Opinião

“Não existe uma segunda oportunidade para causar uma boa impressão”

Acabei de assistir, na RTP-África, sob a coordenação de Abel Veiga, a entrevista do senhor primeiro-ministro, Jorge Bom Jesus. Com alguma tristeza, tenho de dizer isso, foi a coisa mais penosa que tive a oportunidade de assistir, nos últimos tempos. Aquilo foi um exercício impiedoso de autoflagelação, que comportou contradições, insegurança e, sobretudo, impreparação.

Um primeiro-ministro, no final da legislatura, não deveria ter este discurso tão desculpabilizador e contraditório, comportando jargões e uma verborreia que denunciam, consciente ou inconscientemente, uma espécie de confissão pública do falhanço do seu exercício governativo.

As palavras ou expressões que mais se ouviu na referida entrevista foram: “estamos a criar condições”, “estamos a pensar fazer”; “vamos construir”; “o MLSTP não governou sozinho durante os últimos 22 anos”; “sofremos muito com a pandemia e com a guerra”; “continuamos a viver na dependência da ajuda da comunidade internacional”; etc..

Não é este o balanço que se esperava de um primeiro-ministro, no final de um exercício governativo de quatro anos, tendo em conta as expetativas quanto ao desempenho do referido governo e, sobretudo, as promessas que foram reiteradamente expressas ao longo dos tempos pelos seus principais representantes.

A maior contradição que constatei, contudo, decorrente da entrevista do senhor primeiro-ministro na referida entrevista, foi a declaração de que o seu governo estaria a apostar no desenvolvimento do turismo e na transição energética, consciente dos perigos e consequências nefastas, segundo as suas próprias palavras, que a utilização dos combustíveis fósseis representam para o planeta e, especificamente, para S.Tomé e Príncipe.

Todavia, acabei de ouvir, também, as declarações recentes do mesmo primeiro-ministro, numa ação de campanha eleitoral, em que este exprimia o seu desejo e confirmação de que a exploração do petróleo em S.Tomé e Príncipe será uma realidade nos próximos anos.

A pergunta que eu faço ao senhor primeiro-ministro é a seguinte: como compatibilizar os interesses do país, decorrente da exploração do petróleo nos próximos tempos, verbalizada pelo próprio, e, ao mesmo tempo, apostar na implementação de uma política de transição energética, tendo em conta os efeitos nefastos da utilização dos combustíveis fósseis no país e no planeta?

Como apostar no desenvolvimento do turismo, como instrumento para o desenvolvimento do país, num contexto arquipelágico e insular como o nosso, e, ao mesmo tempo, perspetivar a exploração de petróleo como mecanismo de salvação da nossa economia?

Este é um tema que deveria estar na campanha eleitoral, neste momento, e ser transversalmente discutido, em vez de tentarem personalizá-la, com problemas laterais sem qualquer significado para a comunidade.

Acredito que o MLSTP, fruto da impreparação política dos seus principais dirigentes, esteja a passar por uma grande dificuldade neste momento, na mensagem, nos propósitos, na estratégia, e, sobretudo, na mobilização das bases, fruto da recente contenda eleitoral interna, que poderá ter reflexos nos resultados eleitorais do dia 25 de setembro.

De facto, há erros e contradições, por parte do MLSTP, que não se compreende e denunciam uma conduta de autênticos amadores ou irresponsáveis ao serviço do referido partido e do próprio Estado Santomense.

Ao criar condições, desde o início da legislatura, num autêntico ato de governamentalização da Justiça, o senhor primeiro-ministro mandou deter ou prender o anterior ministro das finanças, Américo Ramos e o atual presidente da república, Carlos Vila Nova, tendo-se concluído, posteriormente, bem ou mal, segundo o “julgamento” judicial, que tal não se justificava, tendo em conta os contornos dos referidos processos.

Com esta ação, consciente ou inconscientemente, o senhor primeiro-ministro estava a criar condições para a legitimação do ato que, neste momento, condena no comportamento do anterior primeiro-ministro, Patrice Trovoada, que é a sua ausência no país durante os últimos quatro anos.

Hoje, passados quatro anos, Patrice Trovada pode, num ato de vitimização, utilizar este argumento, durante esta última semana de campanha eleitoral, como justificação para a sua ausência do país durante os últimos quatro anos. É isto, aliás, que ele já ensaiou, na entrevista que deu, recentemente, na R.T.P-África.

Basta dizer que, se não abandonasse o país, seria preso, tendo em conta o clima persecutório instalado no país contra a sua pessoa, sistematicamente verbalizado por dirigentes, militantes e simpatizantes do Governo e do MLSTP, durante os últimos quatro anos, amplificado com a sistemática tentativa de governamentalização da Justiça, que culminou com a prisão dos seus anteriores ministros e altos representantes do referido partido e, por isso, não estavam criadas as condições para o seu regresso ao país em segurança.

Quem é que pode afirmar, neste momento, que tal não aconteceria, tendo em conta que não é a primeira nem a segunda que estas coisas acontecem no nosso país? Eu não tenho dúvidas nenhumas, relativamente ao comportamento deste governo, neste e outros âmbitos.

Por outro lado, faz-me alguma confusão, que, alguém que deseja uma maioria absoluta nestas eleições, como o primeiro-ministro Jorge Bom Jesus verbalizou na referida entrevista, não tenha a decência política de explicar ao eleitorado por que razão não optou por se apresentar às eleições em causa, num contexto de coligação pré-eleitoral, em associação com as forças políticas que suportaram a atual maioria governamental, ou seja, o MDFM/UDD e o PCD.

Se tudo correu assim tão bem e se os resultados do exercício governativo da referida maioria governamental, durante os últimos quatro anos, foi satisfatório, como afirmou o senhor primeiro-ministro na referida entrevista, como se explica que os partidos que suportaram a referida maioria tenham decidido apresentar-se, separadamente, ao ato eleitoral em causa, diminuindo, desta forma, as probabilidades de uma eventual vitória no referido ato eleitoral, perante um ADI que reivindica o mesmo propósito?

Este será, provavelmente, um outro argumento que Patrice Trovoada deverá explorar nesta última semana de campanha eleitoral, fazendo crer ao eleitorado que o propósito desta atual maioria era e será, sempre, o poder pelo poder.

Jorge Bom Jesus perdeu uma boa oportunidade, nesta entrevista, para nos demonstrar que, de facto, poderia arrepiar, caminho, no futuro, e, desta forma, provar, o que vale como político e, sobretudo, como primeiro-ministro. Por aquilo que vi, tenho muitas dúvidas que tal venha a acontecer! Não se constata uma visão de futuro, um propósito mobilizador, nem tão pouco uma dinâmica diferenciadora do status quo prevalecente no sistema.

O povo é que saberá, contudo, se ele merece, ou não, uma nova oportunidade. Para mim, contudo, a frase de Aaron Burns, “Não existe uma segunda oportunidade para causar uma boa impressão”, nunca fez tanto sentido.

Adelino Cardoso Cassandra

5 Comments

5 Comments

  1. Inconformado

    18 de Setembro de 2022 at 0:42

    Meu carrot é facil;Saí da tua zona de conforto
    e vem ajudar o teu país ae és assim tão clarividente.

  2. BAMU ZUDA POVO

    18 de Setembro de 2022 at 7:03

    O sr. escreveu e Patrice Trovoada agradeceu.
    Acabou de dar o homem as armas secretas para a ultima semana de campnha, incrivel.
    Parabens sr. Adelino Cassandra

  3. Mezedo

    18 de Setembro de 2022 at 10:08

    o senhor Adelino só passa vida a tentar dar cho, tratando outros de incompetente.

    onde vive sai do teu covil e vem mostrar a tua competência aqui,
    anda a serviço do senhor fugitivo e nesta última semana lhe prepara o caminho, Quanto ja lhe pagaram para isso ?

  4. Pedro Costa

    18 de Setembro de 2022 at 15:31

    Muito bom artigo !
    Afinal de contas este Primeiro Ministro e um fracasso como pessoa e como lider; mentiroso, sem verticalidade….. Atencao que quer-nos levar ainda mais ao fundo….

  5. Gentino Plama

    18 de Setembro de 2022 at 16:17

    Ok, mas, o Srº Primeiro ministro embora das dificuldades que confrontou no seu mandato, não tinha e continua a não ter que pedir licença a quem quer que seja para se expor; isto é : ninguém pensa com a cabeça do outro. O que não é admissível é que um foragido à justiça pela gestão danosa do País, e pelo rolo de coisas que praticou, com ou sem a rezão, ausenta por longo tempo e, depois aparece no pleno momento das eleições como sendo uma pessoa válida exclusivamente para o poleiro, e que, o resto não lhe interessa. Por outro lado, a lei deve ser revista para que, esse tipo de coisa não venha a repetir. Só se é político aquele que reside efetivamente no País; que contribui para o combate a pobreza, criando emprego e captar investimento para o País.

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