Por Amaro Couto
Como em tudo, na política a evolução também gera mudanças.
Na origem, a prática do MLSTP ajustou-se ao que decorre da sua denominação, hoje de certo modo enraizada na cultura das pessoas. O Movimento de Libertação estruturou a sua atuação de modo a se conduzir em duas direções, uma sucedendo a outra, para que a segunda das direções decorresse da primeira e fosse desta dependente, de tal maneira que não realizada a primeira das direções, a segunda ficasse sem começar.
Tratou de se entrar em rutura com a colonização para depois se organizar o desenvolvimento interno do país. O Movimento consumou a libertação política e prosseguiu com vista a realização da independência económica, condição para o progresso social e cultural das pessoas.
Naquele momento, no da passagem da independência política para o do arranque do processo da independência económica, o MLSTP não associou os seus objetivos aos do que mais tarde categorizou de PSD. Na verdade, inexistiam condições objetivas para tal. A evolução operou-se e a associação aconteceu porque na procura da independência económica, o MLSTP deixou-se engrenar na dialética das contradições políticas que permitem compreender as origens da colonização e dos seus derivados.
O partido viu-se dominado pela paixão que imprime a diversão dos debates derivantes das contradições entre os conceitos políticos de esquerda e direita e da oposição entre o capitalismo e socialismo. O MLSTP engrenou-se passionalmente nessas contradições originando como consequência direta oposições no interior do partido, sem que disso houvesse contributo favorável à independência económica que desde a origem o partido quer para o país.
Os objetivos do partido entraram em processo de mutação. Pois, como qualquer organização, os partidos não se conduzem por si próprios e são movidos pelas razões ou interesses das pessoas que os compõem. Claro que que nestas condições são os interesses instalados que acionam o funcionamento do partido.
Instalaram-se condicionalismos mentais no interior do MLSTP e ficou também condicionada a reflexão do partido enquanto organização dotada de instituições que a representam. A reflexão do universo dos militantes passou a estar disso dependente e a confusão para o espírito que daí emergia gerava a incompreensão da militância que passou a não mais ver com suficiente clareza o caminho a seguir.
As realidades nacionais não entraram necessariamente no cálculo para a estruturação política do partido, ficando-se pela adaptação, quer dizer, pelo ajustamento do que não resulta das realidades nacionais, que se continua a pensar serem os remédios para a solução dos problemas reais do país. Pode-se até pender pela universalidade desses remédios, o certo é que a crença elevada que se deposita neles, não se tem justificado porque revelam-se incapazes de libertar a sociedade dos problemas que vai conhecendo.
A atenção da política distanciou-se das realidades internas focalizando-se principalmente no que se faz ou se produz lá no exterior. A negligencia sobre as realidades internas, que continua, torna inviável a própria democracia, que se proclama como necessidade vital, mas que se pratica a partir de regras que emergiram somente das realidades externas.
Num plano alargado, o desvio emerge recorrentemente no percurso da política, sobretudo quando, tendo por finalidade a igualdade, se parte de uma orientação acentuadamente social para realizar o equilíbrio que, ao se exprimir, se realiza no ponto para onde convergem os privilégios decrescidos e a melhoria conferida a situação daqueles inicialmente desprovidos de propriedade.
Pouco a pouco, o percurso da igualdade decrescendo, decresceu também a virtude que a motivou. A vontade para a igualdade enfraqueceu, resultado do negacionismo progressivamente atuante, vendo-se gradualmente decaída a política de orientação social, cada vez mais restringida ao confinamento para ceder o lugar sempre mais expressivo àqueles que já se mostravam detentores dos privilégios.
Com o decorrer do tempo, o negacionismo que o percurso se pôs a transportar ganhou em celeridade, impondo-se com mais exigência e mais rigidez, o que diminui consideravelmente a possibilidade de retorno ao ponto donde se iniciou.
Contudo, subsiste certa honra que neutraliza o gosto pela passagem direta de um extremo para o outro, o que justifica a adesão a uma solução intermédia que sem rejeitar totalmente o primeiro dos extremos, não abraça cabalmente o segundo deles. É o que determinou a captação do PSD para vir em complemento da denominação que o MLSTP se deu.
O PSD acabou por se tornar em património político do MLSTP, um instrumento de equilíbrio de que o MLSTP se dotou, tal um dique para impedir que as vagas das torrentes arrastem o MLSTP resolutamente na direção política totalmente adversa da que foi a política social que originalmente teve e praticou.
Os impulsionadores das torrentes compõem o quadro na origem do PSD que também sobre ele perdem o controlo pela emergência de novas forças mais apressadas em terminar com a política social do MLSTP e até mesmo dos vestígios que dessa política existam. Mas, todos atuam sem fundamento concreto. Agem no dia a dia, em função das oportunidades que as circunstâncias lhes abrem. Vêm-se animados por vantagens que na verdade os move, mas que se revelam imediatas, inconsistentes e efémeras, naturalmente passageiras, porque sem o suporte que permita a sua reprodução duradoura. Eles se diversificam, o que torna os seus espaços de atuação em campos de batalha e dificulta ou até anula a possibilidade de federarem as diferenças que os compõem.
Dentre os negacionistas do MLSTP estão os radicais que negam também o PSD. O fim é o de criar o vazio total, sendo que o fazem camuflando essa intenção, dando a entender que protegem um dos dois quando na verdade têm por fim a destruição dos dois, condição para o abandono definitivo da política de orientação social e o aproveitamento em exclusivo do espaço político para o benefício das vantagens que anseiam obter.
Ao se refugiarem no PSD, atribuem-se uma legitimação que os protege de certas críticas em relação ao combate que travam contra a política de orientação privilegiadamente social. É que o PSD congrega, sim, a exigência do não social, mas também os vestígios da política social, que ainda restam do MLSTP. É na combinação destes contrários que os negacionistas se atribuem certa virtude permitindo-lhes escudarem-se da pretensão que os move para a absoluta negação da política de orientação social. Situação, infelizmente já sistémico no partido, indutora persistente da deslocação da centralidade política por via de uma série de negações que se sucedem, uma a causa da que a segue, para chegar ao mais longe, ou seja, para se desfazer o mais possível da política de orientação social e ir sempre mais longe do distanciamento que dessa política já permite o PSD.
Para que se trave a sucessão de negações impõe-se a conservação do PSD dentro do MLSTP. O partido é uma máquina formidável, politicamente temida pelos seus concorrentes. O seu distintivo, MLSTP/PSD, confere-lhe a denominação por todos conhecida e respeitada, seja pela admiração da sua militância, pela simpatia dos seus simpatizantes, ou ainda pela contrariedade dos que se sentem descontentes com a sua existência. Tirar do partido o PSD é romper o dique que de certa forma trava a pujança do negacionismo que no partido se exprime e que sem tal freio dará lugar a que a negação do MLSTP entre no turbilhão da vaga para a eliminação completa da política de orientação social.
Ficará o aparelho então acaparado por interesses completamente distantes dos que foram os interesses de origem do partido. Aqueles interesses conservarão o MLSTP porque sabem-no já confinado, transformado no asilo da política de orientação social, sem a força que impeça a satisfação dos fins a que se dão, pois, com o vigor e as motivações dos seus tempos de origem diminuídos e em diminuição no percurso das evoluções que se sucedem, geradoras de mutações constantes no partido.
É inquebrantável a ligação dos negacionistas com o MLSTP/PSD, sejam os radicais ou os mais conservadores dentre eles. É uma verdade presente na consciência de alguns deles, menos em outros prioritariamente preocupados com a realização das suas finalidades materiais. Estes praticam o seguidismo e aqueles sabem o que fazer e arrastam os outros comandando-os por influência e contágio. À todos, é indispensável o aparelho que é o MLSTP/PSD, porque sem tal aparelho ser-lhes-ia impraticável alcançar as finalidades que determinam as suas vontades e ambições.
A diversidade das vontades dos negacionistas fragiliza a sua coesão imediata e futura porque geradora de oposições constantes entre eles, o que acaba por levar muitos deles para o caminho do servilismo uma vez que pelo estado da ambição que os move se mostram vulneráveis e dispostos a qualquer associação mesmo em parcerias externas ao MLSTP/PSD desde que as condições da associação satisfaçam os seus interesses imediatos.
São fatores que fertilizam a deriva dissociativa dentro do MLSTP/PSD, sendo uma das manifestações a tendência ilustrada na iniciativa para que se afaste o PSD do MLSTP/PSD. É preciso que os resultados da evolução apontem no sentido adverso do da dissociação para que seja possível assegurar-se a convergência de todas as correntes de opinião que no interno do MLSTP/PSD se movimentam, condição para que o partido se recomponha em consistência e força que precisa para o exercício conveniente do papel que os seus militantes e a sociedade esperam dele.