Sociedade

“Ké Bêtôdô – idealizando um futuro construtivo sustentável em STP”

Construir em São Tomé e Príncipe, sem Destruir

São Tomé e Príncipe (STP) é um Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento, cuja superfície não ultrapassa os 1001 Km². No entanto, acolhe uma população estimada em mais 223 mil habitantes (dados do Instituto Nacional de Estatística de 2021), um número que aumenta cerca de 2% anualmente, segundo dados do Banco Mundial e que representa um aumento da pegada ecológica e consequente pressão sobre os recursos naturais.

Tradicionalmente, a maioria das casas em STP é construída à base de madeiras (estima-se empiricamente que mais de 90% das habitações) ou com recurso a blocos de concreto que, neste caso, para além de ser caros, utilizam cimento importado e carecem de areia, que é extraída das praias, causando sérios danos ecológicos.

Assim sendo, o grande desafio de STP sobre a sustentabilidade de suas construções, parece girar em torno da redução do uso desses dois materiais naturais – madeira e areia – cujos manejos e consumo, no formato e intensidade atuais, têm causado grandes impactos ambientais nas florestas e zonas costeiras.

Tornou-se então necessária a implementação de políticas habitacionais adaptadas, com técnicas inovadoras e ambientalmente amigáveis, seguindo uma abordagem ampla de todas as questões que garantirão a continuidade e sustentabilidade, e um alcance e impacto social contínuos.

“Interessa-nos bastante saber que temos alternativas para a construcao das habitacoes no país, o que vem ajudar no combate ao abate e destruicao das nossas florestas.” – Jukisia Salvador, Assessora do Presidente da República

Foi assim que surgiu o “Ké Bêtôdô, Construir sem Destruir”, atividade implementada pela BirdLife em STP e a empresa de construção Natural Arquitetura, no âmbito do projeto Paisagem/Landscape, financiado pela União Europeia, que visa contribuir para uma mais abrangente visão do uso de técnicas e materiais alternativos na construção, reduzindo o impacto nos recursos naturais.

A iniciativa Ké Bêtôdô

A iniciativa Ké Bêtôdô, que em dialeto local significa “Casa Inteligente” começou em 2022 com uma campanha de advocacia e comunicação abrangendo participativamente diferentes stakeholders, como instituições estatais representativas do setor construtivo, o setor privado e a sociedade civil, onde foram apresentadas diversas oportunidades de utilização de materiais alternativos e as suas vantagens. Por exemplo:

  • Podemos reduzir a desflorestação, usando a técnica de Taipa de mão, no qual se utiliza a madeira como material nobre apenas na estrutura das habitações, e massa composta por barro, fibras vegetais (capim seco, serradura e/ou fibras de coco) no preenchimento das paredes;
  • O uso da areia na confecção de tijolos para construção pode também ser substituída por barro e fibras vegetais secas, criando blocos de adobe. Desta forma, criamos vários benefícios de sustentabilidade socioambiental e viabilidade técnica/económica, como (i) a leveza dos blocos para não sobrecarregar as fundações; (ii) a sua capacidade de isolar o calor do exterior e assim tornar os ambientes internos naturalmente confortáveis, reduzindo a necessidade de equipamentos artificiais para arrefecimento de interiores e consequentemente do consumo de energia da rede elétrica;
  • Esta iniciativa impulsiona também a gestão adequada dos resíduos sólidos, através do reaproveitamento de materiais, como transformar garrafas de vidro em pó e plástico triturado em placas para construir, ou integrado nas paredes como suporte ou decoração.

“Acredito que a percepção dos benefícios que o uso eficiente destes materiais naturais e técnicas alternativas proporcionam na vida das pessoas, através da sua prática continuada ao longo do tempo, tem o potencial de criar novos hábitos na população santomense e, gradualmente, transformar a cultura construtiva nacional. Percebi nas pessoas com quem trabalhei em São Tomé, que aquele habitual medo do novo rapidamente dá lugar a um encantamento pela beleza, facilidade e eficiência construtiva das técnicas apresentadas, com uso de materiais tão simples e naturais como a terra e as fibras vegetais.”

Márcio Holanda – CEO da empresa Natural Arquitetura.

Este ano, a segunda fase do Ké Bêtôdô focou-se na formação teórico-prática de arquitetos, engenheiros e construtores locais, que culminou numa exposição aberta ao público dos produtos realizados pelos formandos e no lançamento de um manual explicativo de técnicas já adaptadas à realidade de STP.

“Inicialmente havia uma sensação de estranheza quanto ao material (…) mas neste workshop pudemos ver as possibilidades que o barro nos oferece em combinação com outros materiais [e como], paulatinamente podemos ir reduzindo a quantidade de madeira que se usa na construção civil.”

Waldemar Figueiredo, arquiteto e formando do Ké Bêtôdô.

O que vem por ai

Esta iniciativa deu uma nova ênfase à importância da sustentabilidade no setor contrutivo de STP, como forma de proteger os recursos naturais. É já visível, o interesse de alguns representantes da sociedade civil como a Oikos (parceira da BirdLife em STP) ao usar estas técnicas de construção nas suas atividades, além de vários interesses privados buscando alternativas para a construção direccionada ao ecoturismo.

O próximo passo da BirdLife em STP será focado nos potenciais consumidores através de mecanismos de sensibilização fazendo com que as pessoas sintam o interesse de construir com essas técnicas criando uma procura. De seguida trabalhar-se-á em assegurar que os interessados (já identificados durante a mencionada formação) tenham meios (materiais, recursos humanos e capacidades) necessários à sua disposição para implementar estas técnicas. Este trabalho será feito em parceria com o governo local, estimulando assim a adoção de novas e mais sustentáveis políticas habitacionais e sobretudo garantindo um enquadramento legal para a implementação destas técnicas.

Esta iniciativa tem a capacidade de influenciar a economia nacional em diversas frentes, tanto no setor primário, com o fornecimento de fibras vegetais diversas, como no setor secundário com a produção de blocos naturais, e no setor terciário com a prestação de serviços dos pedreiros e ajudantes capacitados nesta matéria.

O setor capacitação profissional é também uma área prevista de expansão desta iniciativa, através da inserção das técnicas apresentadas no Manual de Técnicas Alternativas no lecionamento de cursos relacionados à construção civil. Este manual, que também conta com o apoio da Fondation Prince Albert II do Monaco, poderá agora ser consultado em formato digital através da seguinte ligação: https://biodiversidade-chm.st/index.php/biblioteca/documentos/file/284-manual-de-tecnicas-alternativas-de-construcao-em-stp?start=20.

Acreditamos ser este o caminho a percorrer de modo a suprir as necessidades da crescente população santomense, sem no entanto pôr em risco os recursos naturais e a rica biodiversidade destas maravilhosas ilhas.

“Quanto mais cedo se despertar o interesse das pessoas por técnicas de construção civil ambientalmente sustentáveis, melhor elas estarão preparadas para “construir sem destruir” e, por conseguinte, para deixar um país e um ambiente saudáveis para as gerações futuras. É este o propósito final da iniciativa “Ké Bêtôdo”.

Agostinho Fernandes, Chefe de Gabinete de Projetos da BirdLife International em São Tomé e Príncipe.

Autoras: Marquinha Martins, Vânia Trovoada

Editor: Agostinho Fernandes

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