Opinião

As Crianças num Infantário

A irresponsabilidade, a falta de transparência e, em casos mais extremos, a manifestação de atos persecutórios seletivos e discretos, com a intenção de domesticar adversários políticos e populações inteiras, tendo como suporte uma demonstração inócua do sentido de autoridade, tem sido um dos principais atributos deste governo e maioria governamental com consequências extremamente negativas na criação de condições para o desenvolvimento económico e social da nossa terra.

O Governo Regional do Príncipe, em concertação com o Governo Central anterior e outras entidades externas, designadamente a  EDP Renováveis S.A de Portugal (EDPR), desde o ano de 2015, tem tentado criar condições, através de múltiplos encontros de trabalho, análise  de documentação e discussão técnica, deslocações de equipas técnicas daquela empresa internacional ao Príncipe e outros expedientes, para realização de trabalhos preliminares de campo, bem como reflexões com entidades empresariais e sociedade civil regional, com o objetivo de dotar a ilha do Príncipe de condições para o desenvolvimento de um projeto de investimento relacionado com uma central de produção de energia solar e armazenamento da mesma tendo em conta a especificidade do contexto de intervenção.

Tal tarefa mobilizou uma grande quantidade de meios e vontade política, com o objetivo de resolver os problemas de energia no contexto regional.

É isso que se pede aos políticos, quaisquer que fossem, que, de acordo com as condições existentes no contexto, de natureza técnica, orçamental e de outra ordem, tentem resolver os problemas das populações.

Um político não é um “cozinheiro” ou um “construtor civil” que tem de ter, antecipadamente, ingredientes para cozinhar um bom prato de “Molho no Fogo” ou materiais de construção completos para edificação de uma casa, de acordo com a arquitetura proposta, e caso não os tenha, tenha de andar a chorar perante tal fatalidade. Ele tem de ter a arte, de acordo com as condições existentes, de fazer o melhor possível, naquelas condições, para responder aos anseios das populações.

Neste âmbito, não podemos escamotear os esforços do anterior Governo Central, do anterior e atual presidentes do Governo Regional do Príncipe bem como do anterior secretário do Governo Regional, Silvino Palmer, que, desde a primeira hora, abraçaram este propósito, abdicando muitas vezes das suas rotinas familiares e pessoais, facto pouco usual entre nós, para a criação de condições que permitissem a materialização do projeto em causa.

Tendo em conta a evolução dos acontecimentos, neste âmbito, desde 2015, que comportou a realização de dezenas de reuniões de trabalho, múltiplas reflexões e negociações bem como a reavaliação das condições iniciais para o desenvolvimento do referido projeto, em Outubro de 2018, foi realizada a assinatura do memorando de entendimento “Termos Principais para o Acordo de Desenvolvimento Conjunto Preliminar” seguidos de outros acontecimentos, entre eles, a elaboração do estudo económico e financeiro, no qual, entre outros enquadramentos, faz referência ao financiamento adaptado ao referido projeto, investimentos a fazer, exploração e fixação da tarifa associada, etc.

Posteriormente, em Abril de 2019, foi feita uma proposta por parte da empresa em causa, EDP Renováveis S.A de Portugal (EDPR), às entidades do Governo Central e Regional, sugerindo um valor de 210 Euros por MWh, como indicador de venda da energia produzida pelo projeto em causa à rede elétrica regional, para discussão pública, sendo que tal proposta estaria, aparentemente, abaixo, dos 250 Euros por MWh, sendo esta produzida a partir de gasóleo que é a forma mais comum entre nós de produção de energia para consumo doméstico e empresarial.

Fruto desta análise e discussão, e tendo em conta a evolução de alguns indicadores relacionados com a crescente procura energética no contexto regional, nomeadamente os investimentos estrangeiros gerados ultimamente e outros fatores, o valor referenciado anteriormente para discussão pública, ou seja, os 210 Euros por MWh, foram reavaliados, em negociação com a empresa em causa, para 160 – 170 Euros por MWh, em agosto de 2020.

Assinado o contrato e respetivas condições, aparentemente, estavam reunidos os meios para que a Região Autónoma do Príncipe começasse a trilhar um caminho de sustentabilidade, no que se refere à produção energética, para além de tal contribuir para minimizar a dependência do uso do gasóleo, com todos os impactos negativos associados, que contribuem para agravar os custos de dupla insularidade e cortes constantes de energia, porque, neste caso, a central de produção de energia solar com armazenamento, permitiria desligar, totalmente a central de produção que funciona com o gasóleo, por várias horas durante o dia.

Parece que tudo se encaminhava para que o projeto fosse avante, tendo como parte integrante do mesmo uma empresa internacional que mais know-how tem neste domínio.

De repente, sem que nada o previsse, em março do presente ano, o governo central atual, através do ministério do senhor Abreu, endereçou uma carta para a empresa EDP Renováveis S.A de Portugal (EDPR) sugerindo novas condições e novos parâmetros a serem negociados e introduzidos nos contratos, que tinham sido assinados anteriormente, bem como a revogação do mesmo, aparentemente, sem uma justificação racional para o efeito, propondo, entre outras coisas, a proposta de revisão da tarifa de venda da energia produzida, anteriormente contratualizada, para os 85 Euros por MWh.

Qual foi o resultado desta decisão do Governo Central que mais se assemelha a uma brincadeira de crianças num jardim de infância?

É óbvio que a empresa EDP Renováveis S.A de Portugal (EDPR) não esteve com meias medidas e apesar de ter perdido uma pipa de massa na contratação de consultores e técnicos que estiveram desde 2015 na criação de condições para a edificação do referido projeto, entre viagens ao Príncipe, reuniões, etc., para além de avultados investimentos já feitos nos estudos técnicos, resolveu declinar a proposta de renegociação recebida por parte do Governo Central do nosso país, enviada pelo senhor ministro Abreu, e definitivamente renunciar à implementação do referido projeto.

É assim que as crianças normalmente brincam num infantário e ninguém leva a mal. É assim que se cria condições, com estes atos que mais se assemelham às brincadeiras de crianças, para afastar todo o tipo de investimento privado estrangeiro no país. Quem vai investir num país onde os decisores políticos comportam-se desta forma?

Só que neste caso específico, o senhor ministro Abreu tem de nos explicar, publicamente, algumas coisas.

Primeiro – Por que razão, tendo ele uma proposta interessante, em desenvolvimento entre as entidades regionais e governo central anterior, desde 2015, tendo como parceiro um dos maiores grupos internacionais neste ramo empresarial específico, que poderia contribuir para a minimização dos problemas energéticos na ilha do Príncipe, agiu da forma que agiu, agora, sem qualquer reflexão, debate público ou transparência associada, que culminou com a renúncia à implementação do referido projeto por parte da referida empresa (EDPR)?

Segundo – Que solução alternativa tem o senhor ministro Abreu, com um enquadramento técnico, logístico, empresarial e financeiro similar, ao ponto de ousar dar-se ao luxo de deitar para o lixo aproximadamente 5 anos de trabalho duro de tantas pessoas que pretendiam criar condições para minimizar as condições de vida da população do Príncipe neste âmbito específico?

Terceiro – O senhor ministro Abreu garante-nos que realizará um projeto alternativo, na ilha do príncipe, nos próximos tempos, comportando a produção e venda da energia produzida por 85 Euros por MWh, sem custos exorbitantes de construções de outras centrais para o armazenamento de energia produzida para formação da rede e escoamento da mesma? Este projeto será construído quando? Quanto custará?  Que empresas irão desenvolvê-lo?

Quarto – Quem fará a manutenção das valências do referido projeto que o senhor ministro Abreu tem como alternativa? Quanto custará ao erário público?

Quinto – A empresa que o senhor ministro Abreu encontrou, para realização do projeto alternativo àquele que a empresa EDP Renováveis S.A de Portugal (EDPR) iria executar, com custos eventualmente mais baixos de produção, armazenamento e escoamento de energia, tem ao seu dispor estudos relacionados, por exemplo, com o potencial solar e eólico para a ilha do príncipe e outras valências técnicas associadas para o desenvolvimento do referido projeto ou, em alternativa, irão perder mais 5 ou 6 anos no desenvolvimento destes estudos para a realização do projeto em causa? Quantos anos mais, terá a população da ilha do Príncipe que esperar para que estes constrangimentos, impeditivos do seu desenvolvimento, comecem a desaparecer?

Sexto – O senhor ministro Abreu acha legítimo e razoável tomar decisões políticas desta amplitude, sem consultar ou ouvir, pelo menos em jeito de respeito institucional, a parte mais interessada neste processo que são os órgãos do Governo Regional do Príncipe e sua população, com a finalidade, eventualmente, de melhorar os argumentos em defesa da sua tese?

Espero, sinceramente, pelas respostas públicas do senhor ministro Abreu, relativamente às questões levantadas anteriormente, porque estou, neste momento, convencido, que se trata somente de razões de natureza técnica, financeira e afins que determinaram a tomada da decisão política do mesmo em relação ao assunto em causa.

Caso contrário, terei toda a legitimidade para pensar que esta decisão política, que peca em termos de reflexão e debate público, terá, também, associada à mesma, contornos poucos claros de transparência, ética e moralidade.

Sou estruturalmente avesso a estes julgamentos, sobretudo de forma leviana, porque reduzem a política e intervenção no espaço público, aos juízos subjetivos e generalizados, sobre decisores políticos, relacionados com a carência de virtude.

Todavia, não deixo de pensar que a população do Príncipe nunca esquecerá que quem a privou do cabo de fibra ótica, com consequências negativas para o seu desenvolvimento, hoje em dia, que todos conhecemos, foi o senhor Rafael Branco, enquanto primeiro-ministro, e, agora, quem parece privá-la de condições para resolver ou minimizar o problema energético crónico de que padece é o senhor ministro Abreu, sendo, todavia, que ambos são do MLSTP. Deus queira que seja só coincidência!

É por isso, também, que sou estruturalmente defensor do aprofundamento da autonomia regional do Príncipe porque tal poderia contribuir para o seu desenvolvimento endógeno, em, vários aspetos.

Não me parece que seja só a incompetência, a falta de imaginação e criatividade de alguns decisores políticos nacionais que têm contribuído para minar as condições para o desenvolvimento do Príncipe, em particular, pois, creio que existe maldade intrínseca e premeditada, por parte de alguns decisores políticos nacionais, de prejudicar uma população inteira, por motivos que não consigo descortinar de forma clara, algo que aquelas duas decisões políticas parecem denunciar. Não será, também, por isso, que têm evitado, de todas as formas, criar condições para o aprofundamento da autonomia regional?

Estarei muito atento ao desenvolvimento deste assunto nos próximos tempos. Não podemos estar nas condições em que estamos, de tanta fragilidade económica e social, com tantas bolsas de manifestação de miséria e pobreza e, no entanto, termos decisores políticos que se comportam como crianças no infantário.

Adelino Cardoso Cassandra 

P.S: Comecei a fazer um exercício analítico, tendo em conta a participação individual dos vários candidatos, para as eleições presidenciais, no programa “Nós Acreditamos”. De acordo com as minhas disponibilidades, fui fazendo artigos de opinião que retratavam o desempenho dos mesmos nestas entrevistas.

Agradava-me imenso ter a possibilidade de continuar a fazer este exercício de cidadania, com muito gosto, até pelo facto de ter bons motivos, tendo em conta a qualidade de algumas entrevistas recentes, que, todavia, não poderei analisar. Peço aos leitores as minhas desculpas, por tal facto, pois, tendo em conta as solicitações de natureza profissional intensa, nesta altura do ano, terei de suspender este exercício iniciado anteriormente.

12 Comments

12 Comments

  1. Arménio Camblé

    22 de Junho de 2021 at 11:46

    Oh Senhor Adelino Casssandra, escreves muito para dizer muito pouca coisa na maioria dos teus escritos. Entende-se, se calhar é falta de alguma capacidade de sintese, ou, senão mesmo, trazer a baila algumas palavras bonitas, “neologismos” e coisas assim, para tornar mais atrativa e “prender” o leitor.
    Mas confesso que ainda assim gosto quando escreves. E neste caso particular, felicito-lhe pela analise e CONTRIBUIÇÃO.
    Minhas desculpas pela franqueza…..

  2. Quaresma

    22 de Junho de 2021 at 12:59

    Acontecimento triste, desolador e logo com uma empresa com a credibilidade da EDP.

    São Tomé não tem mesmo qualquer futuro, apenas a certeza da pobreza e da miséria do seu povo.

  3. José pires

    22 de Junho de 2021 at 13:10

    Esse osvaldo abreu é um autêntico garoto. Nem ele nem o Jorge e seus pares não têm noção o que é uma governação de um país. O pior disso tudo é que estamos a pagar por tudo de mal que estão a fazer.

  4. Melhoral

    22 de Junho de 2021 at 14:33

    Contando não se acredita nestas coisas que não param de acontecer em S.T.P. Cada vez mais não acredito nos nossos políticos 0porque eles não estão com espírito de trabalhar para o desenvolvimento do país. É inacreditável estar assistir estes acontecimentos e não poder fazer nada para mudar as coisas. A impressão que eu tenho é que os nossos políticos tomaram o país para eles e para as suas famílias e ninguém pode fazer nada para alterar este estado de coisas. Este não é mesmo ministro que foi casar lá fora em Portugal ou França?

  5. SANTOMÉ CU PLIXIMPE

    22 de Junho de 2021 at 16:26

    Vem plantar banana

  6. XYZ

    22 de Junho de 2021 at 21:17

    Este Osvaldo Abreu está a sair-me um grande c……. Daquilo que eu conhecia dele nunca esperei que ele seguisse esse rumo que tanto ele criticou no nosso grupo de amizade. Não consigo perceber como é que toda a gente que entra na política cá nesse país consegue transformar desta forma. Isso é entendível para mim.

  7. Francisca Aleixo

    22 de Junho de 2021 at 21:23

    Este país tem praga da grande. Que raio de coisa. Sai governo entra governo e não se muda os hábitos. O ministro Osvaldo tem muito sôplo e sempre tentou passar uma imagem de diferença. Ai está o exemplo que toda gente já conhecia. São estes exemplos que faz com as pessoas não confiam nos políticos de S.Tomé.

  8. R.T

    22 de Junho de 2021 at 21:29

    Já estão a preparar o terreno para comer dinheiro. A receita é simples. Denunciar o contrato. Tirar uma empresa competente para meter uma empresa de amigos que paga por fora. Receber uma boa bufunfa por fora para dividir com os amigos do partido. Fazer um péssimo serviço de produção de energia. Daqui por alguns anos está todo o equipamento lixado e já não há energia. A empresa do amigo desaparece da circulaçao. O ministro já não é ministro e já está noutro lugar. E a ilha do Príncipe continua na escuridão. Querem apostar que é isso que vai acontecer? Isso é uma brincadeira de facto que estamos nele desde 1975.

  9. Matabala

    23 de Junho de 2021 at 13:25

    Não é novidade estes malabarismo. ..tem sido sempre assim. Aqui pensam que por ser poder hoje podem entrar a matar com empresas sérias para ver no que dá. ..e o que dá é muito mau resultado. Conclusão : mais um projecto de muito valor para o país foi ao fundo e ainda fica imagem de bandidozinhos de esquina que é o que investidores estrangeiros pensam de nós. Triste passar vergonha por causa da ganancia desses politico. Triste o nosso desenvolvimento emquanto nação estar na mão destes traidores a patria. Em verdade não lhes interessa nada o desenvolvimento do país – essa história de energia, geradores e combustíveis é saco azul deles com EMAE ha 46 anos.

  10. Simples

    23 de Junho de 2021 at 15:57

    Palavra de honra. Eu não consigo perceber este país. É muita canalhice para a minha cabeça. Como é possivel uma coisa dessa acontecer? Xiê!!!!!!!!!! Empresa fez estudos durante cinco anos para levar energia solar para a ilha do príncipe. Enviou técnicos para fazer estudos. Preparou tudo e agora o ministro vem dizer que não pode ser. Custa-me acreditar nisso.

  11. SEMPRE AMIGO

    24 de Junho de 2021 at 12:29

    O assunto trazido ao público pelo professor Adelino Cassandra é muito sério e deveras preocupante.Concordo com o desafio feito pelo professor ao sr. ministro Osvado Abreu.Uma intervenção pública(pela rádio e televisão) com o objectivo de esclarecer(para não complicar ainda mais) deve ser feita sem demora pelo ministro Abreu.Porque a questão mais importante para quem anda na vida política é a credibilidade e a autoridade moral e ética .O sr. primeiro ministro, por favor, não procure defender-se com a desgastada desculpa(NÃO ESTOU INFORMADO).Interprete correctamente e de forma abrangente, o atigo do sr Adelino Cassandra….Curioso!..em todos os artigos do professor Cassandra,publicados no Téla Nós,sobre variados assuntos, o mesmo nunca se esqueceu de reservar dois ou três parágrafos para fustigar os figuras políticas do MLSTP da primeira e da segunda república.Pelos vistos o amigo Cassandra não consegue, infelizmente, libertar-se do “pesadelo” do seu passado. É pena! Finalmente…No P.S. do seu artigo o conterrâneo Adelino Cassandra justifica a” suspensão do seu exercício análítico no programa “Nós Acreditamos”devido”as solicitações de natureza profissional intensa nesta altura do ano”.Que pena! Gostaria de ler o seu comentário sobre a performance do candidato VILA NOVA.

  12. Rodrigo Cardoso

    26 de Junho de 2021 at 12:57

    Lamentavelmente mas uma vez mas enfim só espero que o senhor Osvaldo Abreu desta vez quando sair do governo saia confortavelmente bem para não fazer como de outra vez que veio buscar pão para boca no orçamento regional Santo Antônio não só e Milagroso como muito mas muito poderoso ,estamos aqui a espera desse senhor Osvaldo. Um bem haja a todos

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