Opinião

O caminho para a liberdade : Do sonho ao real

Por : Amaro Couto

Pela invocação da liberdade, instantaneamente instala-se na consciência o entendimento de um direito desmaterializado que alguns chamariam de direito formal.

Imaterial ou formal o certo é que a liberdade é importante para a alegria das pessoas e para imprimir a sensação do bem-estar que todos aspiram. Donde a legitimação da luta pela liberdade individual e coletiva quando, contra ela, emergem barreiras opressivas e ou diligências que degeneram a situação económica e social, alicerces da liberdade, fazendo regredir tal situação.

Apesar de desmaterializada ou centrada nos limites que a razão e a regra impõem aos contornos da forma, a liberdade precisa de sustentação material para se exprimir, pelo que sem a tal sustentação a liberdade se reduz, sem conteúdo, tornando-se quimera. Comprovando-se a existência e a movimentação da matéria que a sustenta dentro da sociedade ou no mundo, a liberdade existirá, localizada ou totalmente abrangente.

Entre nós, a caminhada inicial para a liberdade teve em vista a redução das desigualdades económicas, financeiras e sociais e até mesmo a eliminação dessas dissimetrias. O expediente que na prática se processou passou pelo apoio aos mais desfavorecidos e pela solução aos problemas sociais que estes ressentiam.

Os enquadramentos orçamentais de tal orientação, política, não se viram acompanhados dos cuidados financeiros necessários ao financiamento dos investimentos para a geração contínua da riqueza.

De ano para ano as despesas eram superiores as receitas e os desequilíbrios persistiam e se acumulavam estando na causa disto a riqueza inexistente e não criada. Revelavam-se impossíveis a execução do orçamento em equilíbrio e a acumulação da riqueza. O Estado não se preveniu para se dotar dos instrumentos permitindo-lhe injetar a Dobra no mercado. O descuido gerou o agravamento dos desequilíbrios.  

O financiamento orçamental das medidas de combate as desigualdades sociais provocaram, no tempo de uma década, déficits orçamentais crescentes de ano para ano, o que prejudicou também crescentemente o processo de prosperidade procurada, então estagnada e até regredida porque sem financiamento, este na totalidade desviado para a satisfação das necessidades sociais.

A política de combate as desigualdades por apoio, predominantemente orientado, a favor dos mais necessitados, exigia, corolariamente, a injeção de financiamentos para a criação de riqueza, condição para a sustentabilidade da política de combate as desigualdades.

Mas, contrariamente ao que devia ser, a nenhum momento se verificaram os investimentos, o que deu lugar a crise económica e social, que vai prosseguindo.

Dez anos passados inverteu-se a orientação política para se privilegiar a criação da riqueza e conter a política prioritariamente virada para a satisfação das necessidades dos mais carenciados, esperando-se por aí atrair o investimento, estrangeiro, o que, pela insignificância da expressão que tem revelado, permite dizer-se que foi na realidade irrisório. A situação degradou-se a tal ponto que as pessoas se desesperam na procura da Dobra não para investir, construir ou adquirir novos patrimónios pessoais ou familiares, poupar ou para pôr a render, mas, sim e simplesmente para a sobrevivência própria. 

A carência de meios financeiros para o investimento podia, na parte a que Dobra respeita, ser colmatada mediante operações de endividamento público pelo Tesouro ao Banco Central. Na verdade, tratar-se-ia de operações para a impressão adicional da Dobra e a sua injeção na sociedade. Nada de absurdo, como pareceria aos espíritos mais bem elucidados, na medida em que o dinheiro desde que historicamente libertado da sua ligação ao valor, transformou-se naquilo que passou a ser, simples papel, sem outro valor para além do valor incorporado no papel que o suporta. Embora parecendo, contudo, que no plano interno não se reúna ainda as condições para a impressão direta da Dobra, as insuficiências existentes não seriam intransponíveis, podendo-se ultrapassá-las e se vir a se dotar dessas condições, a serem adicionadas a outra possibilidade, a da moeda desmaterializada, em forma eletrónica, para a sustentação de modalidades de pagamentos também desmaterializados.

Parece ser a melhor forma para que diretamente sobre a terra e a partir da terra se elevam as capacidades produtivas da riqueza, e, daí, criar-se e consolidar-se grupos de interesses por ramos de atividades produtivas de bens e de serviços, o que, ao acontecer fortaleceria a aptidão interna para negociar descomplexadamente as condicionalidades que os investimentos, estrangeiros, podem, aproveitando-se da falta da robustez económica interna, impor, e, ainda, para evitar a nocividade de outros riscos que podem acontecer por via de ambições individuais, sobretudo quando essas ambições se vêm no exercício da autoridade.   

Até aqui, parece que o Estado não se tem socorrido dessas possibilidades, preferindo sistematicamente voltar-se para o exterior para de lá solicitar a prestação de apoios e compromissos, permanecendo completamente dependente desses apoios e compromissos.  

No entanto, parece ser aquele o percurso menos difícil e mais breve para acentuar a circulação do dinheiro.  É por esta via que se pode imprimir dinamismo crescente ao poder de compra, quer dizer, ao salário, fator mais eficaz para o desencadear do dinamismo dos outros fatores promotores da prosperidade, tais o consumo, a produção, a circulação de bens e a reprodução desses fatores. Por aí haveria dinamismo crescente da circulação dos meios de pagamentos com efeitos favoráveis para o desenvolvimento do mecanismo comercial de compra e de venda, fonte de formação do capital, da capitalização, dos capitalistas e do capitalismo.

Para começar, é importante as mensagens que se elevam da sociedade, quer dizer das pessoas e é também importante que os representantes captem devidamente o sentido dessas mensagens, promovendo respostas adequadas as preocupações que nelas são veiculadas. Na falta de consultas de opiniões regulares, a atenção deve estar focalizada nos fatos que acontecem reveladores de expetativas alargadas. Por exemplo: a alta taxa de emigração que se vem verificando transmite o apelo para a criação de postos de trabalho e melhores salários; à procura acentuada de juntas de saúde, demonstrando a descrença no sistema nacional de saúde, deve-se acrescentar que muitas das férias ao exterior são na verdade pretextos para viagens com vista ao tratamento da saúde, comportamentos que requerem das instituições a melhoria das condições sanitárias existentes.

Agir diferentemente, congelando ou diminuindo o poder de compra, é manter o país incessantemente no ciclo da miséria e constantemente exposto a dominação económica. Tal orientação estender-se-ia até sobre a pensão dos reformados, daqueles cujo labor impactou positivamente na segurança da coletividade, mas que em contrapartida se veriam confrontados com as insuficientes condições para as suas sobrevivências.  Seguindo-se assim, assistiremos a regressão mais acentuada da atividade produtiva, ao aumento do desemprego, ao desespero crescentemente estampado nos rostos das pessoas, a redução do tempo de vida das pessoas e diria, o mais grave, a contenção da progressão demográfica, ofensiva para a progressão da mão-de-obra sem a qual a prosperidade não se faz.

A reviravolta permitiria a centralização das prioridades nos interesses internos, requerendo atuações detalhadamente predefinidas para o conjunto das relações internas e externas, devendo-se, no interior do país, assegurar-se da associação entre os diferentes interesses que se movimentam na sociedade de modo que as relações viradas para o exterior se fundamentem na unidade interna então construída.

A injeção adicional da massa monetária no mercado, associaria a soberania ao processo de prosperidade e seria a melhor via para o arranque e a progressão da prosperidade, possibilitando a melhoria dos salários, sendo por aí capaz de equilibrar as relações da oferta com a procura, solução que neutraliza os efeitos nefastos da inflação e que se mostra barreira segura contra a quebra do poder de compra das pessoas.  

Em ordem com o neoliberalismo que predomina, a outra via consistiria em diminuir as prestações públicas e em sugar das pessoas os parcos excedentes que possam ainda aparentar, medidas que para as realidades aqui existentes implicariam reduções imediatas do consumo e da produção e, logo, do agravamento dos níveis da pobreza por que passam as pessoas. Há momentos e circunstâncias em que os interesses do neoliberalismo e os interesses nacionais entram em choque.

As experiências diretamente vividas internamente demonstram que a aplicação das medidas neoliberais só são acompanhadas de amortecedores quando rigorosamente aplicadas ou quando, sem aplicação prévia, o consentimento inicial permita a abertura do caminho para a introdução efetiva do neoliberalismo.

Embora financeiros, os amortecedores orientam-se para fins sociais no fito de neutralizar ou diminuir os impactos negativos, do desemprego e da deterioração dos níveis de vida, que as regras neoliberais inevitavelmente de imediato provocam e para antecipadamente neutralizar as reações da sociedade, prejudiciais à imagem que de si defende e expande o neoliberalismo. E, passado o tempo de aplicação das regras verifica-se tristemente de que a nova situação para que se entra em pouco ou nada difere da que anteriormente se vivia, ficando na comunidade interna a desagradável sensação de se ter sido arrastado por um processo dominado e conduzido pela diversão, ficando a lição de que quanto mais se prolongar a diversão, mais longo será o tempo do sonho.

Contudo, é possível que os amortecedores sejam de utilidade efetiva. Tal pode acontecer, se aos financiamentos sociais se associe, o que pelas experiências aqui vividas não se verificou, o financiamento massivo para a criação de um tecido produtivo consistente, via segura para a criação da riqueza e para a geração da prosperidade, esta neutralizadora certa dos desajustamentos económicos financeiros e sociais. Importaria ainda que tais financiamentos sejam efetivamente massivos e que não sejam contrariados pelas práticas de desembolsos parciais e da burocratização que os fazem dissipar-se em ações inacabadas e, logo, insustentáveis pela inexistência da riqueza, que no fim acaba por não ser criada, deixando sobreviver os problemas que se diz querer resolver.

 Geradoras efetivas da riqueza, os financiamentos, massivos, permitiriam a devolução do capital recebido assim como o pagamento dos juros produzidos por esse capital. Mas para isso os financiamentos teriam de se inserir numa programação integrada para envolver a exportação dos bens e serviços produzidos, via para a geração de divisas, indispensável para o pagamento das dívidas e dos seus interesses, uma vez que a moeda doméstica, sem expressão externa, não ser aceite como meio de pagamento fora dos espaços do mercado interno.    

Na corrida que desencadeia para absolutamente dominar, o neoliberalismo mostra-se pragmático, adaptando-se as situações que vão aparecendo, sem, contudo, se desviar do cerne que o motiva, manter-se mundialmente dominante, o que requer a subordinação do direito à política em que se apoia. O direito dos povos a prosperidade vê-se substituído pelo dever dos poderes se alinharem no neoliberalismo. O desvio de tal alinhamento revela-se então fator de guerras e de destruições em qualquer que seja o lugar do mundo.

Porque é generalizado o desejo a uma vida de bem-estar em evolução constante, chega-se ao ponto de saturação dando lugar a movimentos reativos na busca da liberdade.

Contudo, em linha com o pragmatismo calculado ou diplomático do neoliberalismo, importa a confrontação, em sede das consciências políticas, entre a continuidade da adesão ou da submissão ao neoliberalismo e a procura de outras soluções mais conformes as realidades e os reais interesses internos para que o desvio do neoliberalismo se faça sempre que a satisfação dos interesses internos o ditar e, havendo aproximação da satisfação dos interesses internos ao neoliberalismo, para que este permaneça. 

O que se impõe hoje é a estabilização da situação. Inicialmente importa a injeção massiva da Dobra no mercado. Trata-se de ação que a soberania protege. Também a prática financeira internacional, ou seja, o direito internacional, em nada retira da liberdade dos Estados na condução das suas políticas financeiras. Assim, na falta de compromissos internacionais assumidos, é o direito interno que prevalece.

Suprindo-se a falta das condições para a produção da Dobra, o caminho para prosperidade despontará. De ano para ano a injeção da Dobra no mercado não seria igual ou superior ao montante inicialmente injetado, mas sim limitado a percentagem do crescimento verificado no ano que precede. Nesta ordem o crescimento da prosperidade seria constante e progressivo sem pressão que force a cadência desse crescimento.

1 Comment

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  1. ANCA

    28 de Junho de 2024 at 8:54

    De lembrar que São Tomé e Príncipe tem um acordo de paridade da moeda, como se aplicaria estes preceitos sem, agravar mais ainda a situação, qualquer da solução embora pertinente e de curto prazo, agravaria mais a situação no futuro.

    Soluções faceis sempre nos acarretou problemas no futuro, temos que trabalhar, produzir, transformar, imprimir qualidade aos nossos productos, selos de designação de origem controlada, mercado interno, mercado externo,…no sector primario, secundario, no terciário ou se quiserem serviços, se temos dificuldades pedimos ajuda,…para organizar estes sectores, o como fazer e saber fazer, com apoio e investimento em maquinarias, em tecnologias de produção, de transformação e de venda.

    Transformação e diversificação economica e temos vantagens na nossa localização, investimento em energias renováveis, equipamentos, maquinarias, educação formação, formação profissional.

    O problema é que durante anos a fios jamais queriamos saber, o deixar andar, o leve leve, a falta de visão, rigor e organização, de trabalho e produção, os políticos, o povo se abituaram mal, com a senda da ajuda ao desenvolvimento uma farsa, era no fundo conquista dos mercados, se envaideceram.

    Deixemos estas tecnocracias se lado, concentremos na realidade, pura e dura do país, olhar para o tal, os recursos do país, território, população, administração, mar e rios, mercado na costa africana, com 300 milhões de pessoas com necessidades a satisfazer a todos os níveis, mercados mundias, no susdeste, a norte, a nordeste, a este, bem como o mercado interno.

    O que falta é produção, transformação, rigor, organização, justiça, segurança, defesa.

    Dou vos um exemplo, imaginem um agricultor, que queira produzir milho, quem diz milho, diz pimento, tomate, batata, matabala, banana, dos muitos produtos que temos, entre hortaliças, frutas, tubercutos, cascas, flores, cogumelos,fungos,etc, etc, tem 4 hectares de terra, sabemos hoje, que há tecnologias tecnicas capazes de fazer aumentar e sustentar a produção, o que falta o estado é organização, instituições capazes para poder ajudar, este agricultor a produzir mais, bem como permitir que haja transformação do que ele produz para obter mais valias, ganhos, melhoria de producto lucro, assim na economia do mar, na agropecuária, nos serviços, etc, etc….

    Um estudante que cresceu aqui, foi estudar para fora, quando chega ao país, quer logo um cargo, um gabinete, sem que para isso tenha dado o contributo de trabalho ao país, se está sem trabalho, jamais é capaz de empreender, produzir,criar empresa, seja na agricultura, nas pescas, na agropecuária, na indústria ou nos serviços, por outro lado há de aumentar a estrutura de apoios para este efeitos, modernizar as instituições para este efeito,…

    Temos mar, temos terra, temos água, rios, temos pessoas avidas de produzir, de saber e saber fazer, temos ar, temos instituições embora ainda no processo de consolidação,…temos plantas, a natureza, temos mercado interno, externo, golfo da Guiné, África e o mundo, de que nos queixamos,….

    Deixemos de ser vaidosos, quando assumimos um cargo de relevancia, um emprego, a nossa população, o nosso território, administração, mar e rios, carece de trabalho, de rendimento, de alimentos, de infraestruturas, de produção, de transformação, de modernização,.. .

    Planos de desenvolvimento

    Ordenamento do território

    Tem orgulho em ti, tu es de São Tomé e Príncipe

    Acredita tu és capaz

    Estuda, trabalha, produz, investe, ajuda o teu país a desenvolver e se modernizar

    Ama a tua terra, o sitio onde te viu nascer,

    Ama a tua gente, a tua mãe, o teu pai, os teus irmãos, os teus filhos, a tua esposa, o teu marido…os teus conterrâneos

    Pratiquemos o bem

    Pois o bem

    Fica nos bem

    Deus abençoe São Tomé e Príncipe

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