Opinião

Ecologia como questão ética, antropológica e espiritual

Na nossa contemporaneidade, temos vindo a constatar que todos os países se debatem com a questão ecológica, uma vez que as mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais, económicas, “distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade.” [1]

Por outro lado, pode-se dizer que esta questão já remonta ao início da revolução industrial, embora saibamos que, naquela altura, o que estava na mesa era o progresso económico, tecnológico, industrial e social, etc.

Com o passar do tempo, a importância da ecologia é agora indiscutível, ou seja, a ecologia tem vindo a fazer parte das preocupações de várias pessoas, isto é, tem vindo a estar presente nos vários debates nacionais, internacionais e religiosos, porque o ritmo que estamos a levar na exploração dos recursos naturais está a pôr em causa a existência do planeta terra e, consequentemente, da humanidade que nele habita. No fundo, os grandes líderes mundiais e nacionais têm vindo a reconhecer que a própria natureza traz em si a sua dignidade, que deve ser seguida e respeitada.

As mudanças que a humanidade e o planeta têm vindo a sofrer pela imposição das ações humanas contrastam sempre com a lentidão natural da evolução biológica. “A isto vem ajuntar-se o problema de que os objetivos desta mudança rápida e constante não estão necessariamente orientados para o bem comum e para um desenvolvimento integral. A mudança é desejável, mas torna-se preocupante quando se transforma em deterioração do mundo e da qualidade de vida de grande parte da humanidade.”[2]

Consciente desta exploração irracional no progresso e nas capacidades humanas, uma parte da sociedade está a entrar numa etapa de maior consciencialização, ou seja, tem vindo a ganhar sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza, isto é, cresce uma sincera e sentida preocupação pelo que está a acontecer ao nosso planeta.

Além disso, a par desta sensibilidade crescente relativamente ao meio ambiente, tem vindo a “crescer uma ecologia superficial ou aparente que consolida um certo torpor e uma alegre irresponsabilidade.”[3] Como frequentemente acontece em épocas de crises profundas que exigem decisões corajosas, somos tentados a pensar que aquilo que está a acontecer não é verdade. Se nos detivermos na superfície, para além de alguns sinais visíveis de poluição e degradação, parece que as coisas não são assim tão graves e que o planeta poderia subsistir ainda por muito tempo nas condições atuais. Este comportamento é algo que está presente nas políticas nacionais e internacionais, quando os governos adiam as decisões importantes, quando agem como se nada tivesse acontecido, quando tentam não ver ou reconhecer os problemas autodestrutivos do ambiente e da humanidade que nele habita.

Por causa desta indiferença para com a natureza e para com a humanidade, há regiões do nosso planeta e, concretamente, do nosso país que se encontram particularmente em risco de uma previsível catástrofe natural, o que demostra que o atual sistema mundial é insustentável a partir de vários pontos de vista, porque deixamos de pensar nas finalidades da ação humana.

Todavia, é a partir daqui que entra a ecologia como questão ética, porque o bem da humanidade é, assim, o farol -guia de toda a ética e política possíveis. Uma ética que prescinde do sentido do bem é uma ética desprovida de vida. Como diz Américo Pereira numa das suas lições sobre axiologia e ética, “a ética é para cada ser humano o lugar dinâmico próprio da possibilidade de fazer o bem”. É sobre esta intuição fundamental que toda a ética pode constituir-se. O meio ambiente é um bem coletivo, património de toda a humanidade e responsabilidade de todos, desde o mais pequeno até aos grandes detentores de poder (Estado).

Por isso, para não carregarmos na consciência o peso de negar a existência aos outros no futuro, temos de ver as coisas com um olhar novo, com um pensamento novo, com uma política nova e, sobretudo, defender um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência a políticas que defendem uma exploração irracional dos recursos naturais e que escondem os “problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial.”[4]

Por conseguinte, a ecologia como questão antropológica traduz-se no facto de que só a liberdade humana no seu sentido autêntico e espiritual é capaz de orientar a humanidade para o bem, na medida em que “o homem é o protagonista e o centro e o fim de toda a vida económico-social”[5].  Tudo está interligado; quando falamos do meio ambiente, fazemos uma referência a uma relação muito particular: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto para dizer que nós, homens, estamos incluídos nela, somos parte dela e somos responsáveis pela preservação do ambiente.

Todavia, queremos aqui insistir num ponto que a nosso ver, é descurado, hoje como ontem. Assim sendo, vou usar a palavra do Papa emérito Bento XVI na visita ao parlamento federal: assim como existe uma ecologia da natureza também existe uma ecologia do homem, diz o Papa. Também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece. O homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza, e a sua vontade é justa quando respeita a natureza e a escuta e quando se aceita a si mesmo por aquilo que é e como não criado por si mesmo. Assim mesmo, e só assim, é que se realiza a verdadeira liberdade humana.

A ecologia como questão espiritual refere-se à esperança que nos convida a reconhecer que há sempre uma saída. Contudo, é necessário comprometermo-nos com a vida, com a verdade, com o bem da humanidade e com o bem da nossa pátria em concreto. A humanidade não estará bem constituída nem será fecunda se não se orientar pelo compromisso. Esta virtude que tem o seu fundamento na natureza humana é necessária para o bem do ambiente, para o desenvolvimento integral de qualquer país, para a unidade da sociedade, para a unidade da cidade e da humanidade, porque sempre que nós falhamos neste comprometimento com a vida humana é a humanidade que sofre. A política deve ser um compromisso em prol da justiça e do bem-comum.  Diz o Papa Francisco: o amor social é a chave para um desenvolvimento autêntico.

Portanto, é preciso assegurar que as políticas nacionais e internacionais defendam um debate científico e social que seja responsável e amplo, capaz de considerar toda a informação disponível e chamar as coisas pelo seu nome. Sabemos que em diversos momentos destes debates nacionais e internacionais não se colocam todas as informações sobre a mesa, porque muitas vezes essas informações são selecionadas de acordo com os próprios interesses políticos, económicos e ideológicos e isto torna muito difícil elaborar um juízo equilibrado e prudente sobre as várias questões em jogo.

Por outro lado, dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema; por isso, é fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com o sistema sociais. Porque “não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.”[6]

VICENTE COELHO 

[1] Laudato Si, p.24.

[2] Laudato Si, p. 19-20.

[3] Laudato Si, P.46.

[4] Laudato Si, p.85.

[5]Laudato Si, p. 95.

[6] Laudato Si, p.106.

8 Comments

8 Comments

  1. carlos

    15 de Fevereiro de 2018 at 10:00

    Meu caro gostei do teu artigo,interessante trabalho .

  2. Bento

    15 de Fevereiro de 2018 at 14:53

    Também concordo consigo carlos, o rapaz escreveu um bom texto ..Gostei muito da conclusão que ele faz . Passo a citar a frase”dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema; por isso, é fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com o sistema sociais. Porque “não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental. As directrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.”

  3. Bento

    15 de Fevereiro de 2018 at 14:59

    Também queria salientar um ponto que achei pertinente no texto. “A política deve ser um compromisso em prol da justiça e do bem-comum.” Se ela for vista e vivida desta forma acredito que STP dará o seu passo à desenvolvimento que todos os santomenses esperam .

  4. António

    15 de Fevereiro de 2018 at 15:50

    Cada dia que passa São Tomé e Príncipe vai perdendo algumas das suas belezas naturais, falo das paisagens da baía Ana chave , falo do rio água grande , falo das praias, falo das nossas praças, falo das nossas florestas etc. Todos estes aspectos mencionados tem vivido momento de degradação . Devido a maneira como nós posicionamos ou como nós tratamos aquilo que é o nosso património. Eu até diria que somos indiferentes com aquilo que é nosso. Por outro lado, queria salientar que gostei do artigo, particularmente a forma como você fala da ecologia como questão ética, antropológica e espiritual. sublinho esta parte do artigo”a ética é para cada ser humano o lugar dinâmico próprio da possibilidade de fazer o bem. É sobre esta intuição fundamental que toda a ética pode constituir-se. O meio ambiente é um bem colectivo, património de toda a humanidade e responsabilidade de todos, desde o mais pequeno até aos grandes detentores de poder (Estado).”

  5. António

    15 de Fevereiro de 2018 at 15:51

    Parabéns pelo artigo

  6. Vicens

    15 de Fevereiro de 2018 at 22:48

    Obrigado caríssimos. .

  7. Walkdir

    19 de Fevereiro de 2018 at 0:18

    Parabéns meu caro colega.

  8. Claudiu

    23 de Fevereiro de 2018 at 10:50

    Muito bom texto, não só fala da ecologia no seu sentido lato,como também fala da ecologia humana. O respeito para com o ser humano. Parabéns rapaz

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