Opinião

Juventude São-tomense – um olhar não indiferente

Por: Lúcio Neto Amado

Juventude São-tomense – um olhar não indiferente

              A ideia de escrever o presente artigo de opinião surgiu-me depois de observar, meses a fio, o comportamento de jovens cujas idades aparentam ser da faixa etária compreendida entre os 6 e os 13 anos, que deambulam sem rumo pela nossa cidade – capital da República Democrática de São Tomé e Príncipe – buscando respostas que satisfaçam, provavelmente às perguntas que vão sucedendo nas suas cabeças. Quase todos eles provêm de zonas periféricas da cidade à procura de algo que dê sentido à vida e ao crescimento que se quer saudável numa sociedade, labiríntica como a nossa, que exibe um grau acentuado de enfermidades.

            Na actualidade, a vida na nossa cidade torna-se extremamente complicada, sobretudo para os jovens dessas idades, independentemente, da sua condição social.

Jovens de baixa condição social

Os de baixa condição social, aqueles que dormem literalmente ao relento, sobrevivem num “mundo” agreste onde a prevalência da lei do mais forte se faz sentir e, à custa de expedientes que a rua lhes proporciona, ou seja, não dispõem de um tecto para se abrigarem, nem de uma família que os acolha. Estão condenados e entregues à sua sorte. Nunca aprenderam a sonhar, pondo em causa o slogan de um conhecido poeta lusófono que declarou num poema que o sonho comanda a vida. O sonho que o Estado, a quem é atribuída a função de garante de uma sociedade equilibrada e inclusiva, parece manter numa atitude de quase “ausência”.  

Esses jovens, ainda na idade de frequentarem o ensino primário, aparentam ser os excluídos das ilhas, pois as carteiras da escola ficam distantes do sonho de poder aprender, brincar, jogar e conviver com outras crianças que exibem com orgulho, cadernos, lápis e esferográficas, conteúdos, que enchem as mochilas adquiridas com grande sacrifício pelas mães São-tomenses. Mães batalhadoras que fazem lembrar uma figura brechtiana designada de mãe-coragem. 

Jovens de condição social média e média baixa

Os de condição social média e média baixa conseguem sentar-se nos bancos da escola pública – Escola Primária – onde as exíguas salas de aulas, onde pontua uma deficiente iluminação, comportando, em média 30 a 40 alunos, com quadros onde se aprendem a fazer contas de somar e de multiplicar e se escrevem sumários, não facilitam nem ajudam, cabalmente, a aprendizagem.

As casas de banho, frequentemente entupidas, não permitem a sua utilização por parte dos alunos, deixando sobretudo as meninas desprotegidas e sem privacidade. Os recreios não são facilitadores da promoção de convívio e de solidariedade entre os mais novos, e os recintos para jogos pré-desportivos e desportivos são inexistentes.  

Os outros jovens que não fazem parte deste espectro frequentam escolas privadas, do ensino básico ao ensino secundário, onde a aprendizagem parece ser feita nos moldes julgados adequados às respectivas faixas etárias.

Jovens portadores de deficiência

Poucos são os jovens portadores de deficiência que chegam à Escola pública. Os motivos variam muito, havendo casos em que a própria família “esconde” os jovens ou por vergonha ou por ignorância, nos outros casos a família incorpora, em certa medida, o estigma que a própria sociedade lhe impõe. Assim, os jovens vêm-se arredados dos bancos da escola, uns por ignorância da parte de familiares, outros por desconhecimento e falta de informação, outros ainda por vergonha, pois a crença e o obscurantismo – filho deficiente representa “castigo de Deus” – bloqueiam a integração e a inclusão. Os surdos-mudos, por exemplo, não são devidamente acompanhados por falta de professores especialistas. As mães multiplicam as suas acções entre o Ministério e as Escolas, em busca de soluções para os seus filhos, que com relutância são integrados em turmas com elevado número de alunos.

Não me é possível abordar questões semelhantes relacionadas com a ilha do Príncipe devido a problemas que se prendem com a falta de condições objectivas de deslocação tanto marítima como aérea.

O que é de facto um jovem no contexto do nosso arquipélago? 

              Os jovens são, na generalidade, caracterizados pela sua irreverência sem limite, pela vontade de aprender e adquirir conhecimentos e reveladores de um desejo de afirmação desmedida.

            Na actualidade, os jovens São-tomenses, nascidos nos finais do século XX e nos princípios do século XXI, experimentam dificuldades acrescidas por motivos que se prendem com problemas de natureza conjuntural e de ordem estrutural.

 O motivo de natureza conjuntural remete-nos, grosso modo, para as consequências ditadas pela dinâmica causada pela mudança de paradigma, provocada pela Nova Ordem Mundial, com que os países “poderosos” e as instituições internacionais determinam e impõem aos que estão no limiar do desenvolvimento. Um mundo onde as dinâmicas da industrialização e as novas tecnologias fazem toda a diferença, na dicotomia países centrais e países periféricos.

Os problemas de ordem estrutural localizam-se nos salpicados pequenos ilhéus e nas duas ilhas principais – São Tomé, a ilha maior e Príncipe, a ilha mais pequena – que compõe todo o território, mergulhado num Golfo da Guiné, onde interesses entrecruzados coabitam, à revelia das suas populações.

Os pré-adolescentes São-tomenses

              O universo da pré-adolescência marca de uma forma decisiva a “transição” de idade onde a criança atinge no seu crescimento, mudanças significativas no desenvolvimento físico, emocional e social.

            Tomando de uma forma aleatória, enveredamos, em primeiro lugar por aqueles jovens que na cidade deambulam por um trilho cheio de escolhos que lhes dificultam a sobrevivência do dia-a-dia. Esses jovens, que a família, a sociedade e o Estado parecem ignorar, começam o dia cedo, à procura de algo para comer para se manterem em pé. Por terem um aspecto andrajoso, apresentando-se, descalços, com roupa rasgada e bastante suja, corpo igualmente carregado de sujidade por não tomarem banho dias seguidos, são escorraçados por uma maioria significativa de cidadãos, dos mais diversos extractos sociais que labutam na capital do país.

            A “justiça” utilizada como forma de branquear a situação, ou como forma punitiva, a que alguns cidadãos se socorrem, passa por etapas diversas. Assim, é frequente ver-se na cidade, cidadãos que insultam e batem os indefesos jovens apresentando um argumento simplista do género – «vocês envergonham o país! Andam atrás de turistas a pedir dinheiro e doce!»; alguns cidadãos interpelam os jovens, com ar zangado – vadios, malandros, vão mais é para a escola; outros ainda ignoram-nos, simplesmente. Poucos são aqueles que lhes dirigem uma palavra de conforto, ou oferecendo um pão para saciarem a fome. Dificilmente se vê, algum cidadão a questionar a razão pela qual os referidos jovens chegaram a tal situação indiciadora de exclusão social e familiar.

Caminhos para a delinquência juvenil?

              Esses jovens estão disseminados pela cidade-capital, constituindo grupos que vão de 6 a 10 elementos. Localizam-se, grosso modo, no Parque Popular; no supermercado CKDO; na zona central da bomba de gasolina em frente às firmas, Pereira Duarte e Ayres Beirão; na zona do aeroporto; no espaço em frente ao café Passante, no restaurante perto das Nações Unidas; na nova padaria e café dos Libaneses. Os locais citados são visitados, amiudadamente, por estrangeiros e turistas que embora assediados, por esses jovens, fazem fotos de “recordação” para os mais desconhecidos fins.

            O problema da delinquência juvenil está à espreita em todo o lado, pois a tentação é muita e as ofertas para a marginalidade demasiada. A ausência de afectividade e de auto-estima empurram alguns dos menores a experimentarem e fumarem produtos proibidos, a consumirem bebidas pouco recomendáveis para a sua idade e a fazerem pequenos furtos. Esses pequenos estão a dar pequenos passos em direcção ao obscuro mundo de gangs organizados. A iniciação e os procedimentos a que estão sujeitos poderão, eventualmente, transformá-los, a curto prazo, em presas fáceis para um certo turismo selectivo e menos ortodoxo.

Os professores e a partidarização das instituições públicas

Os professores, peão principal, dessa engrenagem para fomentar o processo de ensino-aprendizagem, não conseguem actuar, na sua totalidade, devido à provável falta de vocação, a ausência de formação pedagógica adequada, à falta de material escolar, nomeadamente, manuais escolares, para benefício de alunos e de docentes. Parece não existir um quadro jurídico que assegure a estabilidade profissional, nem tão pouco uma tabela regularizadora de habilitações próprias para o Ensino. A profissão de professor é, na actualidade, completamente desvalorizada e sem prestígio social.

A exagerada partidarização das instituições públicas São-tomenses, a que a Escola não está imune, cria sérios bloqueios aos potenciais candidatos, o que não facilita a colocação em tempo útil dos docentes, nem tão pouco a transparência do processo. Passados que foram quatro décadas e meia de independência – cerca de 47 anos – os sucessivos Governos jamais conseguiram apresentar políticas de ensino credíveis, que satisfaçam a população da novel República.

Como minorar os danos?

              A forma de minorar os danos assenta fundamentalmente em três instituições sociais: o Estado, a Família e a Escola.

            O Estado é, por definição e pelas circunstâncias que lhe são conferidas pela Lei, consubstanciada na Constituição da República, uma pessoa de bem. A Família é, usando uma expressão de anatomia geral, a coluna vertebral de qualquer sociedade. A Escola, berço de conhecimento, é o sustentáculo maior de uma aldeia, de uma comunidade, de uma nação.

            Posto isso, penso que deverá haver uma parceria entre a referida trilogia – Estado, Família, Escola – criando-se uma instituição credível e vocacionada para lidar com assuntos relacionados com Menores.

O detentor do Poder, nesse caso, o Estado, deverá criar uma instituição forte, fazendo parcerias com a autarquia, a família, a escola e a sociedade civil, para acompanhar esse grupo de jovens problemáticos cujo número tende a crescer exponencialmente. Desenvolver um programa de sensibilização para responsabilizar um número significativo de “pais” que não registam os seus filhos.

            Criar-se planos de recuperação desses jovens, apostando numa equipa multidisciplinar que integre sociólogos, psicólogos, assistentes sociais, professores de educação física e desporto. A aposta em escolas de música, em pequenos ateliês de pintura, em escolas de artes dramáticas, a disseminação de pequenos clubes de bairro, de parques desportivos, de campos de jogos, de bibliotecas, e de outros apetrechos sociais, poderá ajudar a referida equipa multidisciplinar. A ajuda de todos potenciará, seguramente, a inclusão dos jovens São-tomenses.

2 Comments

2 Comments

  1. Sotavento

    18 de Novembro de 2022 at 5:44

    Grande artigo!
    Que as entidades tenham em conta.

  2. Ana Costa

    19 de Novembro de 2022 at 21:29

    Obrigada ao conterrâneo, Lúcio Amado, pela profunda radiografia e reflexão dos Nossos jovens, enfim, do Futuro de STP.
    Artigo a ser divulgado, difundido e levado ao Conselho de Ministros, a Assembleia Nacional, enfim, a Ministra da Juventude e Desporto
    Bem haja

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