entendimento alcançado, entre os sindicatos e o governo, sobre o valor do salário mínimo na função pública, declarou que o seu governo iria trabalhar, posteriormente,as condições  que permitiriam a  sustentabilidade do referido acordo conseguido.

Em primeiro lugar tenho de reconhecer que, de facto, o salário mínimo nacional, como instrumento importante de política pública, tendo em conta que o Estado é o maior empregador, pode contribuir para a melhoria paulatina de alguns indicadores de natureza social, sobretudo num país,como o nosso,com fortes desigualdades na distribuição de rendimento e com altas taxas de pobreza e miséria. A pobreza e miséria são dois dos maiores problemas que temos, neste momento, no país, amplificados, momentaneamente, pelos efeitos da manifestação da pandemia do Covid-19.

Todavia, tenho dificuldades em compreender, que, no espaço de  15 dias, sensivelmente, tendo em conta as declarações públicas de altos membros do governo da república, cronologicamente referenciadas anteriormente, designadamente do senhor ministro das finanças e do senhor primeiro-ministro, o país tenha passado,  aparentemente, de uma condição de insustentabilidade das suas finanças públicas, decorrente do défice orçamental crónico, cuja despesa com pessoal representa uma fatia importante do problema, para um hipotético excedente que permitirá acomodar, sem problemas, a subida do salário mínimo da função pública alcançado na concertação social com os referidos sindicatos.

O pior de tudo é que o senhor primeiro-ministro declarou, após esta irracionalidade política, que iria trabalhar, posteriormente, na criação de condições que eventualmente permitiriam a sustentabilidade financeira do acordo estabelecido com os referidos sindicatos.

Ou o governo, como um todo, não sabe o que anda a fazer e trata os assuntos sérios da governação do país como autêntica brincadeira; ou o senhor primeiro-ministro não ouviu as declarações do seu ministro das finanças e não existe concertação nenhuma entre ambos; ou, ainda, esta gente perdeu a noção completa da realidade e não dispensa todos os expedientes, por mais irresponsáveis e criminosos que sejam, que permitam a permanência no poder, tendo em conta o ciclo eleitoral que se avizinha.

Os nossos políticos, nalguns casos, continuam a agir, em termos decisórios, com uma atitude irritantemente irresponsável, hipotecando o futuro de várias gerações de Santomenses, sem quaisquer condescendência ou remorso, tendo como foco, sobretudo, a luta colérica e sem tréguas pelo poder no seu sentido menos nobre ou transformador.

Qualquer política pública tendo em conta a complexidade dos problemas atuais que atingem as sociedades, deve ter por base, a montante, os conhecimentos oriundos de várias áreas do saber científico que a suportam e, consequentemente, a decisão política decorre deste ato.

O que o senhor primeiro-ministro fez, neste caso específico, foi tomar uma decisão, com grande impacto orçamental e informar-nos, posteriormente, que, no futuro, iria aconselhar-se, junto dos técnicos, sobre a melhor forma de acomodar, financeiramente, esta decisão, conhecendo ele, antecipadamente, os constrangimentos das nossas finanças públicas, referenciado pelo ministro das finanças.

Isto diz tudo do falhanço do nosso Estado em todos os domínios de intervenção.

Tudo isso acontece, num contexto cronológico referenciado anteriormente, em que o Estado declarou aos parceiros internacionais que não tem dinheiro para construir uma pequeníssima ponte de desabou devido ao mau tempo que assolou o país e, com tal, contribuiu para privar uma parte considerável do país de energia elétrica ou, ainda, num momento em que são estas entidades ou parceiros externos, neste caso o governo do Japão, que estão a desembolsar milhares de euros para a construção ou requalificação de escolas e jardins-de-infânciana capital do país.

O que é que estes parceiros externos pensarão de nós quando fazemos apelos dramáticos em prol da aquisição de ajudas  financeiras para a consecução dos objetivos de natureza  social ou infraestrutural no país e, no entanto, manifestamos uma atitude de invulgar irresponsabilidade política, no âmbito da saúde das contas públicas, ao tomar decisões  políticas internas que nos condenará, mais tarde ou mais cedo, à indigência e  descalabro como comunidade. Quem quererá, no futuro, continuar a ajudar um país que, tendo em conta a irresponsabilidade dos seus governantes atuais, demonstra que não quer ser ajudado? Como é que os contribuintes dos outros países, que tradicionalmente nos têm apoiado, continuarão a aceitar fazê-lo, através dos seus impostos, se sentem que o esforço que fazem não tem correspondência em termos de gestão política das ajudas disponibilizadas, tendo em conta o propósito de transformação gradual do país e dispensa desta ajuda no futuro?

Acabem com esta brincadeira e irresponsabilidade, por favor!

Adelino Cardoso Cassandra

6 Comments

6 Comments

  1. Luis gordo

    13 de Março de 2022 at 22:37

    Uma boa voz!
    Obrigado pelo artigo

  2. Bernardo+Vasconcelos

    14 de Março de 2022 at 4:06

    Os pretos são mesmo mauzinhos uns para com outros… não se entende porquê?!

  3. XYZ

    14 de Março de 2022 at 9:37

    Parabéns pelo artigo. Toda gente aqui em S.tome sabe que o salário minimo é uma lástima. Precisa ser aumentado. Mas as coisas tem de ser feitas com cabeça, tronco e membros. Não é só de um dia para outro decidir subir salário sem fazer contas. Os diplomatas que vivem aqui veem estas coisas e pensam logo que o nosso país é uma república das bananas ou uma bandalheira. Como é que eles vão continuar a apoiar um país que não sabe governar e resolver os problemas das contas públicas?

  4. santola

    14 de Março de 2022 at 10:44

    Acho que os nossos politicos estão a sofrer do mesmo tipo de Alzheimer com que tipo que levou o BES à falência, o tal do Ricardo Salgado, se tenta defender em Tribunal da sua má gestão e práticas fraudulentas!! É um “esquecimento” muito seletivo!! Sim, brincadeira de crianças irresponsáveis que já não têm idade fisiológica pra ser criança, porque ninguém, de boa saúde mental – ou de boa índole! – vai aprovar aumentos sem ter orçamento que sustente!!
    Mas… ALELUIA!! o Banco Mundial aprovou mais um empréstimo de 4 milhoes para reconstruir 3 das 6 pontes, se estas criançolas conseguirem refrear os seus roubos, digo, a sua SOBRE-faturação das obras públicas, talvez consigam construir as tais 3 pontes e canalizar metade dos 4 milhoes pro aumento do salário mínimo!!

  5. Mepoçon

    14 de Março de 2022 at 11:54

    Já fiz comentários no fecebook e não vale a pena continuar. Eu não acredito que os contabilistas são ad-hoc. Ao meu ver tudo não passa senão de lavagem cerebral face as campanhas eleitorais que se avizinham.

  6. Pascoal+Carvalho

    14 de Março de 2022 at 19:18

    bom artigo, excelente reflexão,
    de fato o que se passa na nossa terra, é uma brincadeira sem hora nem fim.
    esse tal aumento de salário mínimo é tão estranho como surrealista, vendo para a realidade do país desde sempre.
    enfim, talvez seja, vamos dar o benefício ás dúvidas.

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