Por Amaro Couto
A razão deste artigo vem de uma conversa privada sobre S. Tomé e Príncipe (STP) com duas personalidades socialmente conhecidas no país, ambas santomenses de origem e aparentemente sem conexão partidária, que no quadro dessa conversa vêm no MLSTP a entidade partidária com responsabilidade para tirar STP da situação em que se encontra.
Facilmente se compreende que tal afirmação deixe o interlocutor intranquilo, sobretudo quando o interlocutor tenha ligação de militância com o partido mencionado. Era preciso saber o que no MLSTP existe capaz de lhe impor tamanha responsabilidade, mesmo tratando-se de opinião expressa de forma isolada e, por consequência, objetivamente subjetiva. Importava, pois, revisitar os elementos centrais do MLSTP, explicativos do que é a sua alma e definidores dos mecanismos para a conservação e o reforço dessa alma.
Pela interpelação impunha olhar-se primeiramente para o programa do partido, instrumento que explica a trajetória do partido e faz a destrinça entre o que foi o seu programa mínimo e o que é seu programa máximo.
Sem necessidade de se debruçar sobre o programa mínimo, já concretizado com o advento da independência nacional, bem que ainda merecedor de análises sobre as reflexões e decisões operadas nas diferentes fases de sua evolução, precedentes e geradoras do resultado, no final, realizado, há de se concentrar no programa máximo ainda irrealizado porque conduzido num percurso determinante para o arranque e o prosseguimento do processo de prosperidade de STP, que infelizmente tem sido longo por insuficiente entrega enquanto exigência que dele decorre.
O programa do MLSTP, na visualização desta análise, requer que se proceda a um virar de página. Não se trata aqui do programa que conduziu o partido de 1975 a 1990, mas sim do que se destinou a determinar as ações do MLSTP a partir de 1990.
Este ano foi um marco de importância relevante para o que é a história do MLSTP. Foi o ano de implementação dos resultados da Conferência Nacional do MLSTP que decorreu em 1989 com a participação de todas as forças políticas que se manifestavam em STP. Foi também o ano de mudança radical na ordem internacional, mudança, embora com mutações que vão surgindo, que se impôs e ainda prossegue a escala do mundo.
Por determinação, artística, do que foi pensado e realizado pelo partido, o MLSTP aboliu o sistema de partido único que instituiu em 1975 e alinhou-se no multipartidarismo, sistema este ditado pelo espírito dominante da ordem do mundo então emergida.
Em 1990, o MLSTP transformou-se do ponto de vista ideológico, desligando-se da orientação que trazia, acentuadamente revolucionária e planificadora, determinante da denominação que se atribuiu em termos de frente revolucionária de forças democráticas anti-neocolonialistas e anti-imperialistas, para passar a chamar-separtido social-democrata.
Enquanto partido social-democrata, o MLSTP deixou para trás o coletivismo e o planismo económico para passar a orientar-se nos pressupostos do liberalismo, com a autoridade pública atuando, na continuação do pensamento tradicional do partido, para o bem comum, numa sociedade a partir de então dinamizada pela economia de mercado e a superioridade da liberdade das pessoas, limitadoras do espaço para a intervenção da autoridade pública. Abraçando embora com maior determinação o instituto da nação, concetualmente, o MLSP/PSD continua, pelo seu programa, a manter o povo no centro da ação política, a fonte de inspiração política e o beneficiário do feito político.
Trata-se de um programa capaz de facilmente se apresentar como fonte de inspiração dos discursos de qualquer das forças políticas em STP. Mas só não basta que ele inspire o que dizem todos os políticos, ainda preciso é que o programa se reveja na aplicação e na realização do que aqui no país os diferentes partidos políticos fazem da política.
Respeitando a letra e o espírito do programa do MLSTP/PSD, este partido, ou qualquer outro partido político, é capaz, no respeito do modelo político socialmente aqui adotado, de criar as bases para o arranque do processo da prosperidade em STP. Todavia, tal não tem acontecido. No que respeita ao MLSTP importa a explicação das razões determinantes para o esquecimento do seu programa ou do desvio que em relação a ele se vem operando.
Trata-se de problema cuja chave para a resposta pode resultar de debates ao longo do processo de preparação do próximo Congresso e ser finalmente encontrada no próprio Congresso. Estar-se-ia num exercício de autocrítica dando lugar a reflexões com vista a identificação das falhas passadas e de abordagens sobre a determinação de pistas que permitam o real aproveitamento das potencialidades existentes no programa do partido, comportando orientações à indispensável revitalização que se impõe ao MLSTP/PSD. Tal revitalização é necessária para que o partido se entregue com maior precisão na análise para a identificação correta das necessidades presentes e futuras de STP.
Pela ordem estatutária, impõe-se o relacionamento constante do partido com a população, requisito exigindo uma dupla movimentação, em sentidos ascendente e descendente, dos órgãos nacionais para os distritais, regionais e os das bases, estes situados nos lugares residenciais regularmente abertos a convívios sociais diversos, e vice-versa, movimentos que permitem ao partido constantemente apreender e atualizar o que vai na expetativa da população.
Quando combinada com as vantagens que possibilitam os meios de comunicação social, essas movimentações reforçam as capacidades do partido e dão corpo a eficácia para a sua ascensão ao poder público.
Internamente, o MLSTP/PSD calcou a sua organização no modelo de organização da democracia adotada no país a partir de 1990. O modelo tem virtudes. Salvaguarda as liberdades e permite a associação de vontades para a emergência da união ou a associação das vontades ou dos interesses.
O modelo organizacional do partido assenta-se num jogo de representações, o Congresso representando o coletivo dos militantes, o Conselho Nacional e o Presidente do partido representando respetivamente a diversidade dos congressistas e a unidade do Congresso, mas com a restrição de o Presidente do partido nunca ser eleito pela unanimidade dos congressistas donde resulta a eleição do Presidente sem o voto de uma parte considerável dos representantes dos militantes num grau sempre inferior aos 50% embora podendo se aproximar em ínfimas décimas dessa percentagem, situação que faz prevalecer divergências e conflitualidades ao longo do mandato do Presidente. Esse resultado diferencia-se do resultado consensual, que se existisse, e uma vez alcançado pela identificação do candidato singular, mediante negociação e concertação, faria com que desaparecessem as contradições imediatas e futuras,imprimindo perturbações ao funcionamentoda vida interna do partido.
A decisão principal que se anuncia no próximo Congresso do partido traduz-se na eleição da pessoa do seu Presidente. É nessa pessoa que fica corporizada a liderança do partido.
A infeliz constatação que resulta da análise histórica do partido está na evolução inadequada ou, em todo o caso, criticável, que se vem operando no MLSTP sobre a liderança. O preocupante é que os desvios que ressaltam da evolução se realizam pela ação da própria liderança e hoje, preocupação maior, vê-se alastrada e influenciadora de parte considerável da militância do partido.
Instalou-se e expandiu-se o egocentrismo contrariando os princípios reitores do partido, orientados para o respeito e a salvaguarda do interesse geral, do partido e do país.
Impuseram-se práticas que inverteram a ordem dos valores estatutários e programáticos, a começar pela deslocação que se verifica da razão central da liderança que principalmente deixa de estar orientada para a prosperidade do país bem como para a grandeza do partido, revirando-se para privilegiar a satisfação dos interesses girando em torno da liderança.
Outra perversão vem da marginalização para que a degeneração da liderança relega o papel da economia na política. Trata-se de um movimento que freia o ritmo da progressão da prosperidade requerida pelos documentos reitores do partido e que não ajuda na conservação das conexões do partido com a população e os seus militantes.
É importante que se reponham as ordens estatutária e programática estabelecidas porque prosseguindo como vai ocorrendopermanecerá o risco de o poder continuar a ser pervertido pela liderança, na medida em que uma vez instalada a liderança é ela que assegura a movimentaçãodo poder.
Como referido, nos modelos organizacional e programático do partido, as linhas de orientação em que este se conduz tem virtudes assentes nos princípios de liberdade e de concertação. No entanto, a tradição vem revelando que entre os dois princípios, a liberdade, influenciada pelo egocentrismo, tem sido mais abrangente deixando pouco espaço para a concertação e até neutralizando as vontades manifestadas a favor da corporização da concertação.
Sendo valor que a todos interessa, não se trata de interrogar sobre limites que se imponham ao exercício da liberdade, mas de se questionar sobre a validade do que dela é feita quando se destinarà que o seu aproveitamento se concentre privilegiadamente no circuito da liderança, o que perverte o percurso para o bem de que todos esperam.
A dificuldade encontrada para o estabelecimento do equilíbrio entre os dois princípios deve ser urgentemente contornada e, para tal, devem as estruturas representativas do partido trabalhar com vista a salvaguarda dos superiores interesses de STP e do MLSTP/PSD.
A supremacia radical, para que oegocentrismo degenerou a liberdade dos militantes, não admite a concertação para dosear a excessiva afirmação dos interesses pessoais. No entanto, a concertaçãoé necessária para a satisfação dos interesses de todos.
A situação arrasta para a desagregação revelando sinais que se repetem com contornos cada vez mais agravantes mediante a constatação de números crescentemente abundantes de candidatos à presidência do partido, fato que denota a impraticabilidade ou a não aceitação da concertação antes do Congresso e que faz prevalecer suscetibilidades durante e a saída do Congresso.
Disto, decorre uma consequência, também infeliz, consubstanciada na diversidade de candidaturas oriundas do partido, que se vem observando no quadro das eleições para o cargo de Presidente da República, fato gerador de efeitos redutores porque provocando a dispersão dos eleitores favoráveis ao partido.
A inversão da tendência reclama por concertações, que em nome dos superiores interesses do MLSTP/PSD, a direção do partido deve promover, para contrariar o risco de arrastamento da situação e o consequente agravamento das contradições internas. A concertação permite ainda que se avance na produção constante do equilíbrio ou da síntese, associando amais vastagama de opiniões, condição garantindo estados institucionais e sociais mais favoráveis à satisfação dos interesses comuns e mais aptos a geração de respostas ajustadas as exigências da estabilidade.
Focalizando-se nos objetivos programáticos e estatutários do partido, é importante, na preparação do próximo Congresso, que as concertações desemboquem numa candidatura que reúna em si experiência vinda da competência política seguramente adquirida, necessária para a salvaguarda da cultura da ponderação, da contenção da impetuosidade e da permanente disponibilidade para o diálogo.
Valorizada a concertação torna-se possível a salvaguarda da superioridade dos interesses gerais sobre os interesses específicos e ao mesmo tempo o respeito das condições para a designação dos congressistas que estatutariamente devem ser eleitos pelos militantes para no Congresso representar a vontade dos seus eleitores e evitar-se que perversões ao estatuto intervenham dando lugar a que a designação dos congressistas decorra dos interesses dos candidatos em concorrência.
Se a lisura continuar a faltar nos procedimentos para a composição do Congresso e se a concertação entre as candidaturas permanecer impraticável, permanecerá o risco do arrastamento do partido para a estagnação.
santomé cu plinxipe
18 de Janeiro de 2024 at 9:19
Pura verdade..esse sim é um dos bons…
Homem de Paz e Bom Coração
18 de Janeiro de 2024 at 17:52
A parte mais crítica, fundamental, e muito importante: “…desemboquem numa candidatura que reúna em si experiência vinda da competência política seguramente adquirida, necessária para a salvaguarda da cultura da ponderação, da contenção da impetuosidade e da permanente disponibilidade para o diálogo..”
Cidadão Humílde Mas Um Pouco Distraido
18 de Janeiro de 2024 at 18:54
Caro Abel Veiga,
Continue a denunciar quando o governo, organizações, pessoas individuais, sociedade civil, partidos políticos, etc., omitem ou não revelam informação importante e relevante de natureza do interesse nacional, do nosso povo e do nosso país.
Publique os documentos para dar aos leitores mais informação sobre os assuntos em debate em São Tomé e Príncipe. Com excepção aos dossiers secretos do Estado, com certeza, quase tudo deveria ser posto em dispoção do público. Por exemplo, onde está a cópia do Programa/Proposta do MLSTP descrevendo o modelo organizacional do partido? Será acessivel após o congresso, emendado, e aprovado depois do congresso? Ou, será publicado no website do partido político? O link? Acho que estas perguntas de esclarecimento seriam ideal serem feitas diretamente ao autor da narativa porque é um artigo de opinião do autor. Muito bém escrito e descreve logicamente.
De facto, a nossa população deveria ter acesso à todas propostas de todos os partidos políticos registados em São Tomé e Principe, inclusive a lista com os nomes dos candidatos de cada partido e respectivas posições que queiram assumir ou ocupar – quer seja apenas na direção do partido, quer seja como deputadp ou qualquer cargo público ou governamental. É imperativo a sobrevivência desta nação para que o povo não vote em pessoas que comprometem ou possam lezar o desenvolvimento do nosso país.
Vanplega
18 de Janeiro de 2024 at 23:20
Nòs todos Santomenses, temos que sentar e repensar o nosso Sao Tome e Principe.
Sem discorar a justiça e, responsàbilizar todos os prevericadores, a justiça têm que funcionar
Os Malfeitores, tenhem que ser castigadosS para dar um ar de liberdade a sociedade.
Que fique claro: ñ hà em Sao Tome e Principe, nem um partido politico, que possa nos tirar da situaçāo que encontramos.
Sentamos todos e fazemos um plano Marcher paìs este pais
Com partido a,b,c e d ñ vamos là
Renato Cardoso
19 de Janeiro de 2024 at 9:14
Convenhamos que os velhos do Restelo não podem ser ser a mais valia para corporizar nenhuma alternativa credível.
Célio Afonso
19 de Janeiro de 2024 at 10:29
Artigo muito extenso.
Muitos não o conseguirão ler na totalidade.
Por que não primar por artigos mais menos extensos e publicar em vários números do mesmo jornal?
Fica a dica.